(Mãe chata, a pensar já no arranque do ano lectivo):
- Afonso e Sebastião, para a mesa, já! Vamos fazer umas fichinhas...
(Afonso sabidão, esparramado no sofá)
- Ó mami... deixa-nos desfrutar da vida!

Mai'nada!
(Sebastião no carro)
- Ó mãe, eu gostava tanto de ser cão...
- Então porquê, Sebastião?
(pausa)
- Podia fazer cocó em todo o lado...
As histórias da noite costumam variar entre as escolhas do Afonso e do Sebastião (que geralmente pede opinião ao Afonso). O Duarte ainda nem sempre se aguenta até à hora da história (é o dorminhoco cá de casa), mas a Leonor já não perde uma. E hoje apareceu na cama das histórias com um livro: também ela, do alto dos seus 2 anos, queria ter direito a escolher uma história! E não esteve para modas, escolheu nada mais nada menos do que um cor-de-rosa e piroso "Docinho de Morango", um dos raros exemplares de literatura infantil feminina que existem cá em casa, oferecidos pelo meu editor há uns anos, quando ele ainda desconhecia o sexo dos meus filhos (na altura ainda só rapazes). Os livros estiveram remetidos durante anos a uma prateleira alta do quarto do Afonso, depois a uma prateleira escondida do quarto do Sebastião, e agora que tenho finalmente uma menina, os livros foram enxutados para o seu quarto, onde poisam outras piroseiras similares, cheias de frou-frous e lacinhos (e a mãe encantada, claro!).
O Afonso e o Sebastião torceram o nariz! Livro abebezado ainda ia, mas um "Docinho de Morango" era pedir demais! Mas a Nonô insistia e abria o livro à minha frente, exigindo os seus direitos:
- Vá lá, meninos - disse-lhes. - A mana também tem direito. Mas não se preocupem porque a mãe vai contar uma versão que vos vai agradar...
E só vos digo que há muito que não nos divertíamos tanto com uma história! Foi de ir às lágrimas!!! Muito resumidamente, a Nonô dos Morangos da nossa horta (que cresceram entretanto, mas só na nossa imaginação, porque os outros continuam sem dar o ar da sua graça) organizou uma festa para os amigos. E quem levou os convites foi o Afonso Pão-de-Ló, um lindo cavalinho com cabelos no rabo, presos por umas malcheirosas flores cor-de-rosa. Um dos convites perde-se, logo o da Mami Docinha, que vive com o Papi lanzudo, uma linda ovelhinha cheia de cabelo (o sonho do papá!). Quando aconteceu a festa, apareceram todos - até o bebé Sebastião maçãzinha podre e o Dudu escaldado (a Mila esquecera-se do protector) - mas da Mami Docinha e do Papi lanzudo, népia. O Afonso Pão-de-Ló lembra-se então de ter perdido um convite e a Mami Docinha é finalmente convidada para a festa, com o Papi lanzudo. Acaba tudo em bem. Nós é que rimos tanto, que ficámos com dor de barriga. Ou muito me engano, ou amanhã vai haver Docinho de Morango outra vez...
Afonso em mais uma dissertação sobre anatomia:

- Mami, sabes que eu antes de ver o meu primeiro coração na televisão, achava que o coração era uma espécie de pedra com uma cordinha a prender um martelo. Não era bem uma cordinha. Era uma veia, e o sangue a correr fazia com que o martelo batesse na pedra. Era isso que se sentia quando púnhamos a mão no peito. Mas também servia também digerir a comida.

Fiquei uns segundos a digerir a imagem.

- Mami, podes pôr esta no blogue, para não te esqueceres?
Afonso e Sebastião de volta da barriga da mamã:

