(Afonso e Sebastião no banho)
- Sebastião, depois vamos brincar aos super-heróis? Eu sou o meia-meia (para quem não sabe, super-herói que é metade pessoa, metade fantasma)
- Boa! Então eu sou o cueca-cueca!
A pequenada gosta de acordar e vir ocupar o lugar que o madrugador do pai deixou vago, na cama. Ainda quentinho, é mesmo apetitoso, e eu aninho-os junto a mim, para os aquecer ainda mais (e eles também me aquecem a mim!). Hoje resolvi fazer com eles um comboio. Todos viradinhos para um lado e encaixadinhos uns nos outros. "Vá, xiu... Agora dormir", disse baixinho. Passado alguns minutos, o Sebastião sai-se com esta: "Ó mãe, mas podemos dormir nos comboios?"
O meu filho Afonso, este ano, começou a duvidar que o Pai Natal existisse ("Eu acho que são os pais que dão os brinquedos. Mas eu não digo nada ao Sebastião, mãe"). Nunca me desmanchei. Como nunca lhe minto, disse-lhe apenas que nunca tinha conseguido ver o Pai Natal, mas que todos dizem que existe, por isso deve ser verdade. E ele, já na véspera de Natal, resolveu fazer a sua carta ao Pai Natal (o irmão já tinha feito há mais tempo). Desenhou uma pista do Faísca McQueen e um dinossauro. Lá tive de me ir enfiar no Oeiras Parque no dia 24, para ir à procura de alguma coisa que não deixasse o Pai Natal com fama de não satisfazer os sonhos dos meninos. Descobri um jogo do National Geographic que ensinava coisas sobre dinossauros e incluía um pequenino. Comprei aquilo e, dia 25 de manhã, relembrei os meus filhos que o Pai Natal costuma passar na nossa casa e deixar uns brinquedos na lareira. Foram a correr e os brinquedos lá estavam. Ficaram extasiados. O Sebastião tinha um boneco do Star wars, como ele queria, e ainda incluí uma Leopoldina (diz que quer ser a Leopoldina. Já lhe expliquei que o boneco tem maminhas e é menina, mas ele ainda não está muito convencido e garante a pés juntos que ela é um menino). Para o Afonso havia o tal dinossauro. Ficou contente, brincou com o jogo uma porção de tempo, mas no almoço em casa da avó ouvi-o contar à minha mãe: "Eu pedi um dinossauro interactivo. Mas o Pai Natal já é muito velhinho. Não deve ter percebido bem..."

PS - Outra fabulosa: o Afonso recebe a dada altura, de uma prima velhota, umas meias às riscas, e grita todo contente: "Boa, era isto mesmo que eu queria! Umas meias de preso!" Há dois dias que não as larga e até já me pediu para escrever uma história sobre elas...
(9.30 da noite. Afonso com vontade de muita conversa e pouca dormida)
- Afonso, deita-te lá, filho, que a mãe ainda tem de ir trabalhar...
- A esta hora, mãe? Porquê?
- Porque sim, filho. A mãe tem um trabalho para acabar.
- Liga à velhota e diz-lhe que precisas de dormir...
(mãe com cara de estúpida)
- Quem é a velhota, Afonso?
- A tua professora. Já deve ser tão velhota...


(7.30 da manhã do dia seguinte. Mãe ainda ao computador, de directa em cima)
- Então, mãe? Não te deitaste?
- Não, filho.
- Devias ter ligado à velhota, como eu te disse...




E UM BOM NATAL!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- Afonso, sabes quem é que te vai levar amanhã à escola? A mamã!
- Ah, boa! Mas olha... é melhor fazeres um cartaz e colares no frigorífico, para não te esqueceres...

Vou processar o Centrum e o Cerebrum Forte, que não andam a fazer o seu trabalho em condições! Não é possível que eu não ande a dar conta do recado com tão pouca coisa que tenha para fazer por dia. Aqui vai a lista para amanhã de manhã:

* Preparar as mochilas e os lanches da escola do Afonso e do Sebastião com os respectivos sacos das actividades
* Preparar as lembranças do Natal para a escola
* Preparar os papéis das fotografias e os papéis da matrícula na nova escola do Sebastião
* Comprar as Prevenares e levar os gémeos à vacina
* Comprar mais fruta e mais carne e mais pão
* Dar o Zentel e comprar mais flúor e Vigantol
* Comprar mais fraldas e mais leite
* Fazer a lista de Natal para começar de uma vez por todas a comprar os presentes (é dia 17!!!)

Tenho outra lista ainda maior de burocracias pessoais e familiares para tratar. E outra dez vezes maior de trabalho para fazer. Alguém sabe de algumas vitaminas que resistam a quatro filhos e três empregos?


