Em vésperas de ter 12 adultos em casa e 11 crianças, resolvi deixar despachada a feijoada e o cabeleireiro. Mas agora a feijoada levantou o problema de esconder a loiça na máquina de lavar sem que os gémeos partam nada (ter um de cada lado a querer entrar na máquina não ajuda), e o cabelo levanta o problema de conseguir manter-me penteada até amanhã à noite. Já usei o truque dos ganchos para manter o efeito, mas o piorzinho mesmo são as mãos sujas de cérelac e os miolos de bolacha. Comecei por tentar fugir deles com esticanços de pescoço, mas resolvi recorrer agora a outra técnica poderosa: a touca do banho na cabeça. Claro que esta técnica só resulta se enfiar toucas também nos gémeos, senão eles vão passar o tempo a tentar roubara minha e lá se vai o penteado. Tudo isto ficaria na banalidade (mãe louca fechada em casa com os filhos com calças de fato de treino embodegadas e touca plástica na cabeça) se o guarda-nocturno não tivesse batido à porta a pedir o pagamento mensal e eu não tivesse aberto a porta nessa linda figurinha. Enfim... com os filhos a fazer raccord, pode ser que o senhor ainda pense que é a nova moda do pedaço: moletão embolachado e touca na cabeça. Vai ser o sucesso da próxima estação...
Boas entradas para todos!
Quando se é pai vive-se, através dos filhos, a magia do Natal. E sobrevive-se às birras de sono, às constipações da época, às dores de barriga motivadas pelo excesso de chocolate e às disputas de brinquedos entre primos e irmãos. É uma alegria imensa. E uma tremenda canseira... Talvez por isso os telefonemas pós-Natal que fiz para algumas amigas com filhos começaram todos da mesma maneira: "então? Sobreviveste ao Natal?". Todas sobreviveram. Mas todas estavam KO, a precisar de férias das férias. E a saga ainda não terminou. Segue-se uma semana sem aulas, com quilos de brinquedo espalhados pela casa, restos de ranho colados à roupa, refeições em barda (para darmos valor ao que pagamos à escola de alimentação) e gritos estridentes por detrás dos telefonemas de trabalho que não puderam ser adiados para 2011.
O Duarte hoje chorou entre a 1 e as 4 da manhã. A Leonor, mal-habituada nos 2 últimos dias, não quer sair do meu colo e volta e meia deita a mão ao teclado para chamar a atenção. O Sebastião ainda não parou de vomitar. E o Afonso já fugiu 100 vezes à cadeira onde está sentado a fazer os trabalhos de férias. Estou de pijama, sem saber quando conseguirei fugir para a casa de banho, e o caos está instalado à minha volta, entre peças de LEgos, pistas de Hotwheels, Beyblades, loiças de plástico, ferramentas de brincar, canetas Carioca e meias (muitas meias!) oferecidas pelas primas. Adoro o Natal, mas ainda bem que ele não é sempre que o homem quiser... é uma vez por ano e basta!
(Afonso) Ó mãe, ó mãe! A nossa missão falhou! O Sebastião já não acredita no Pai Natal!

Acorri à cozinha, onde o Afonso ainda mastigava a comida que acumulara nas bochechas. Ele deixara de acreditar no Pai Natal há uns meses, mas tinha como missão não deixar que o Sebastião parasse de acreditar.

(Mãe) Então, Sebastião? Não acreditas no Pai Natal?
E ele disse que não com a cabeça, e aquele ar maroto que ele tem.
(Mãe) Mas porquê?
(Sebastião) Porque o Pai Natal apareceu lá na escola, e era a Guida (auxiliar da escola). Eu vi logo, porque ela não tinha sapatos de Pai Natal. A Eduarda ainda disse que a Guida tinha ido ao hospital, mas eu vi que era ela...

Hesitei em tentar protelar a mentira, e dizer-lhe que a Guida só se tinha feito passar por Pai Natal porque o Pai Natal adoecera, mas tendo o Sebastião já 5 anos, idade em que eu própria deixei de acreditar no Pai Natal, preferi não forçar a aldrabice. Tentei só perceber até que ponto a verdade se tinha instalado...

(Mãe) Então mas todos os anos aparecem presentes na nossa lareira, Sebastião... Se não é o Pai Natal, quem é que tu achas que põe lá os presentes?
(Sebastião) Se calhar é a Guida...

