(Mãe de volta do Afonso em hora de trabalho de casa)
- Afonso, tens de desenhar um chapelinho no "A" da "Lâmpada".
- Qual "A"?
- Chama lá pela lâmpada no cimo do monte.
- Ó Lâaaaaaaaampada! Ah, já sei, é no primeiro "A".
(mãe foi apanhar o Duarte que já estava a entalar os dedos nas gavetas da cozinha, aproveitou e ralhou com o Sebastião que já tinha trepado ao armário para roubar bolachas do Ruca e lá ficou a Leonor a chorar, de bracinho no ar, porque eu passei por ela e não lhe dei colinho. Inventem-se mães com nove braços e pelo menos três cabeças, por favor!)
- Afonso do Ó, que macaco é este em cima da "Lâmpada"?
- É uma cartola, mami.
(cara indescritível da mãe)
- O que foi, mami? Tu é que disseste para eu desenhar um chapelinho no "A"...

E foi mais um animado fim de tarde na casa dos Dias...
Ontem o Afonso foi para Fátima com os tios, participar no encontro Marista. O meu beato-mor lá foi todo animado, de lenço amarelo e vontade de fazer boa figura no palco ("Vou ter que ir a todos os encontros maristas, mami. Ñunca posso faltar!" - disse-me há dias). O pai, receoso da confusão, teve uma boa ideia e resolveu ensinar-lhe o seu número de telefone.
Hoje, em pleno casamento da minha afilhada Isabelinha (se leres isto, estavas liiiinda! Muitas felicidades!), o pai recebe um telefonema de casa.
- Estou, papi. Onde é que vocês estão? Já cheguei a casa.
O pai olhou para mim, admirado.
- Foi a Mila que ligou?
- Não, ela está com os bebés. Fui eu que liguei para vos dizer para virem para casa, que eu já cá estou.
Tinha decorado o número, e resolveu ligar. Qualquer dia está a pedir-nos um telemóvel... Tão crescido que ele está...
A Leonor está quase a andar. Quase, quase a andar... agarra os seus dedinhos nas minhas mãos, concentra-se e aí vai ela um passo atrás do outro, para chegar até onde eu a leve. Já a vou soltando de vez em quando, e ela anda com a barriguita dela para a frente e para trás, em busca do seu equilíbrio. Muito concentradinha. Muito menina. E quando a volto a sentar ela bate palminhas. Palminhas a si própria. G'anda Nhonhocas!
E o Duarte... bem, o Duarte continua a percorrer a casa como um perfeito Ranger. De peito no chão, esfrega o chão da cozinha em busca de gavetas para abrir (e para entalar os dedos), colheres de pau para bater (inclusive na própria cabeça), e tomadas para escarafunchar (e, qualquer dia, apanhar um choque daqueles...). Adoro rapazes! São os meninos das mamãs. Eles adoram-nos incondicionalmente, sorriem-nos sempre, somos as mulheres da vida deles (pelo menos até encontrarem as deles) e tudo neles é tão "carnal", tão abrutalhadamente verdadeiro! Mas não há dúvida... as meninas são um mundo à parte. A LEonor só se ri para quem quer, quando quer, só faz gracinhas quando quer e já sabe fazer charminho ao pai. Vai saber dar-lhe a volta com uma pinta! Comigo ainda está na fase da ligação umbilical, mas se ralho com ela faz imediatamente cara de zangada e faz beicinho. E ai de mim que tente tirar-lhe ou pôr-lhe a chucha quando ela quer o contrário! Tão deliciosamente teimosa, a saber tão bem o que quer. E olha-a nos olhos e só imagino o dia em que ela me vai fazer frente e vamos ter o nosso primeiro "arrufo de galinhas". De mulher para mulher, de teimosa para teimosa, com um único galo a manter a paz no galinheiro, teremos os nossos tempos difíceis. Mas teremos também tantas outras coisas boas pelo meio... e um dia ela também vai pôr os seus ovos e eu cá espero estar, galinha velha e dura de coser, a olhar pelos pintos dela... Mas pronto, por enquanto vou deliciar-me com os ganchinhos cor-de-rosa e os vestidinhos lindos que ela vai usar este verão. Com as palminhas, com as gracinhas, com a esperteza. Tudo o resto é aguardar com serenidade, aceitando e saboreando as leis da vida.