PS - Os meus gémeos já têm 7 meses!!!!! Estão naquela fase em que dá vontade de os comer!
Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por escrever um post com este título...
É oficial. O meu Sebastião teve gripe A (e digo "teve" porque hoje já não tem febre) e o duartinho bebé também é provável que tenha, porque começou hoje com febre. Estamos todos de quarentena em casa e passo o dia atrás dos meus filhos com os "vai lavar as mãos", "não mexas no mano"... Como se valesse de alguma coisa...
Hoje, antes da história da noite, o Afonso (que a partilharia com os engripados Sebastião e Duarte) resolveu tomar medidas de protecção. Calçou umas luvas e apareceu no quarto de mãos no ar: "Pronto, já estou protegido contra a gripeA..."
O meu Afonso está tão assustadoramente crescido! Aqui vão as últimas:

- Ó mãe, a mochila da escola agora usa-se só num ombro...

- Ó mãe, eu já sei que o Pai Natal não existe. São os pais que dão os brinquedos. Mas fica descansada que eu não vou dizer nada ao Sebastião...

- Ó mãe, eu não gosto quando tu e o pai discutem. É que fico a achar que vocês se vão separar, e depois eu tenho de ir para cada da mãe e depois para casa do pai. Os pais do Vasco separaram-se e ele não gosta nada...

- Ó mãe, porque é que eu tenho um saquinho na pilinha?
- São sementinhas, filho. Um dia vais dar essas sementinhas à mulher que mais gostares e vocês vão ter um bebé.
- E como é que eu lhe dou as minhas sementinhas?

(bem... esta parte já não respondi. Crescido, mas nem tanto!)
(Afonso, acabadinho de fazer 6 anos e já no 1º ciclo):

- Mãe, quantos anos tens?
- (resposta da mãe, que não faz revelações destas em público)
- Xiiii! E já vais a aprender que letra? Para aí o "x", não?

(Sebastião, depois de ouvir a nossa empregada chamar-me "doutora"):

- Ó mãe, a Elza chamou-te "doutora".
- Pois foi, filho. Um disparate. A mamã não é médica, pois não?
- Não. A mamã é... mamã.

(os gémeos já comem sopa com carne e fruta e andam aflitos com os dentes. Crescem tãooooo depressa!)
(Afonso no regresso da escola)

- Ó mãe, o António Rebelo é das equipas de Maria.
- O teu primo Zé Maria também é, Afonso. Os pais também pertencem às equipas de Maria.
- Mas o primo não liga muito à Maria. Gosta mais de PSP.
(risos contidos da mãe)
- E tu, Afonso? Ligas a Maria?
- (com vergonha) Não... Ligo mais aos Gormittis...

(Afonso em casa, retoma o assunto)

- Ó pai, sabes que o António e o Zé Maria são das equipas de Maria.
- Mas tu continuas do Porto, ou não?

(assunto arrematado)
(Mamã em casa com o Sebastião, a ver o Portugal-Hungria, que o pai e o Afonso assistiam no estádio):

- Ó mamã, não estou a ver o papá...
- Eu também não...

(algum tempo depois, já chateado)

- Ó mãe, o pai está a jogar com os vermelhos ou com os brancos?

:):)
(Afonso, quase 6 anos e já na Primária - "Não é Primária, mamã, é 1º ciclo!")

- Mãe, vou deixar de te chamar "Mamã" e "Papá" ao papá. Há lá uns meninos na escola que gozam comigo...

(qualquer dia já não me deixa levá-lo pela mão nem dar-lhe um beijinho :( )

(Sebastião, 4 anos acabados de fazer - a minha idade de eleição!)

- Ó mãe, a mana tem Umbigo ou Umbiga?

(a afastar-se de mim)
- Ó mãe, estás cada vez mais pequenina...
(já muito longe)
- Ó mãeeeeeeee.... já não te vejo! Derreteste?

(Duarte e Leonor, a uma semana dos 5 meses, já com papas, sopa e fruta pelo meio)

- Uáaa, RRRRrrrr, Iiiiiiiii...
A vida continua a um ritmo alucinante. Entre os meus vários trabalhos e os vários trabalhos que os filhos dão, sinto-me com número de tempo de serviço suficiente para pedir a reforma...
Mas vamos às novidades:

O Afonso começou a primária. É um despaçarado de primeira. Num dia perde o chapéu, no outro o estojo, no outro a roupa... Não se orienta com os toques, nem com as actividades... Foi uma mudança muito grande, num colégio muito grande, e conta a professora que à tarde ele quase adormece na carteira, e diz com aquele ar sofrido que só ele sabe fazer (qual Calimero, de casca de ovo na cabeça): «Até me dói a mão de segurar no lápis...». Zango-me um bocadinho com ele por causa da sua cabeça de vento, mas também vejo que ele anda muito interessado, quer muito aprender, e todos os dias conta histórias de "menino crescido".
- Ó mãe, os meninos do 3º ano são mesmo grandes e maus. No outro dia o Zé Maria (primo) pisou sem querer uma menina do 3º ano e ela roubou-lhe a bola e foi-se esconder na casa de banho das meninas...
- Amanhã tenho de levar dinheiro, porque na escola há uma loja onde nós entregamos moedas e a auxxxxxxiliar (ele ainda fala"à lá de xima") diz o que é que podemos comprar com aquilo. Já viste a nossa sorte?

