Coisas de Beijos na Boca
Todos os filhos têm aqueles carinhos muito próprios, em alturas muito próprias, para mostrar aos pais que, apesar de todas as birras e teimosias e frases cruéis, ele gostam muito de nós. O Sebastião encosta a sua cabecinha grande e bochechuda no meu ombro, aninhando-se em mim sem os seus gestos brutos habituais. Encaixa perfeitamente entre o meu pescoço e o ombro, e só fico com pena de não ter mais “chicha” para lhe servir de almofada. Quando lhe dá para o mimo com mais força, cai com violência em cima dos meus ossos, e só não me faz mais mossa porque eu não tenho “chicha” mas ele tem, e a queda é amortecida pelas suas bochechinhas coradas de pulos.
O Afonso dantes gostava de abrir a sua boquinha pequenina e, com as duas mãos nas minhas orelhas, abocanhava-me o nariz. Ficava com a cara toda melada, e cheia de baba, às vezes também ranho (no Inverno), mas aquele miminho, feito geralmente antes de o pôr na cama, era um bálsamo para o resto do dia.
Nos últimos dias, no entanto, o Afonso lembrou-se de um novo tipo de carinho. Em vez de me abocanhar o nariz, espeta-me grandessíssimos beijos na boca, repenicados e tudo, torcendo a cabeça para o lado e para o outro como nos filmes. Não sei onde ele foi ver aquilo, porque não estou o Rei Leão ou o Ruca a darem beijos na boca a ninguém, mas ele lá encena a coisa, sempre sem que ninguém veja, no escurinho das escadas, quando estou a subir para o levar para a cama. A primeira vez fiquei atrapalhada, sem saber como reagir. Quase que olhei para o lado a ver se alguém estava a ver, como se tivesse voltado à fase da adolescência em que os beijos ainda são motivo de vergonha e atrapalhação. No dia seguinte ele repetiu a proeza, e eu só lhe perguntei, ainda atrapalhada: “Então, filho? O que é isso?”. E ele respondeu, sorridente: “Um beijo na boca”. Fingi que estava na América, em que os pais e os filhos trocam “chochos” como manifestação de carinho, e sorri com a naturalidade possível. Ao terceiro dia, quando o beijo se repetiu, resolvi abordar o assunto: “Porque é que estás a dar um beijo na boca da mãe?”. E ele respondeu: “Porque gosto muito de ti, mamã.” E pronto. As minhas frases preparadas tipo “Não se pode andar aos beijos na boca a toda a gente... os beijinhos devem ser dados na cara, e tal...” caíram por terra, e em vez disso soltei apenas um “Mas então só dás beijinhos destes à mãe, está bem? A mais ninguém!”. Pu-lo na cama e fui para o sofá sentir-me imbecil. Tinha acabado de ser, pela primeira vez, uma daquelas mães ciumentas que tem ciúmes das namoradas dos filhos. “Andas aos beijos com ela, é? Achas que ela chega aos calcanhares da mamã?” E o Afonso, já de 20 e tal anos, a responder-me: “Mas eu gosto dela, mamã...”. “E foi ela, por acaso, que te trocou as fraldas quando eras pequeno? Que acordou dez vezes por noite para dar o biberão e te tapar? Que filho ingrato que me estás a sair...”
Enfim, espero não chegar a tanto, e hoje, quando o meu filho tentar novamente beijar-me na boca, vou explicar-lhe que aqueles beijos que agora são só meus, terão um dia outra dona, ou várias (se possível não ao mesmo tempo), e que a mamã vai compreender se ficar sem eles. Desde que ainda sobre para ela, e sempre, o “Gosto tanto de ti, mamã...”
3 comentários
Uma solução possível para desencorajar os filhos de darem beijos na boca das mamãs é deixar crescer um buço, cortá-lo e esperar que ele fique picante. Uma cara hirsuta desencoraja. Por isso é que ninguém dá beijos na boca aos papás. Pica.
ResponderEliminarParece-me uma excelente ideia. Só não sei se o papá ia gostar...
ResponderEliminarTão lindo... fiquei um pouco emocionada...
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