E pronto. É isto que os pais sentem quando os professores os mandam chamar e dizem que o filho anda esquisito, a portar-se mal, aéreo e com chamadas de atenção. Os pais estiverem 4 dias no bem bom, deixaram os filhos com os avós para irem dormir e comer à grande e à francesa, sem gritos, nem confusões, nem choros, nem birras, nem fraldas, nem horários, nem TPCs, nem Pandas, nem pesadelos a meio da noite, e quando voltam ouvem estas coisas. E sentem-se mal. Muito mal. E pensam que não deviam ter ido... mas soube-lhes tão bem! Fazia-lhes tanta falta. E eles vieram de lá tão descansadinhos da vida, com os sonos em dia e saudades dos filhotes...
Ser pai é viver neste dilema de termos filhos, mas termos de pensar que eles não são só nossos, e nós não somos só deles, e por isso culpamo-nos quando vivemos demasiado para eles, mas também quando resolvemos pensar um bocadinho em nós.
No caso do Sebastião (o filho em causa, que anda a chamar a atenção), existe um problema acrescido, que não é destes dias, é de sempre. O Sebastião é o "entalado" dos irmãos, aquele que, em virtude de ter nascido no meio e ser um bonzão, nunca ter dado trabalho nenhum, sempre foi aquele com que menos nos preocupávamos. Na fase dos "2", o Afonso ia sempre à frente, foi ele a fazer as primeiras gracinhas, a dizer as primeiras palavras, a fazer as primeiras observações engraçadas, a descobrir as letras, e os números, a entrar na Primária... O Sebastião perdeu a vez da "primeira vez". Já tínhamos assistido às suas novidades, e a nossa reacção foi muitas vezes de "mais uma vez" do que "primeira vez". Com todo o amor do mundo. Mas indisfarçadamente menos surpresa.
Depois começou a fase dos "4". E o Sebastião teve que fazer parelha com o irmão mais velho, porque a mãe estava demasiado ocupada com os irmãos bebés. E, sempre que a mãe conseguia tempo para a "dupla" mais velha, era para dar atenção ao Afonso, por causa dos TPC, das suas exigências, da sua ininterrupta conversa, das suas permanentes negociações, das suas agitações. O Sebastião, pacholas, sempre ficou com os restinhos da mãe. De que lhe tem valido, afinal, ser bonzinho e paciente? Pois que agora começou a dar sinais de impaciência. Talvez estas chamadas de atenção sejam para reivindicar o seu lugar. E com justa causa. Por isso desde hoje que há novas medidas cá em casa:
- À hora dos TPC do Afonso, a mãe faz também uma ficha ou um jogo com o Sebastião (que assim não fica por casa esquecido até à hora do banho e do jantar)
- A escolha dos livros que lemos à noite é alternada, uma noite é o Afonso, na outra o Sebastião (já era assim há umas semanas, mas o Afonso acabava sempre por escolher pelo Sebastião, cujo poder de decisão deixa muito a desejar)
- Os programas do fim-de-semana também vão ser à vez.
- Sempre que o Afonso tiver festas de anos, em vez da mãe aproveitar para trabalhar, vai fazer um programita com o Sebastião.
E pronto. Vamos ver como corre. O problema vai ser quando os gémeos também começarem a chamar a atenção... Inventem-se pais com mais braços e dias com mais horas, por favor!
Este ano os nossos filhos mais velhos foram votar com os pais. Como eu e o pai votávamos em locais diferentes, o Afonso (mais velho) foi com o pai, e o Sebastião (do meio) foi comigo. No caminho, o Pai explicou ao Afonso como decorriam as eleições. Como eram as campanhas, como se votava, como se contavam os votos e o que acontecia ao vencedor e ao vencido. E o Afonso aconselhou o Pai a votar no "Sovaco Silva". Porquê? Porque era o único que conhecia... (e não terá sido por isso que ele teve tantos votos?)