O Sebastião continua a tentar gerir a sua nova condição de irmão do meio. Começou a falar à bebé, voltou a fazer xixi na cama... mas se está com o Afonso diz que já sabe ler e que um dia vai ser o irmão mais velho. É difícil para nós, pais - para mais nesta altura de confusão - encararmos as suas conquistas como se fosse a primeira vez que assistimos a elas, mas faz-lhe falta. Assim como lhe faz falta momentos a sós connosco, onde possamos individualizar a nossa relação e dar-lhe a atenção "personalizada" que sinto que ele precisa neste momento. Continua a querer ser "médico das grávidas", e é sempre ele o meu ajudante nos banhos dos bebés. Observa tudo com muita atenção, e as suas observações são de chorar a rir:
- Ó mãe, a mana tem o pipi ligado ao rabo...
- Porque é que a pilinha do mano tem um saquinho?

Os gémeos estão de morder! A Leonor continua maior (percentil 70) e o Duarte mais franzino (percentil 25), mas riem-se a toda a hora e já começam a brincar. Também começaram a comer papinha, e vejo-os crescer todos os dias a uma velocidade alucinante.
Lisboa. 30 graus à sombra. 3 reuniões marcadas por mim à hora do almoço para rentabilizar a viagem e poder voltar para junto dos bebés. Mas há ainda os outros dois, o pai não pôde ficar com eles, a empregada não fica com os 4, e acabei por deixar o mais velho até o pai chegar, e levar o do meio às reuniões. Passei pela vergonha de "Desculpem... sabem como é Agosto... Mas eu trouxe livros para ele pintar, não nos vai incomodar". Mas descontraí e assumi o papel de mãe-canguru. Se quero ter muitos filhos e continuar a trabalhar muito não posso stressar com estes contratempos. 1ª reunião: portou-se bem. 2ª reunião: portou-se lindamente. 3ª reunião: passou-se! Coitado... com toda a razão. Eram 3 da tarde e eu estava a prometer-lhe desde o meio-dia que ia levá-lo ao parque e comprar-lhe um presente se ele se portasse bem. :( Tive de lhe comprar um presente na mesma, apesar de ele ter colado uma mão à outra com uma pastilha, esfarelado um bolo para dentro do chapéu e pedido 300 vezes, em bom som, para ir fazer cocó (e eu claro que o levei ao wc. E ele claro que não fez cocó nenhum).

Enfim, no regresso respirei fundo. Ele ia palrando coisas no banco de trás e eu confesso que nem o estava a ouvir. Até que ele se saiu com uma das suas pérolas de 3 anos:

- Ó Mãe, os gigantes arrancam árvores?
- Sim, filho. Têm muita força.
- Pois é... E eles comem o quê?
- Comem as árvores que arrancam, filho.
- E também comem candeeiros?
- Não, filho. Os candeeiros são para palitar os dedos.
- Ah... pois é! E eles são mesmo grandes, não são, mamã?
- São, filho.
- Acho que até são maiores que o papá...

Esqueci as reuniões, esqueci a pastilha, os cocós, o calor e a pilha de telefonemas que teria que fazer quando chegasse a casa. Só por aquela conversa tão fora de tudo, já tinha valido a pena tê-lo levado comigo...
A Leonor já dorme a noite toda e o Duarte só acorda uma vez a meio da noite, mas com as férias dos mais velhos, e o trabalho de permeio, o tempo continua a não chegar para as necessárias actualizações deste blog. Mas aqui vão, em resumo, as últimas gracinhas:

(Afonso no cabeleireiro):
Cabeleireiro
- Se não te portas bem corto-te uma orelha...
Afonso
- Olha... e eu vou dizer ao teu patrão e ele despede-te...

(Afonso ao telefone, no Algarve com os avós)
Mãe
- Sabes, Afonso, os teus manos hoje estão fartos de chorar.
Afonso
- Ufa! Ainda bem que eu não estou aí...

(Sebastião após encontrar um daqueles tufos brancos que andam pelo ar nesta altura):
Sebastião
- Afonso... vamos pedir um desejo, que esta coisa compra...

(Sebastião durante um abraço)
Sebastião
- Gosto tanto de ti, mamã, que até vais ficar sem respirar...

