(Afonso):
- Mãe, podes convidar o Diogo Alves para vir cá a casa? É que nós queremos escrever um livro juntos...

Baba, baba, baba... Lembro-me tão bem de ter a idade dele e passar as férias a escrever a colecção das "Amiguinhas" com a minha amiga Filipa...

- Já tenho uma história e ele tem outra. Mas temos de pensar em mais, para fazermos um livro grosso. Se calhar um dia vamos ser escritores...

Se calhar, meu filho. E a mãe vai ficar tão orgulhosaaaaaa...
No carro, à capela:

Mãe:Na nana nananan...
Sebastião:Wakawakauéué
Mãe: Na nana nananana...
Afonso: Istch time for África...


A Shakira não faria melhor. Amanhã começamos a treinar a coreografia...
- Ó mãe, ó mãe... anda ver a minha última criação!

Enquanto eu me secava do banho, o Afonso tinha "criado" qualquer coisa no meu quarto. Entrei e deparo-me com este espectáculo: uma toalha azul em cima da cama, com alguns animais marinhos (bonecada que ele descobriu nos caixotes de brinquedos) espalhados, em cima. Ele estava por baixo dos lençóis, exactamente nessa zona, a ondular o seu corpo suavemente.
- Olha, mãe, olha... criei o mar...

Agora digam-me lá o que é que eu faço com tanta "criação"?
Acabei de receber do pai o seguinte e-mail:

MÃE: VAI JÁ PARA A MESA!
FILHO: Não vou!
MÃE: Tens de ir! Eu estou a mandar!
FILHO: E porque é que tenho de fazer o que tu dizes?
MÃE: Está no Código Civil Português, ARTIGO 128º.

(ARTIGO 128º – Dever de obediência)
Em tudo o quanto não seja ilícito ou imoral, devem os menores não emancipados obedecer a seus pais ou tutor e cumprir os seus preceitos.

Cá em casa o pai fala e os filhos obedecem. Só a mãe é que parece que vai ter que invocar a Constituição...
Depois de pôr os 4 na cama, enfiei-me no duche para o meu merecido banho. Água a escaldar sobre a pele, sossego, a cabeça a desfiar as trivialidades do dia, para depois analisar o que é mais profundo... Gasto muita água, mas funciona. Limpo o dia e, se ainda tenho que trabalhar (como era o caso), vou para o computador renovada.
- Mami...
O Afonso entrou em pezinhos de lã, com aquela cara de Calimero irresistível...
- Afonso, vai para a cama! O que é que estás aqui a fazer?
- Não consigo dormir. Por causa daquele assunto... Aquilo que tu sabes, mami...
O assunto tabu é a morte. De vez em quando volta, aterrorizadora, de foice na mão, para ceifar os bons sonhos do meu filho mais velho (felizmente, só dele, se bem que os bebés ainda não manifestam os seus terrores nocturnos).
A água estava a saber-me tão bem, ainda não tinha terminado a revisão de vida, mas o assunto impunha que o banho se desse por terminado. Desliguei a água e saí para me secar, enquanto o meu filho se acomodava na sanita.
- A morte dói, mami?
- Não, filho. E tu não devias estar a pensar sobre isso, é muito tarde.
- Mas como é que tu sabes que não dói? Nunca morreste...
Dah! Afonso 1, Mami 0
- E se fosses buscar um livro e lesses um bocadinho, para te distraíres?
- É isso que tu fazes quando pensas na morte?
Novo murro no estômago. Afonso 2, Mami 0. Sim, é verdade. Um bom livro é sempre uma excelente terapia para os meus terrores nocturnos.
- Sabes do que é que eu tenho medo, mami? De morrer e ir para um lugar onde não há ninguém. Depois eu fico lá sozinho e tenho medo...
Abraço. Abraço com muita força, já sequinha!
- Oh, filhote! Tu não vais ficar sozinho. Nunca. A mamã nunca te vai deixar. Não falámos já que as estrelinhas, mesmo estando longe, estão sempre a olhar por nós?
- Sabes o que é que eu queria, mami? Depois de morrer, queria voltar a nascer. E começar tudo outra vez...
Novo abraço. A teoria da reencarnação é um excelente bálsamo para o meu filho. Quem sou eu para opiniar sobre ela?
- Há pessoas que acreditam nisso, Afonso...
- E tu, mami?
- A mamã não sabe... Nunca morreu!
Foi folhear o Ratatui e depois adormeceu. Já eu... bem, no mínimo, fiquei capaz de outro banho!