Mesmo sem sapatos, a Guida ganhou um estatuto especial. Talvez para o Sebastião não tenha uma rena voadora, mas continua a entrar-me pela chaminé adentro...
Corro o risco de generalizar, quando a minha situação é meramente particular, mas hoje dei por mim a pensar que ter filhos é mais próximo de ter cães, e ter filhas é mais próximo de ter gatos.
Os cães são meigos mas estouvados, batem em tudo, roem tudo, correm aos trambolhões e batem com a cauda em todo o lado. Mas depois são os melhores amigos do homem. Qualquer coisa os põe com a cauda a dar a dar, e correm para nós quando chegamos a casa. São assim os meus meninos cá em casa. Irrequietos. Loucos. Desengonçados. Mas uma ternura. E uma dependência de nós e de carinho que é impossível resistir-lhes.
Os gatos adoram festas mas são felinos, independentes, têm personalidade e, se for preciso, afiam a garra. Aparecem à hora da comida, sabem onde fazer xixi e como tirar o peixe do aquário sem o partir. São espertos. Muito espertos. E não dão ponto sem nó. Irresistíveis por isso mesmo. Porque têm vida própria, fora de nós e sem nós, e damos por nós maravilhados a olhá-los. É assim a menina cá de casa. Independente. Felina. Espertalhona. Irresistível.
Tenho três cães e uma gata cá em casa. E aposto que é ela que vai mandar neles todos...
Enquanto preparava o meu pequeno-almoço, o Pai tentava pela enésima vez convencer o meu filho mais velho das suas mais loucas façanhas. Como ainda não estava à mesa para o meu filho me olhar nos olhos e perceber que o Pai estava a mentir, ele esticou-se um bocadinho mais do que habitual...

- Sabes que o pai, antes de conhecer a mãe, era espião. Lembras-te da Casa Laranja, aquela empresa que o pai teve? Era uma empresa de espiões.
(Afonso olha para a mãe, que vira costas para esconder os olhos que só sabem dizer a verdade... e se rir sozinha)
- Escusas de olhar para a mãe, Afonso. A mãe também não sabe de nada. Eu nunca lhe contei, porque se tivesse contado tinha que a matar depois... Mas isso ainda foi antes da guerra...
- O quê? Também estiveste na guerra, papi?
- Claro! Em várias. No Azerbeijão, na Rússia, no Iraque... Tinhas de ver o pai a saltar dos helicópteros.
- O quê? Tu voas?
- Claro que não, Afonso. Ninguém voa. O pai saltava de pára-quedas. Mas por acaso estás a fazer-me lembrar de uns homens que eu conheci na selva, e que saltavam de árvore em árvore. Eles quase que voavam...

O Afonso vai arregalando os olhos, enquanto as bochechas se enchem de pão e ele fica tipo hamster. Mas lá no fundo, no fundo, ele sabe que o Pai, de mais extraordinário, tem a sua grande criatividade (ok, e um parafusinho a menos de vez em quando...)
Perdi a aposta! Contra todos os meus receios, o torneio de Beyblades dos mais velhos e as cabeçadas voluntárias do Dudu a tudo o que mexe não deitaram a árvore de Natal abaixo. Só a minha Nhô, que eu achei que se ia comportar à altura, tira da árvore as renas para passeá-las no carrinho do Nenuco, e hoje fui chamada em pleno banho para vir conter a desgraça:
- Sara, desce rápido! A Leonor está a comer a árvore de Natal!
Quem me manda enfeitá-la com bolachas de plástico...
(Conversa com o meu filho Sebastião, de 5 anos)

- Ó mãe, as pessoas que estão vivas podem dar vida às outras pessoas?
- Como assim, filhote? Dar vida?
- Tu tens vida, não é, mãe? Podes dar vida a outra pessoa?
- A uma pessoa que já morreu, é isso?
- Sim. Ou então a outra pessoa que está viva. Se tu desses vida à Mila, por exemplo, ela nunca ficava velhota...
- Hum... Acho que isso não é possível, filho. Pelo menos por enquanto.
- Ohhhh...

E eu que costumava dizer que este era o menos místico dos meus filhos...
Enquanto os gémeos dormiam, montámos a árvore de Natal...
Os gémeos estão quase, quase a acordar e as apostas já começaram cá em casa: durará a árvore até ao final da semana? Até ao fim do dia? Não durará uma hora? (eu apostei nesta!)
(Afonso) Ó mãe... se fosse eu a fazer a Kidzania, ela tinha um labirinto no ar... e naves espaciais, para quem queria ser astronauta. Cá em baixo tinha uma floresta, para os exploradores. E animais selvagens...
(Pausa. Mãe continua a cortar-lhe as unhas. São 80 ao todo. Não se pode perder tempo em conversas)
(Afonso) Ó mãe... porque é que as coisas nunca são tão boas como na minha imaginação?

Aperto no coração, que me paralisou a mãe e por pouco não lhe trespassava um dedo. Com tanta coisa para herdar de mim, o raio do miúdo logo tinha que herdar a frustração de nunca conseguir que a realidade supere a sua ficção... (bem... também herdou as unhas dos pés...)