E os gémeos, apesar das birras de sono em stereo que fazem o pai querer mudar-se para a Sibéria, e dos colos que vão deixar a mamã mais corcunda que aquele do Notre Dame, estão cada vez mais lindos e já sorriem muito!
Hoje tentei pegar no meu filho Afonso ao colo e não consegui... Fui tentar o Sebastião e peguei-lhe com dificuldade...
Quando soube que estava grávida, ainda por cima de gémeos, deixei de fazer esforços físicos. Foram oito longos meses de gravidez mais quase dois de recuperação da cesariana. E em dez meses, eu deixei de conseguir pegar nos meus filhos mais velhos! Eu que, antes de engravidar, andava frequentemente com um de cada lado...
Enfim... os meus filhos cresceram. Perderam dez meses de colo, que agora vai ser a dividir por quatro, mas continuo a acreditar que as compensações que eles terão ao longo da vida, por crescerem numa família grande, serão maiores...
Agora que já consigo dormir 2 horas seguidas à noite, aqui vai um breve resumo do que tem sido este mês e meio:
- Os gémeos são lindos e fofinhos, excepto entre as 7 e as 9 (para azar do pai, quando ele chega a casa), quando choram em stereo.
- Já consigo dar de mamar a um, adormecer o outro com o pé e escrever com uma mão no computador. Não me posso queixar... ainda me sobra um pé e uma maminha!
- Os irmãos estão a crescer no meio da confusão, mas quando não estão a fazer asneiras (80%do tempo) continuam a ter saídas muito engraçadas. O Afonso teve a sua primeira verruga (que o encheu de orgulho), um dente a abanar e outro já atrás a espreitar. Já nada e sabe ler (junta letras, sem desprimor da proeza). O Sebastião aprendeu a comer pastilha elástica e a comer com faca e garfo. O Afonso continua refilão (e o Duarte vai ser igual) e o Sebastião bom vivant e inocente, por isso promovi-os a Timon e Pumba. Afonso-Timon e Sebastião-Pumba. Só lhes falta comer insectos!

Best-off do dia:
(Sebas, depois de eu me zangar com ele):
- Mãe, estás despedida!
- Não se podem despedir as mães de mães, Sebastião. Assim como as mães não podem despedir os filhos de filhos...
(Afonso) - Podem sim. Aquelas mães que ababdonam os filhos despedem-nos!
E pronto... às 35 semanas e 2 dias, os gémeos nasceram. Quando começar a conseguir dormir mais do que uma hora seguida, darei notícias sobre o casalinho mais esperado de toda a história da família Dias...
Agora que os gémeos estão mais perto de nascer, tenho tentado aproveitar os últimos momentos na qualidade de "mãe de dois filhos". O Afonso e o Sebastião estão a crescer, e apesar de serem muito amigos e brincarem muito juntos, têm necessidades diferentes. O Afonso está a poucos meses de entrar na primária ("É 1º ciclo" - corrige-me ele), já junta letras e diz que ler é delicioso. Tem um quarto novo com uma cama grande, e um Magalhães em cima da secretária (porque o pai não resistiu, e porque sempre é melhor o Magalhães que a consola de jogos, disse eu). O Sebastião quer aprender tudo e está cada vez mais criativo. Embora ande a debater-se com um grande dilema: ser grande ou pequeno? Porque, nesta família prestes a crescer, ele nunca será o mais velho nem o mais novo. E enquanto quase-irmão-do-meio, ora lhe dá para falar à bebé, ora pega num livro e finge que está a ler, como o mano.
Quando consigo estar sozinha com cada um deles, tento responder às necessidades individuais de cada um. É muito bom ter irmãos, mas também é bom que os pais consigam não perder esta atenção individual.
E aí começa o meu dilema. Já não me assusta a ideia de ter gémeos. Não me assusta o parto. Não me assusta a amamentação. Não me assusta a gestão de uma casa com quatro filhos, porque felizmente tenho ajuda e hei-de dar conta do recado. O que me assusta é deixar de ter tempo para os outros filhos que tenho em casa, e que ainda precisam tanto de mim! Quando o Sebastião nasceu, conseguia arranjar um buraquinho todos os dias para estar sozinha com o Afonso. Mas agora vão nascer dois... e eu tenho mais dois a quem dar atenção...
Claro que o meu susto não é pavor. Tentarei dar o meu melhor e tudo se há-de compor. E se calhar, daqui a seis meses ou um ano, estarei orgulhosamente a escrever que consegui, mais do que ser mãe de todos, ser uma mãe para todos... Vou acreditar que sim!
Hoje os meus filhos brindaram-me com esta música:

«Mãe, sem ti
Eu não estaria aqui.
És a mais bela flor
Do meu jardim...»

O Afonso aprendeu-a na escola e ensinou-a ao mano para que os dois pudessem cantar-ma quando eu chegasse a casa. Não é de os comer com beijos?