Já eu, que tinha passado o fim-de-semana a trabalhar e estava sem vontade alguma de votar, pedi ajuda ao Sebastião para me escolher um candidato.
- Quais é que são os candidatos, mãe?
- Então... há o Cavaco Silva, que quer que o país seja mais rico. Depois há o Manuel Alegre, que quer que o país seja mais...
- Alegre!
- Isso, Sebastião. E há o Fernando Nobre que quer que o país seja mais...
- Nobre!
- Sim. Pode ser. Os outros... a mãe não se lembra dos nomes. (eu sei, eu sei! Pouco zelosa da sua responsabilidade cívica. Mas a minha capacidade de memória, com tanta personagem e cliente e crianças na escola, está no seu limite. Sem um disco externo não consigo guardar nem mais um nome!)
- Ó mãe... e como é que vai ser? Os candidatos vão pôr-se todos alinhados e eu depois aponto?
- Não, filho... Eles não vão estar lá. Tens que escolher pelas fotografias.
- Ah... Mas eu já sei qual é que vou escolher.
- E qual é, Sebastião?
- Aquele primeiro que tu disseste. Se o país ficar mais rico tu podes comprar mais beyblades...
E pronto. Perante a minha fraca abordagem dos candidatos, ele até fez uma escolha acertada...
E quando os filhos chegam com as suas mãozinhas sapudas e carregam com força no teclado do nosso computador, onde estava aberto um trabalho importantíssimo? O documento desaparece do ecrã. E depois saber em que teclas eles teclaram? E quando o documento tem 200 páginas que vamos ter que rever novamente?
Há dias em que ser mãe é um verdadeiro teste à nossa paciência...
Tive uma vez um cão que não sabia alçar a perna para libertar as suas necessidades líquidas. A sua companhia, lá em casa, era uma velha cadela que baixava a parte traseira com delicadeza, sem sujar qualquer parede, tronco, poste ou pneu. E assim esse cão, que se chamava Arco-Íris mas era preto, não tinha um macho por perto para lhe explicar que os cães, dizem que por uma questão de dominação, levantam a pata e sujam o território ao nível do dorso. E ele fazia como via. Com delicadeza. Nos cantinhos da quinta.
Pois a minha Leonor, quando vê os irmãos mais velhos abeirarem-se da sanita e puxarem as pilinhas para fora para fazer o último xixi do dia, aproxima-se também ela da sanita, levanta o robe e empurra o corpo para a frente. E faz xxxxxxx... Talvez esteja na hora de começar a levá-la comigo à casa de banho para ela perceber que existem outras opções mais confortáveis à sua anatomia... Ou talvez desviar-lhe a atenção quando os irmãos estão de calcinhas em baixo. Mas também acho que não se deve limitar a curiosidade natural das crianças... Também já dei por ela, uma vez que estavam todos nus, prestes a entrar na banheira, a procurar no seu corpinho um pendericalho semelhante aos dos irmãos...
As diferenças de género, nela, psicologicamente, são evidentes. Ela é arrumadinha, senta-se direitinha, adora vestir-se e calçar-se, e pentear-se, e andar com malinhas e pulseiras e colares. Só ainda não percebeu que as diferenças também são físicas, e cada dia que passa se tornarão mais evidentes. E lá chegará o dia em que já não os terei todos nus a enfiarem-se na banheira ou a fazerem xixi ao mesmo tempo...
Afonso, 7 anos. Já deitado na cama e mãe a tapá-lo, com a cabeça já a pensar no trabalho que ainda tem para fazer antes de ir dormir.