(Afonso) Eu ainda me lembro de quando estava na tua barriga, mami. Tive de conquistar o mundo da Sarazina. Não foi fácil, porque os sarazinos têm cabeças esquisitas, que são sacos com buracos a fazer de olhos e bocas, e corpos de massa. E também me lembro de como nasci. Estava num barco pirata, e os piratas metem-nos nos canhões e atiram-nos, envolvidos em fogo, para os mundos. Eu fui parar ao da Sarazina.
(Sebastião, intervindo) Eu não nasci assim...
(Mãe exausta de mais um dia de trabalho com filhos à mistura) Pois não, Sebastião. O teu irmão está a delirar...
(Sebastião) Eu nasci na casa de um homem que estava a fazer uma lareira. Ele enganou-se e fez-me a mim. Mas eu também estava cheio de fogo e ele teve de me apagar.
(Afonso) Ah, então também vieste do fogo, como eu. Quase todos os meus amigos vieram do fogo, mami.
(Mãe) Os teus amigos da escola?
(Afonso) Não, mami. Os meus amigos que ainda vivem na tua barriga.
(Mãe) Ah...
(Sebastião) Eu era muito pobrezinho, mas um dia encontrei um ladrão, fui atrás dele e tirei-lhe um saco que ele tinha cheio de moedas. Fui entregá-las ao Presidente, e ele ficou muito contente, porque eram moedas de chocolate.
(Mãe, entrando finalmente no espírito) Era o Presidente da Sarazina?
(Sebastião) Era.
(Mãe) E não viste lá um busto do Afonso, o conquistador desse mundo?
(Sebastião) Vi, sim. Também tinha uma cabeça de saco, e corpo de esparguete.
(Afonso) Nós ainda temos muitos amigos na Sarazina, mãe.
(Mãe) E esses vossos amigos vão todos nascer?
(Afonso) Não, mami. Só nascem alguns.
(Mãe) E só a barriga da mãe é que tem essa gente toda?
(Afonso) Não. Há mundos em todas as barrigas das mães...

Por isso é que nós temos estrias, e pregas, e pele estragada. São os rios, montanhas e praias do vasto universo que reside por debaixo do nosso umbigo...
Todos os dias, à hora do jantar, o Sebastião (5 anos, de férias em casa dos avós) relatava-me as suas aventuras do dia. E não se identificava como Sebastião. Não, ele era o Homem da Guerra. E eu era a Senhora Esquisita a quem ele contava, com voz grossa, a sua guerra com alguém. No primeiro dia guerreou com um monstro marinho na piscina do avó. E venceu. No segundo dia guerreou com um fantasma, mas com a sua espingarda deixou-o sem pernas. Venceu. No terceiro dia...

- É a Senhora Esquisita?
- Sou sim, Homem da Guerra. Então com quem é que guerreaste hoje?
- Com vespas. E fiquei todo picado.

De facto, o Homem da Guerra teve um encontro (real) com um vespeiro, e valeu-lhe um senhor esquisito chamado Avô que, com a água fria da mangueira, afastou as vespas. Venceu, mas ficou com 4 picadas da façanha.
Quem vai à guerra... dá e leva!
Balanço de um Domingo sem os filhos mais velhos (mas com 2 gémeos de 2 anos que me põem os cabelos em pé):

- Leonor mordeu 3 vezes o mesmo braço do irmão gémeo
- O Duarte arrancou alguns punhados de cabelo da irmã gémea
- A Leonor experimentou a máquina de depilação da mãe nas suas pernas (felizmente ainda sem pêlos)
- O Duarte não lhe quis ficar atrás e dei com ele fechado na casa de banho a experimentar a máquina de barbear do pai (felizmente numa cara também sem pêlos)

A coisa boa de terem feito tantas asneiras, é que já ficam sentados quietinhos no sofá dos castigos, a pensar na vidinha. Também já pedem desculpa um ao outro, com uma festinha.

Mas o best-off do dia foi a conversa entre os dois, no banho:
(Leonor) Nonô pipi. Dudu "piuinha".
(Duarte) Mamã pipi.
(Leonor) Papá pipi? Ou "piuinha"?


Sete dias com quatro filhos e cinco sobrinhos, três avós e dois tios, no meio da "movida" da Isla Canela, e o balanço não podia ter sido mais positivo:
- Afonso (7) perdeu o medo das alturas e já quer ir ao Parque Aventura de Monsanto
- Sebastião (5) já nada bem sozinho, já se atira sem medo dos escorregas de água e já dá um belos "chapões" que se assemelham bastante a mergulhos de cabeça
- O Duarte e a Leonor desataram a língua. Já pedem tudo, repetem tudo o que se lhe diz, chamam os manos, primos, tios e avós pelos nomes e estão uns despachados do pior. Já dão mergulhos (com bóia) e calçam chinelos sem elásticos atrás.

Os pais chegaram cansados e a precisar de namorar, depois de sete dias em quartos separados (o pai com os mais velhos, a mãe com os bebés), a confessar saudades nocturnas por SMS, e a desejar os bons dias pela varanda, com um muro de distância. "Para o ano será mais calmo" - prometia-lhe eu. - "A tendência será sempre para melhorar". Os mais velhos vão começar a ajudar, os mais novos hão-de ficar cada vez mais autónomos... E tenho a certeza de que, no dia em que eles começarem a dizer-nos que querem trocar a confusão das férias em família pela borga com os amigos ou os passeios românticos com as namoradas, vamos sentir valentes saudades disto...