PS - Comprámos hoje o carrinho de gémeos. O pai divertiu-se a montá-lo e o Sebastião veio dizer-me, com voz abebezada: «Têm de comprar um carrinho com três cadeiras... Eu também ainda sou bebé!»...
O meu filho Afonso aprendeu a colocar a mão debaixo do braço e a abaná-lo, para soltar aqueles sons esquisitos que soam a "traques" mas sem cheiro.
- Vês, mãe? Vês? - disse-me ele, animado - É só pôr a mão no "cuvaco".
- Não é "cuvaco", Afonso, é "sovaco".
- O meu é "cuvaco". "Cuvaco Silva"...
Tive de me desatar a rir, claro, e ele achou piada à brincadeira. Foi de tal maneira, que passou o resto da tarde a inventar nomes alternativos para o nosso Presidente da República (pobre coitado). Venceu o "Churrasco Silva". Vamos ver se o "Contra-Informação" não aproveita a ideia...
Com o nascimento dos gémeos a aproximar-se, os meus filhos "mais velhos" tiveram de crescer um bocadinho. Acabaram-se os colos (e tanto que o meu Sebastião ainda pedia um "colinho em pé"), as ajudas para apanhar os brinquedos, e até para se vestirem os meus piolhos aprenderam a precisar menos da mamã. O Afonso ganhou um quarto novo com uma cama nova, maior, e uma secretária. O Sebastião deixou o "quarto dos bebés" (e a cama de grades, finalmente!) e passou para o antigo quarto do Afonso. O entusiasmo foi enorme, mas claro que as mudanças às vezes assustam, e os meus filhos tiveram de arrastar com eles, para esta nova etapa, uns restinhos da etapa anterior. O Afonso passou para o quarto "de menino grande", mas teve de levar com ele o seu boneco de trapos. O Sebastião passou para o quarto de "menino do meio", mas pediu-me a meio da noite os bonecos com música (daqueles de bebés, que se penduram nas grades da cama). E ontem foi dia de disputar os livros, que os meus filhos trataram de dividir em "livros de bebé" (para ficarem no futuro quarto dos gémeos), "livros de menino" e "livros de menino crescido", distribuídos pelos respectivos quartos.
Certamente que muita coisa vai mudar na nossa casa, depois do Duarte e da Leonor nascerem... Os meus filhos estão a preparar-se para esta nova fase com muita coragem. Agora é só eu e o pai seguirmos o exemplo e olharmos para esta nova aventura como mais um salto no nosso crescimento pessoal e familiar...
Estava de regresso a casa com o meu filho Afonso, quando passamos por um senhor chinês, de mão dada com duas lindas meninas chinesas. Caminhavam no passeio, e o Afonso viu-os através do vidro, e ficou colado a ele.
- Olha mamã... Para onde vai aquele senhor com aquelas meninas?
- Não sei, filho. Deve ir para casa, como nós.
- Mas nós vamos de carro. E ele, coitadinho, vai a pé até à China...
O meu filho Afonso anda a insistir há uns tempos para eu lhe comprar uns sapatos Geox. "Malditas publicidades", pensei sempre. "Com cinco anos e já pensa em marcas... estamos mal!"
Mas só hoje me lembrei de lhe perguntar a razão para querer um ténis dessa marca:
- É que com esses ténis eu consigo dar saltos muito grandes. E até posso dar um salto até ao céu e ver a cara dos Jesus. E até ir dar um beijinho à Bisa (bisavó que morreu há poucos meses)...
Com uma resposta destas, acho que vou comprar sapatos Geox para toda a família!
- Ó mãe, quem é que vai morrer primeiro? Eu ou o Sebastião?
A conversa surgiu no carro, com a frieza habitual do meu filho Afonso em relação a estas matérias.
- Ó filho... mas para que é que te pões a pensar nisso? Não queres falar noutra coisa?
Chuto sempre esta frase para tentar mudar de assunto, mas é inútil. Ele não desiste!
- Diz lá, mãe! É que eu sou o mais velho. Por isso vou morrer primeiro, não é?
Podia dizer-lhe que qualquer pessoa pode morrer a qualquer momento, independentemente da idade, mas isso já lhe causou pesadelos que chegasse, por isso preferi sossegá-lo seguindo a linha de raciocínio dele.
- Sabes que tu e o Sebastião só têm dois anos de diferença. E se agora isso se nota, qualquer dia já não se vai notar. É como se tivessem a mesma idade. Olha a tia Ana (minha irmã)... Quem é que é mais velha? Eu ou a tia Ana?
Nem ele nem o Sebastião souberam responder. A minha irmã vai gostar de saber...
- Estás a ver? Vocês não sabem qual é a mais velha, mas a tia Ana é quatro anos mais velha do que eu. O que quer dizer que quando tu e o Sebastião forem adultos, é como se fossem da mesma idade.
- Ah, boa, mamã! - rematou o Afonso, satisfeito. E em seguida olhou para o irmão, triunfante. - Vês, Sebastião? Isso quer dizer que eu não vou morrer primeiro... vamos morrer ao mesmo tempo!
O meu filho Afonso anda a levar tão a sério as suas aulas de catequese no Colégio, que no outro dia, em plena história sobre bruxas, antes do deitar, saiu-se com esta:
- Ó mãe... já sei porque é que a bruxa é má... Ela não deve ter sido baptizada...
O "esotérico" da família costuma ser o Afonso, mas o Sebastião também já vai dando o ar da sua graça. No outro dia, a subir as escadas em direcção ao quarto, para ir dormir, saiu-se com esta:
- Já sei como é que os manos foram para a tua barriga.
- Ai sim, Sebastião? Então como é que foi?
- Eles eram dois anjinhos no céu. Apareceu uma luz muito forte, eles derreteram e foram para dentro da tua barriga...