- Ó mãe, existem minotauros?
- Não, filho. Já viste algum?
- Ó mami, e existem fantasmas?
- Não, filho. Já viste algum?
- Ó mami, e existem deuses da água, da terra, do ar e do fogo.
- Não, filho. Já viste algum?
- Mas se Deus existe, e também ainda ninguém o viu, porque é que os minotauros, os fantasmas e os deuses também não podem existir?

Pois...
(Mamã) Ca-fé
(Dudu) Lo-mó
(Nocas) Co-qué
(Mamã) No-dy
(Dudu) Mo-mé
(Nocas) No-ni
(Mamã) Sa-pa-to
(Dudu) Ta-ta-ta
(Nocas) Ta-ta-to
E é assim o dia todo. Os gémeos adoram brincar às sílabas, mas as letras fogem-lhes da língua, saltitam e trocam-se umas às outras para resultarem noutras palavras que ninguém entende. Talvez as letras não queiram que os adultos entendam as crianças. Queiram que as crianças fiquem só delas, e dão-se-lhes para que elas criem a sua própria linguagem. Mas se elas tentam ir ao encontro da língua dos adultos... ficam furiosas e saltam no palato, penduram-se no sininho e rebolam na língua para saírem do sítio certo... Até um dia se cansarem (ou talvez crescerem também, como os meninos que as dizem) e decidirem render-se à linguagem dos homens. Dão as mãos e saem direitinhas pela boca, duas a duas, três a três ou quatro a quatro, como meninas e meninos da escola, para toda a gente as entender.

PS - Nunca aprofundei o assunto, mas acho curioso que haja crianças que primeiro conseguem acertar no som, e outras que comecem por acertar o ritmo. O meu Sebastião dizia a primeira sílaba de tudo, mas "comia" o resto. Os gémeos acertam na quantidade de sílabas, mas falham os sons. A Nocas, no entanto, já deu um passo à frente, e já consegue acertar no último som das palavras, e muitas vezes também na primeira letra. O Duarte ainda só vai no ritmo, mas está bem provado, cá em casa, que as miúdas são mais despachadinhas...
Agora também digamos que nós cá em casa não lhes facilitamos a vida... é que todos nós temos pelo menos 4 nomes pelos quais somos chamados:
PAI:
- Pai
- Papá
- Papi
- Pedro

MÃE:
- Mãe
- Mamã
- Mami
- Sara

AFONSO:
- Afonso
- Fonseto
- Fonfas
- Filho
- Mano

SEBASTIÃO:
- Sebastião
- Titão
- Titaneco
- Sebastian
- Filho
- Mano

DUARTE:
- Duarte
- Dudu
- Duduski
- Duqui
- Filho
- Mano

LEONOR:
- Leonor
- Nocas
- Nonô
- Nonoski
- Noqui
- Filha
- Mana

Coitadas das crianças... Se calhar o que as letras pensam é que nós, os seres falantes, somos MUITO complicados!
Porque é que os adultos, quando acordam, ficam de meter medo ao susto, e as crianças, ao acordar, ficam deliciosas? Capazes de as mordermos ou cobrirmos de beijos?
Será das bochechas?
Dos olhinhos sem rugas?
Dos sonhos sem pesadelos?
Quando vou buscar os meus filhos ao quarto, de manhã, abraço-os e lambuzo-os e não consigo não desejar que eles fiquem sempre pequeninos... (na maior parte do restante tempo, desejo que eles cresçam e deixem de fazer birras, de usar fraldas, de ter de comer a horas, de se sujarem, de mexerem em tudo, de não terem noção do perigo, de terem de levar vacinas, de vomitarem tantas vezes... uff! O problema é que, quando estas coisas todas acabarem, vai bater aquela saudade...)
Com o pai a trabalhar e corte de electricidade em casa, resolvi pegar nas tropas e rumar ao Oceanário. Desde que a Leonor aprendeu a dizer "Petche" que eu andava com vontade de lá ir. E hoje não pensei duas vezes. "Saíste mesmo com os 4??" - perguntava o Pai ao telefone. E, já na bilheteira do Oceanário, foi a vez da Funcionária se surpreender: "Vai mesmo entrar sozinha com eles todos??". O Afonso fez-se logo ouvir e argumentou que ele era um excelente condutor do carro da irmã. Saltou logo o Sebastião a dizer que quem levava a mana era ele (e ele continua a querer tudo o que o irmão quer! Maldito síndrome de irmão mais novo, que neste caso é do meio). E estive quase tentada a deixar que fossem eles os 2 a levar os irmãos, enquanto eu descansadamente via os peixinhos. Não ia durar muito tempo... aliás, nem a disputa pela irmã durou, porque os peixinhos falaram mais alto e eles passaram a disputar foi a máquina fotográfica e a descoberta do peixinho mais belo.
Balanço da manhã:
- A Leonor gritou uma centena de vezes "Petche" e o Duarte outras tantas vezes "Pê".
- Fomos repreendidos por comer bolachas e Bolycaos no Oceanário (mas quem suporta ouvir os filhos reclamar por comida?)
- Tirámos dezenas de fotos (sem flash, ok?). 90% delas são borrões negros ou imagens desfocadas.
- No final comprámos lembranças. Um kit ciência para o Afonso, um dinossauro para montar para o Sebastião, uma raia para a Leonor e um lagarto para o Duarte (embora ele, num momento de distracção minha, tenha mordido e enchido de baba todas as tartarugas de peluche que apanhou. Eu, como boa e tesa mãe, fingi que não vi e segui caminho)

