Depois de quinhentos mil disparates seguidos do meu endiabrado Dudu (2 anos), olhei para ele, furiosa, e saiu-me um:
- Grrrrrrrrrrrrrrrrr!
Depois virei costas, respirando fundo, para não o virar ao contrário. Mas o meu Dudu tem esse condão de conseguir ser maroto e irresistível ao mesmo tempo. Por isso chamou-me, com o seu melhor sorriso:
- Mamãaaaaa....
Olhei para ele, já mais calma, e ele imita-me, com o mesmo ar enfurecido:
- Grrrrrrrrrrrrrrrr! Mamã leão. Grrrrrrrrrrrrrr!

Pronto... antes "mamã leão" do que "mamã louca". Pelo sim, pelo não, vou cortar a "juba".
Sistemas digestivo e respiratório, frases com ditongos, pautas com sustenidos, problemas matemáticos e sólidos, solfejo, conjuntos e operações... Se dantes trabalhava até às 17.30h, era motorista até às 18.30h, e mãe até às 21.30h, para voltar a ser novamente trabalhadora (quando deveria ser companheira do marido, outra profissão exigente, mas a falta de tempo não tem ajudado :(), agora ainda tenho de ser professora das 18.30h às 19.30h e professora de música das 21h às 21.30h. Eu nem quero pensar o que vai ser quando tiver os meus quatro filhos com trabalhos de casa, testes, avaliações, treinos e audições... Ser mãe também é isto, mas também é abraçá-los e ouvi-los sem ralhetes, exigências e obrigações. Façam mais Domingos por semana, por favor!
Depois de um bom banho, mãe inspecciona ao espelho a pele do rosto, o cabelo, as sobrancelhas, os dentes. E, ainda que não totalmente satisfeita com o que vê, sorri, para começar bem o dia. Foi quando percebeu que tinha o pequeno Dudu, qual duende maroto, atrás de si, a olhar também para o espelho. Sorria também (e é impressionante como o sorriso dele é igual ao da mamã!) e disse baixinho "Mãe linda".
E o sorriso da mãe encheu-se de uma satisfação que nenhumas olheiras, pêlos supérfulos ou cabelos ressequidos podem apagar...
(Sebastião, 6 anos, aflito) Mãe, o que é isto aqui na tua cabeça?!?
(Mãe) É um gancho, filho.
(Sebastião) Ufa! Pensava que te estava a nascer uma antena...

Dantes temiam-se os corninhos. Agora temem-se as antenas...
Todos os dias, entre as 21.15h e as 21.30h, depois do jantar (das 20h às 20.30h), da história dos mais novos (das 20.30h às 21h, enquanto os mais velhos recebem miminhos do pai) e da história dos mais velhos (das 21h às 21.15h, enquanto os mais novos adormecem ), é a hora da música cá em casa. Ou melhor... o quarto de hora! A rigidez nos horários às vezes chateia, mas é a única forma de conseguirmos pôr ordem numa casa com tanto piolho irrequieto.
O quarto de hora da música começou por ser algo semelhante a "uma mãe chata a querer ouvir o filho mais velho tocar notas nos tempos certos". Depois passou a ser algo tipo "uma mãe chata a obrigar o filho mais velho a treinar as músicas compasso a compasso". Depois transformou-se em "mãe e filho mais velho tocam músicas em conjunto enquanto segundo filho chateia que também quer tocar". E, nas últimas semanas, depois de algumas de "mãe toca com o filho mais velho e depois obriga o segundo filho a treinar", temos finalmente "mãe e seus dois filhotes tocam em conjunto". Ainda só vamos no "Balão do João", nada de muito complicado, mas naquele quarto de hora mágico não há "Come!", nem "Despacha-te", nem "Estão-me a tirar do sério!". São 15 minutos de música e só música... e que bem que sabe!
E aposto que qualquer dia vamos ter "filhos que obrigam a mãe a treinar para poder acompanhá-los".......
(Mamã) Dudu... quem te fez esse arranhão na cara?

(Dudu, 2 anos) Foi o leão... Ai, ai, leão!
Depois de dar uma valente ensaboadela aos meus filhos mais velhos por causa do tom cada vez mais gozão com que se dirigiam à minha excelentíssima pessoa, sua estimada mami, percorremos uns metros de carro num silêncio reflexivo. Até que o Afonso sai-se com esta:

- Mamã Sara, pode andar mais depressa, por favor? Estou aflitinho por urinar e defecar...

E pronto... desmanchei-me a rir, e lá foi o respeitinho pelo cano abaixo...
Para combater a minha falta de paciência perante o trânsito insuportável que estava hoje, resolvi contar aos meus quatro filhos a anedota dos dois mosquitos que andavam a passear de mota. Um deles disse "ai"... tinha-lhe entrado uma mosca para olho!
O Afonso não riu e exclamou:
- Ó mami... as anedotas do teu tempo são todas seca!
Repetem os dois gémeos, a bater com as perninhas nas cadeiras:
- Seca! Seca! Mãe seca!
Só ao Sebastião lhe vislumbrei um sorriso e mantive a esperança.
- O Sebastião achou graça!
- Não achei, não, mamã. Estou a rir dos teus olhos esbugalhados e das tuas bochechas gorduchas...

Estou bem arranjada com estes quatro. Ai estou, estou...
(Sebastião, 6 anos)

- Ó mãe, tu és a única escritora do mundo?

Das duas uma: ou ele gosta mesmo dos livros da sua mamã e anda orgulhosamente cego por ela, ou a mamã anda a ler-lhe demasiados livros seus, sem explicar devidamente que todos os outros são escritos por terceiros.