No nosso tempo havia as cegonhas. Mas esta nova geração Gormitti-Pokemon já não vai lá com pássaros...
- Mamã, onde é que tu vives?
A pergunta assaltou-me em pleno trabalho ao computador, e não soube logo dar-lhe resposta à altura (pelo menos, à altura da imaginação dos meus filhos).
- Neste casa, meninos. Então vocês não moram aqui?
Claro que não moravam! O Sebastião morava nas nuvens "porque era mais fofinho". E o Afonso era um fantasma e morava na lua. Lá tive de arranjar uma casa alternativa: o mar, e tornei-me uma sereia. E de vez em quando, diziam os meus filhos, todos nos visitávamos. De vez em quando o vento levava a nuvem do Sebastião até à lua, e o meu filho fantasma conseguia respirar debaixo de água e ia visitar a mamã.

Entretanto, hoje à saída da escola, o meu filho Afonso viu a lua no céu. Quarto Minguante. E saiu-se com esta:
- A lua está assim porque eu ontem estava com fome e comi-lhe um grande pedaço.
- Mas quando é que foste à lua, filho? (lá perguntei eu, distraída, a atá-lo à cadeira)
- Então, mãe? Esqueceste-te que eu vivo lá? À noite, quando me deixas na cama, os meus amigos monstros vêm buscar-me e levam-me para lá. E eu como sempre um bocado de lua. Às vezes tenho muita fome e como muita. Às vezes tenho menos fome e como menos. Por isso é que a lua está sempre com um tamanho diferente...
- E por isso é que tu durante o dia não comes nada! - disse eu, finalmente entrando na brincadeira. - Fartas-te de comer lua à noite!
- Pois é... - e acho que o meu filho vai passar a usar esta desculpa durante o dia, quando não quiser comer (que é quase sempre).
- E olha, Afonso? A tua lua sabe a quê? A queijo?
- Não... Essa é a lua do ratinho. Como eu não gosto de queijo, a minha sabe a fiambre...
(Sebastião à hora do banho)
- Eu vou ser doutor...
- Ai é, Sebastião? E doutor do quê? Dos olhos? Da garganta?
- Não... Das maminhas!

Bom, não se pode dizer que não seja uma profissão com bastante futuro...
Por muito que eu me esforce a explicar o funcionamento do corpo humano ao meu filho mais velho, ele prefere as explicações que ele próprio inventa (e eu confesso que também!)

(Afonso, sobre o movimento do corpo)
- Nós temos um grande osso dentro do nosso corpo, com ossinhos mais pequeninos onde estão pendurados muitos homenzinhos pequeninos. Os homenzinhos estão sempre a escalar, a escalar, a escalar, e à medida que se vão mexendo o nosso corpo também mexe.

(Afonso, sobre as doenças)
- O nosso corpo é uma espécie de auto-estrada com muitos carros. Quando estamos doentes e tomamos remédios, o remédio chama todos os carros, e eles vão todos chocar contra a nossa doença. Ela morre atropelada e nós ficamos bons.
(conversa com o Sebastião no carro)
- Onde é que é a tua escola, mamã?
- A mamã já não anda na escola. Quando as crianças ficam adultas deixam de ir à escola e começam a trabalhar, percebes? Escolhem aquilo que mais gostam de fazer (era bom que fosse assim tão simples, mas pronto...) e trabalham, ou seja, passam o dia a fazer isso. Um dia também vais escolher aquilo que mais gostas de fazer para começares a trabalhar...
- Mas o que eu mais gosto de fazer é asneiras...
Sempre ouvi dizer que os filhos têm uma adoração especial pelas suas mães (assim como as filhas a têm pelos seus pais) e, ultimamente, talvez por estar nesta condição "barriguda", os meus piolhos têm-me brindado com verdadeiros mimos para o ego:

(Sebastião, no carro)
- Mamã... a tua casa já foi a do avô Luís?
- Já, filho. E sabes... um dia tu também vais crescer e vais ter a tua casa, onde vais viver com a tua mulher.
- Mulher, mamã?! Mas a minha mulher és tu!

(Afonso, ao deitar)
- Mamã... quando é que posso ser eu a dormir contigo, em vez do pai?