Amanhã é dia de Concerto para bebés em Sintra. OS miúdos vão ficar esgotados com tanto programa... e a mãe deles idem idem aspas aspas!
Quando chego a casa mais tarde, já com a criançada toda por lá, sinto-me a verdadeira mãe-pássara, que chega com as minhocas (uma ou outra coisa que comprei para eles, que mais não seja comida já pronta para o jantar) e tem de escolher quem alimentar primeiro. Os meus filhotes abrem o bico e correm para mim à procura de algo. Debicam-me de alto a baixo, e em vez de Pius oiço "Mamã, mamã, mamã, mamã". E, assim como a Mãe Pássara se deve perguntar quem há-de alimentar primeiro (como escolher? O bico maior? O mais frágil? O que pia mais?), eu pergunto-me quem pegar primeiro ao colo, quem beijar primeiro, a quem dar miminhos e a quem perguntar primeiro como correu o dia. Independentemente da minha escolha (que normalmente se baseia em quem é mais ágil para trepar por mim acima, ou quem grita mais alto por atenção) fico sempre com vontade de ter mais braços, e mais bocas e mais colos e mais beijinhos para dar ao mesmo tempo. E ainda há que arranjar em um espacinho (de tempo, de corpo, de atenção) para o passarão...
O meu Sebastião teve um pesadelo esta noite. Acordou a chorar e gritou por mim, ainda atordoado com as imagens que o assustaram a dormir.

- Ó mãe... não existem fantasmas, pois não?
- Não, Sebastião... Dorme descansado.
- Ó mãe... e não existem ladrões, pois não?
- Aqui não, Sebastião. Dorme descansado.
- Ó mãe... e não existem mexicanos, pois não?

Ri-me a nachos. Então agora os mexicanos também causam pesadelos? Tive que lhe dizer que não. Homens de chapéu grande e colchas às costas, só mesmo nos piores sonhos das crianças...
Não resisto a contar as últimas. É o que dá não trocar o computador ao fim da tarde por uma boa conversa com os meus filhos...

(Afonso no banho) Ó mami, olha como eu tenho tantos pêlos nos braços!
(Mami) E ainda vais ter mais, Afonso...
(Afonso assustado) Vou transformar-me num carneiro...

(Sebastião) Mãe, estou com comichão no rabinho...
(Mami) A mãe vai arranjar-te um remédio.
(Sebastião) Um remédio para os bichinhos?
(Mami) Sim. Para eles morrerem.
(Sebastião) Vais pôr-me uma tomada?!? (usamos uma tomada cá em casa para afastar as melgas) No rabinho?
(risos da mãe) Não, filho.
(Sebastião) Ufa! (pausa) Quem vive em Tomada é a Madalena...
(era em Tomar... mas a esta altura já a conversa estava tomada pelo meu riso)
O meu filho Afonso, agora com 7 anos, tem refinado as suas graçolas. Aqui ficam as últimas:

- Mami, sabes porque é que eu não comi passas na passagem do ano? Para não ficar passado...
(minutos depois)
- Se eu para o ano, em vez de passas, comer pedaços de fiambre, achas que fico afiambrado?


(Afonso a comer uma banana)
- Mami, é verdade que nós descendemos dos macacos?
- É possível que sim, Afonso.
- É que eu gosto tanto de bananas... Acho que ainda não evoluí...