Era uma vez uma criança que acreditava poder, com o seu dedo, pintar o mundo. Encheu-o de cor e desenhou o sol. Mas, no seu coração de criança, sabia que nem todos os dias podem ser solarengos. Nem sempre temos o que queremos. Nem sempre fazemos o que gostaríamos. Nem sempre os outros são nossos amigos. Nem sempre os adultos sorriem. Por isso pintou a chuva. Com o seu dedo pequenino, salpicou o mundo de pequenas gotas de azul. E ficou triste: “Porque é que às vezes tem de chover?” – perguntou-se. Fechou-se no seu quarto e esqueceu o mundo por um bocadinho. Até que a mãe o foi chamar. “Não quero sair”, disse ele. Mas a mãe insistiu: “Aconteceu alguma coisa ao teu mundo…”. A criança, curiosa, saiu então do quarto e foi espreitar o mundo que desenhara. A chuva molhou a terra e dela brotaram lindas flores. E, no céu, do abraço entre o sol e a chuva, nasceu um lindo arco-íris. E a criança sorriu. Era pequena demais para perceber o mundo que desenhara, mas uma coisa ela entendera: ainda que o sol não possa espreitar sempre, da chuva nasce a esperança. Há sempre lugar para a alegria…
Sempre que vou buscar os meus filhos à escola, apanho primeiro o Sebastião e depois juntos fazemos, invariavelmente, uma corrida até ao edifício onde está o Afonso. É o meu momento de exercício - e 1 minuto diário de corrida já não é nada mau! - mas às vezes os sapatos não ajudam. Sapatos bicudos, saltos, tacões... só quando chego à linha marcada para começar a corrida é que olho para os pés e arrependo-me de um dia inteiro de trabalho nuns sapatos tão pouco dados à maternidade. O Sebastião acha piada, porque é a forma de me ganhar a corrida, mas hoje fartou-se e saiu-se com esta:
- Ó mãe, a ver se quando me vens buscar trazes aqueles sapatos brancos e verdes que tens no quarto... aqueles que têm um risquinho com uma curvinha em cima... (leia-se ténis da Nike) para me ganhares de vez em quando...
Amanhã, quando sair de manhã, ponho logo os ténis no carro...
(Sebastião analisador)
- Ó mãe, tens aqui umas coisas ao pé dos olhos...
(Mãe frustrada)
- São rugas, filho.
(Afonso consolador)
- Não são nada, mãe. São risquinhos. Eu gosto...

Digam lá que eles não são a melhor coisa do mundo?
Hoje percebi que o meu filho mais velho, já a caminho dos 7 anos, ainda não sabe ao certo que profissão têm os pais. É verdade que a mãe faz muita coisa... e que o pai muda muitas vezes de profissão. Mas nunca o imaginei tão baralhado.
- A professora é que perguntou o que tu fazias, e eu disse que não sabia bem... mas que escrevias ou desenhavas, não sei...
Expliquei que só escrevia. Desenhar, tem dias, mas prefiro delegar a tarefa a quem tem mais jeito do que eu.
- Mas escreves o quê?
Ai, filho! Tanta coisa... Nem sei por onde começar... E o mais curioso é que, pelo menos 2 a 3 vezes por semana, explico nas escolas o que faço, quando vou promover os meus livros e os miúdos me fazem esta mesma pergunta: O que é que escreves? Mas será possível que eu ainda nunca tenha elucidado do meu filho? Como é que ainda nunca me dei ao trabalho de lhe explicar?
- E o pai, filho? Sabes o que é que o pai faz?
- Sim, mami. Essa é fácil. É fotógrafo.
Claro! É a única coisa que ele vê o pai a fazer...
- Ó pai... vai lá tirar umas fotos aos miúdos, que eles hoje estão giros de igual...
E vá de sessão fotográfica o fim-de-semana inteiro. O pai bem queria ser fotógrafo a tempo inteiro, mas digamos que tem muitas contas para pagar... Será que o meu filho vai entender esta parte? Bem... eu também tentei explicar-lhe, mas acho que não tive muito sucesso.
- Sabes que as pessoas podem ter mais do que uma profissão. A mãe, por exemplo, escreve livros mas também escreve guiões, é guionista.
Trocou-me por uma publicidade na televisão, mas depois acabou por me dizer.
- Ó mãe... quando eu for grande também quero ter duas profissão.
Babei... Finalmente o meu filho ia querer ser outra coisa para além de futebolista! Olhei para ele, ansiosa, mas a resposta não podia ser mais desconcertante.
- Quando for grande quero ser pato e galinha. Vou já começar a treinar...
E saiu da mesa, alegremente, a fazer Quáquá Boc Boc, Quá Quá Boc Boc...
E assim andam as aspirações das novas gerações...