Não é de os cobrir de beijos?
(Afonso na sua sinceridade máxima):
- Mamã, a partir de agora vou chamar-te "super-gorda"!
Lá me tentei defender, como pude, do ataque sincero do meu filho mais velho.
- Ó filho... mas a mamã só tem uma grande barriga porque tens os bebés na barriga. Depois, quando eles saírem, a mamã fica magrinha outra vez...
- Eu sei. Quando eles nascerem, vais ficar outra vez a "super-magricela".
Que conversa animadora :( O meu filho sabe mesmo como me encher o ego!
(Afonso e mais uma das suas tentativas de explicar o mundo):
- Ó mãe, sabes como é que foram criados os Pokemons?
- Os Pokemons não são criaturas de outros planetas? - perguntei eu, na minha santa ignorância.
- Não, mãe... eu explico-te. Como Jesus criou tudo, quando criou o homem, também lançou uns raios de super-potência e a terra levantou-se. Saíram umas criaturas com poderes mágicos que evoluem e...
A história continuou, rebuscada. Não a reproduzo mais porque, sinceramente, não sou capaz. Corria o risco de falsear a sua "verdade". Só me pergunto como é que as crianças de hoje em dia, futuros adultos amanhã, depois de desenhos animados tão rebuscados e cheios de criaturas imaginárias, magia e mundos paralelos, como os que passam na televisão, vão encarar a realidade, a religião, a morte e a vida, o universo e a pequenez da nossa condição humana. Que estarão mais abertos a outras realidades possíveis, isso não tenho dúvidas. E, ou muito me engano, ou isso será muito bom. Talvez represente mesmo um grande passo para uma evolução necessária da nossa espécie...
(Sebastião a olhar para a minha barriga, cada vez maior)
- Mamã... se tu tens aí bebés, temos que chamar o caçador para te abrir a barriga...
Acho que o meu filho Sebastião me vê como um lobo mau que comeu uns gémeos... Só espero que depois ninguém me encha a barriga de pedras e me atire para dentro de um poço... :(
- Ó mãe... porque é que as árvores se chamam árvores?
Pronto. Começava a primeira crise linguística do meu filho Afonso.
- Foram as pessoas que deram o nome às coisas, filho.
- Mas porque é que chamaram árvore à árvore?
- Não sei, filho. Um dia que tu encontres alguma coisa que nunca ninguém viu, ou inventes alguma coisa que não exista, também podes dar-lhe o nome que tu quiseres.
- Mas quando os humanos apareceram na terra as árvores já eram árvores?
- Não, filho... quando os humanos apareceram na terra nem havia palavras. Os pré-históricos, que foram os primeiros homens, comunicavam com gestos, e depois com sons, como os animais, até que se começou a dar nomes às coisas. - respondi eu, certa de que teria que investigar o assunto assim que chegasse a casa - E em cada zona do planeta foram-se dando nomes diferentes às coisas. Por isso é que há línguas diferentes.
E subitamente, vejo o meu filho no banco de trás a apontar para uma casa, chamando a atenção do Sebastião, que estava ao seu lado, com gestos pré-históricos e sons guturais:
- Bastião... Ca-ca, ca-ca, ca-sa! Casa! Casa! Foi assim, mamã?
(conversa entre o Afonso e o Sebastião no carro, no banco de trás, a caminho da escola)

- Sebastião, queres ouvir a primeira história da Bíblia?
- Sim.
- Era uma vez uma girafa. Começou a chover muito e a girafa meteu-se num barco. Mas não cabia no barco e foram ao fundo...
(tinha muitos outros pormenores, mas já não consigo descrevê-los com as palavras do meu filho. E eu entretanto também não resisti a meter-me na conversa.)
- Ó Afonso, tu sabes quem é que escreveu a Bíblia?
- Foi o Jesus.
- Olha que não, Afonso.
- Ah, pois não! Foi o Cavaco Silva!
Espanto!
- E tu sabes quem é o Cavaco Silva?
- Sei. É o Presidente da República.
Fiquei inchada de orgulho por o meu filho já saber o nome do Presidente da República e continuei a conduzir, nuns segundos de silêncio que fizeram o Afonso reatar a sua conversa com o irmão.
- Sebastião? Queres ouvir a terceira história da Bíblia? Esta foi escrita pelo José Sócrates...
Aposto que ele não aprendeu isto na catequese...
(depois de ler a história do rei Midas, que o Afonso trouxe da biblioteca da escola. Para quem não se recorda, o ganacioso rei Midas perseguiu uma das suas muitas moeda que lhe escapou das mãos, caiu das escadas e apareceu-lhe um duende que lhe quis dar uma lição: tudo aquilo em que ele tocasse se transformava em oiro)

- Percebeste, Afonso? Imagina que tudo aquilo em que tu tocavas se transformava em brinquedos...
Abriu muito a boca e os olhos, como ele faz sempre que fica admirado.
- Era muita bom, mãe!
- Não, não era... Depois tocavas na mãe, e eu transformava-me numa boneca de trapos... Tocavas no pai, e ele transformava-se num Gormitti...
- Era giro...
- E depois quem é que te fazia a comida para tu comeres?
- Eu nunca mais comia... - usei, claramente, o argumento errado. Quem dera ao meu filho Afonso nunca mais ser obrigado a comer!
- E quem é que te limpava o rabinho, quando ias à casa de banho? - como ando a tentar que ele aprenda a limpar-se sozinho, achei boa ideia puxar pela escatologia.
- Usava o papel... - ok, ele estava disposto a limpar-se sozinho. Devia ter-me ficado por aqui, mas queria que ele chegasse à conclusão do rei Midas, por isso insisti.
- O papel também se transformava num brinquedo...
- Já sei! Tu não eras uma boneca de trapos? Limpava o cocó aos teus trapos...