Tenho uma leve impressão que a segunda opção é a mais correcta... :(
Depois de termos passado umas horas de Domingo a recortar os primeiros brinquedos de uma revista e a colarmos numa folha que é um primeiro protótipo de carta ao Pai Natal, com o Afonso (8 anos) a levar umas cotoveladas cada vez que quase dizia que o Pai Natal não existia, o Sebastião (6 anos) sai-se com esta:

- Tu achas mesmo que eu acredito no Pai Natal, mami?
- Não acreditas?
- Ó mami... Eu não sou totó!

E pronto. Lá se foi a magia do Natal com uma singela frase aprendida no Nickelodean...
Um monte de legos espalhados pelo chão. A Nonô separa as peças cor-de-rosa e roxas e começa a empilhá-las ordenadamente. O Dudu apanha as primeiras peças que estão ao seu alcance e encaixa-as atabalhoadamente. A sua torre cai, invariavelmente. E ele derruba a torre da Nonô, divertidamente. A Nonô chora e faz queixinhas... irritantemente. O Dudu começa outra torre como se não fosse nada... descontraidamente.

E, neste simples jogo entre um par de gémeos de dois anos, encontro diferenças fundamentais entre meninas e meninos. E, saudosamente, tenho de recordar a minha amizade desde sempre com o João Reis, um grande amigo com quem costumava passar as férias grandes. Em crianças, ele adorava irritar e desorganizar as minhas brincadeiras ordeiras. Depois, na adolescência, era eu quem complicava as suas brincadeiras simples, porque me achava mais crescida, porque achei mais cedo que tinha razão. Depois começámos a achar graça aos amigos que o outro tinha, mas tomávamos conta um do outro. Depois começámos a ter conversas fundamentais sobre o futuro. Apoiámos as decisões importantes um do outro. E hoje, com as respectivas diferenças (entre outras coisas, de género) somos grandes amigos. Espero que seja assim também com os meus filhotes gémeos, e que as suas diferenças (entre outras coisas, de género) se traduzam também em algo tão salutar.
Acredito que os meus filhos tenham algum orgulho na sua mami. Mas, como crianças que são, têm também a sua sinceridade à flor da pele. E ontem, depois do lançamento de "Frei Livrinho de Sousa" (o meu último livro infantil - passo a publicidade), o meu filho mais velho saiu-se com estas:

- Quando estás a falar, mami, ris-te muito das coisas que dizes. Mas nem sempre tens muita graça...

(e vai uma!)

- Esqueceste-te de agradecer ao papi, mami...

(e vão duas!)

- A tua história devia ser mais divertida. Onde é que está o Afonso que há em ti?

(e vão três!)

Andamos nós a fazer de tudo para lhes elevar a auto-estima, e eles desfazem a nossa em três frases... Nem quero pensar como vai ser na adolescência...
É noite, estou a tentar trabalhar, mas o meu filho Sebastião chama por mim aflito, com mais um pesadelo que, esta noite, tem ido e voltado vezes sem conta. Tiro o computador do colo, subo até ao quarto, abraço-o, fecho-lho os olhos assustados, sussurro-lhe um "Está tudo bem" e volto ao meu teclado. Já o fiz três vezes esta noite. E, cada vez que subo e torno a descer, o trabalho parece-me menos importante, mais descartável, menos imprescindível. "Está tudo bem" mas não está. Vou mas é fechar esta tampa e deitar-me com ele. "Agora, sim, vai estar tudo bem, a mamã está aqui." E ele vai adormecer por fim.
Boa noite!
Hoje foi novamente noite de "Filosofia para Crianças" com os piolhos mais velhos. O capítulo até era bem puxado - "Porque é que o homem existe?" - e andámos a deambular pelos dinossauros, por Deus e pelo mal que o homem anda a fazer ao seu planeta. Mas tudo descambou quando se colocou a pergunta que a mim me tem interessado particularmente nos últimos tempos: "Será o homem superior às outras espécies?". O Sebastião (6 anos) pensou um bocadinho, com ar sério, e disse que sim. Mas eu queria saber mais. Queria saber porquê. Afinal, o que é que o homem faz de tão especial para ser superior? E o Afonso (8 anos), olhou para mim com o seu ar alucinado, abriu os braços e começou a cantar:

Andar pelo espaço
Lutar com uma múmia
A torre Eiffel vais escalar
Achar uma coisa que não exista
Ou pôr um macaco a brilhar
Surfar num marremoto
Criar aerobots
O Frankanstein desafiar
Encontrar um dodó
Pintar um continente
Ou pôr a MAMI a gritar

E a sessão de filosofia terminou com piolhos a pular em cima da cama e a mami a rir à gargalhada!
Tantos filósofos debruçados ao longo de tantos anos sobre o Existencialismo... e afinal toda a razão da nossa superioridade está contida na canção de abertura do Phineas e Ferb...
Os gémeos viram hoje o seu primeiro teatro. "A Cigarra e a Formiga" reiventadas na Academia de Santo Amaro fizeram-nos bater palmas, cantar, responder aos insectos com tamanho de gente, e gritar coisas como "Rainha Nonô" (para a Rainha das Formigas) e "Fanhoto Dudu" (para o Gafanhoto). Os manos mais velhos também fizeram a festa e acompanharam os manos mais novos nesta sua primeira aventura. O único senão foi ver fugir 52 euros em duas horas. Bem passadas, é certo, mas até ao próximo mês os teatrinhos a 6 vão ser caseiros, e os insectos vão ser mesmo aqueles que há no jardim...
(Leonor, 2 anos, a olhar para a minha barriga engelhada no pós-banho)

- Mamã velhota... Mamã velhota.

Não sei se ria, não sei se chore...