Desisti e voltei-me para o Sebastião.
- E tu, Sebastião, percebeste a história do rei Midas?
- Sim, mamã.
- O rei Midas não devia querer as moedas todas para ele, não era? Ele devia ter partilhado com as pessoas que não tinham nada...
- Pois é... - disse o Sebastião, nada convencido. - Ou então devia ter cuidado a descer as escadas, para não cair e não aparecer o duende... "Pois é", mãe?
Meti-os na cama. Os meus dotes de contadora de histórias, definitvamente, ainda deixam muito a desejar...
Depois de fazer mil festas na minha barriga, ora na mana, ora no mano (que ele sabe tão bem de que lado estão), o Sebastião levantou a sua blusa e olhou para a sua barriga, apenas cheia das bolachas do lanche:
- Ó mãe... quando é que eu também vou ter bebés na barriga?
Era uma e tal da manhã, quando o Afonso acorda a gritar, muito aflito. Imaginei logo que estava a ter um pesadelo (e os meus filhos, nessas matérias, bem que podiam não ter saído à mãe) e corri para o quarto, a ver o que se passava.
- Não, mãe. Não era um pesadelo! - tratou o Afonso de explicar, entre as muitas lágrimas que lhe corriam pelo rosto. - É só que eu não quero morrer!
A saga continuava. O pai já anda a pensar que eu sou que lhe falo destas coisas, ou lhes ando a ler histórias tétricas à noite, mas eu juro que evito ao máximo tocar no assunto, até porque já sei os filhos que tenho.
- Ó filho... Mas tu não tens que pensar nisso... Só tens cinco anos!
- Eu sei, mãe. Mas eu não quero morrer... nem quando eu for velhinho!
Ora bolas! Assim ia ser mais difícil tranquilizá-lo. Como dizer-lhe que ele não ia morrer... nem quando fosse velhinho?
- Há alguma maneira das pessoas nunca morrerem, mãe? - continuou ele, de olhos cheios de lágrimas.
Saquei-o da cama e pu-lo ao meu colo, coisa que, com dois bebés na barriga, já não é tarefa fácil.
- Quando as pessoas são velhinhas, filha, ficam cansadas... e precisam de descansar. E elas não desaparecem... Ficam para sempre a olhar por nós, nas estrelinhas...
- Mas eu não quero ir para as estrelinhas, mamã. Eu quero ficar aqui. Nunca quero descansar!
Começa a ser cada vez mais difícil acalmar as dúvidas do meu filho em relação à morte. Já nem as estrelinhas o consolam. Por isso tive que lhe dar uma nova esperança. Uma esperança que eu acho que não virá a tempo, nem na minha vida nem na dele, mas alguma coisa tinha que o fazer voltar para a cama e descansar.
- Sabes que dantes as pessoas morriam muito cedo. Havia muitas doenças. Mas os cientistas foram descobrindo curas para essas doenças, e as pessoas cada vez vivem mais tempo. Dantes as pessoas morriam com a idade da mamã...
Olhou para mim, muito espantado, de boca aberta.
- Mas agora, já há pessoas a viver até aos cem anos! Que são muito anos.
- Então, se eu for cientista, posso descobrir uma maneira das pessoas viverem para sempre...
Hesitei, mas dei-lhe a única resposta possível, à uma e meia da manhã.
- Claro, filho! Vais estudar muito para te tornares cientista, e vais descobrir uma maneira das pessoas viverem para sempre!
- Boa! Então vou ser cientista e bombeiro.
- Bombeiro também, Afonso?
- Sim... para também não deixar que ninguém morra queimado.
E pronto. As lágrimas secaram, e o meu filho Afonso adormeceu com a certeza que um dia vai ser um grande cientista e vai descobrir o elixir da vida eterna. E eu, que já não tenho cinco anos nem acordo a gritar a meio da noite, também me deitei e adormeci com essa esperança...
(Afonso a ver o Liedson na televisão)
- Olha, mãe! Está ali o papá!
- O pai, filho?!
- Sim... mas era quando ele era mais escuro... Depois fez uma operação e ficou branquinho...
(e não conhece ele a história do Michael Jackson...)
O meu filho mais velho continua absolutamente tétrico, e as suas preocupações com a morte revelam-se quase todas as noites, nas nossas conversas antes de ir para a cama. E a de ontem foi assim:
- Ó mãe... se vires formigas na casa de banho, não ponhas veneno. Promete, está bem?
- Mas porquê, filho?
- Porque se eu tocar no veneno posso morrer...
(e arrependi-me imediatamente de lhe ter dito que ele não podia, de modo algum, tocar no buraquinho da parede que estava a servir de porta à entrada às formigas, e eu enchi de veneno)
- E eu não queria morrer já aos cinco anos, mamã... Ainda sou muito novo!
Não podia estar mais de acordo com ele! Mas a conversa tétrica continuou...
- Tu já viveste mais do que eu. És mais velha. Mas também é melhor não morreres, porque senão também morriam os bebés que tu tens na barriga...
Bem, parece que continuo a ter alguma utilidade neste mundo. Enquanto tiver os bebés na barriga, continuo a fazer falta ao meu filho. Espero que, depois deles nascerem, ele arranje outros argumentos para me tornar importante na sua vida...