E já é oficial! A mãe do Afonso e do Sebastião (que sou eu), está grávida. E de gémeos! E a reacção dos dois piolhos não se fez esperar:

- Cuidado com a barriga da mãe, Afonso!
- Porquê? O teu bebé é de vidro?

(Afonso)
- Ó mãe, abre a boca...
(Abri a boca e o Afonso aproximou-se, gritando para dento de mim)
- Está tudo bem aí dentro? Não torçam o pescoço um ao outro...

(Sebastião)
- Se for um menino e uma menina, como é que lhes queres chamar, Sebastião?
- Pode ser mamã e papá?
- Mãe, hoje a Carlota estava a afogar-se na natação e eu ajudei-a. Estendi-lhe o esparguete.
- Boa, filho!
- Salvei-a, não salvei, mamã?
- Sim, Afonso. Foste um herói.
- E agora? Já me podem começar a chamar santo?

Continua a saga do meu filho pela santidade. E hoje andou a fazer compras connosco no Continente a cantar, a plenos pulmões:

Guiado pela mão
Com Jesus, eu vou
E sigo como ovelha
que encontrou pastor
(etc, etc)

E até ensinava o irmão Sebastião, que depois de uma hora de compras também já sabia parte da letra. É a chamada Evangelização nos hipermercados...
O meu filho Afonso está um verdadeiro beato! No outro dia disse-me que queria ser santo.
- Santo, filho?
- Sim... assim vocês lembravam-se de mim no dia de todos os santos...
Ri-me um bocado e avancei para a história da noite, que era tudo menos beata (metia bruxas e piratas). Mas daí a pouco tempo o Afonso voltou a atacar:
- Ó mãe, se eu morrer agora já fico santo?
- Não, filho... ainda tens de viver muito e fazer muitas coisas boas por muita gente!
Acho que o convenci a não ser mártir aos 5 anos...

PS - Na catequese, o projecto-de-santo-Afonso tem aprendido a história do Adão e da Eva, do Sansão e Dalila, do Abel e Caim... Mas como em casa as "histórias" são outras, faltam-lhe alguns conceitos básicos para ser o beato perfeito. No outro dia a professora entregou a todos os meninos a imagem de uma gruta para eles desenharem o presépio, e o meu filho, que não sabia bem o que isso era, resolveu aproveitar a gruta para desenhar uma casa de extra-terrestres!!!
(à mesa comigo, com o pai, o irmão e os avós)
- O que é que vocês eram antes de serem humanos?
Silêncio... O meu filho Afonso consegue calar qualquer pessoa com as suas perguntas.
- Não sei, Afonso. O que é que tu eras?
- Um fantasma que vivia na lua. Mas depois pedi ao polvo com uma pata para vir para a tua barriga, mamã...
E as certezas dele são sempre tantas, que não há quem consiga convencê-lo de outra versão qualquer...
Sebastião a começar a dar o ar da sua graça:

(depois de rodopiar pela casa toda, a soprar)
- Sebastião, o que estás a fazer?
- Estou a brincar aos furacões!

(antes de ir jantar)
- Mãe, podes pôr no Pause?
- Tu sabes o que é o Pause, Sebastião?
- Sei. É um pauzinho assim (I) e outro assim (I).
(Afonso no dia das Bruxas)
- Eu não tenho medo de fantasmas. Sabes porque é que não, mãe? Porque eu sei como é que os fantasmas são feitos...
Pensei que ia falar em lençóis com buracos, ou pessoas disfarçadas de fantasmas, mas a teoria era mais elaborada:
- São feitos nas fábricas. Há pessoas que sopram bolas de sabão, depois atiram poderes e os fantasmas podem sair pelas janelas, a voar. Primeiro são bolas, mas depois começam a ficar esticadinhos, e é assim que se fazem os fantasmas.
- Quem é que te disse isso, Afonso?
- Ninguém. Eu sei.
O meu filho Afonso sabe tanto... Acho que no futuro vai ser um sabão...
O meu filho Afonso está o perfeito beato! Tirando o facto de não conseguir decorar que o avô é diácono (e dizer sempre que ele é "drácula"), em tudo o resto está o perfeito menino de coro. Passa o dia a cantar a música "Quando Jesus passa... tudo se transforma" (e Jesus, segundo ele, é uma espécie de Gormiti que deita magia e transforma tudo em seu redor), já me pediu "uma daquelas coisinhas com bolas para rezar" (um terço, para quem não domina o assunto) e todas as noites me explica que rezar é pôr-se de joelhos e juntar as duas mãozinhas à frente do peito.
Esta é a parte menos complicada. A complicada é eu já lhe ter falado várias vezes na teoria do bang bang, na formação do universo, e na raça humana como uma espécie entre outras que poderão haver no espaço (e que, segundo o meu filho, um dia ainda vai acabar como os dinossauros) e depois ele aprender que o mundo foi criado por Deus, que também criou o Adão e a Eva. "Ó mãe... tu mentiste-me! Foi Deus que criou o mundo!". Lá lhe expliquei que não menti... que tudo pode co-existir e nada se invalida necessariamente. Em relação ao Adão e à Eva, é que tive de ser peremptória: "Isso é uma história, filho...". Não ficou muito convencido, mas a verdade é que a história que ouviu na catequese também não o convenceu: "Ó mãe... não percebo como é que Deus só criou o Adão e a Eva e depois há tanta gente no mundo... Eles tiveram assim tantos filhos?"
Enfim... teremos tanto que discutir à mesa daqui para a frente...
(Afonso, depois do pai o ter estado a ensinar a jogar playstation):
- Ó mãe, queres jogar comigo à pistola digital?
- Como é que isso se joga?
- Há um pai e um filho que entram no jogo com uma pistola digital que deita raios laser. Depois aparece o papa-formigas ninja e nós temos de lhe deitar um laser. Depois a seguir temos de apanhar uma estrela e a seguir vem o frango que fala. O frango só se cala quando nós o apanharmos e o comermos...
(agora digam-me que o meu filho não tem uma grande imaginação...)
O best-off da semana:

(Mãe depois de ter sido acordada pelo Afonso umas cinco vezes, ora porque viu uma mosca, ora porque teve uma comichão, ora porque tem um pé de fora e não está a conseguir tapá-lo sozinho):
Mãe: Afonso, a mãe não se vai levantar mais. Escusas de me chamar...
Afonso: Nunca mais, nunca mais te vais levantar para vires ter comigo ou com o sebastião?
Mãe: Não, filho. Só se forem coisas muito graves.
(A mãe volta para a cama. 5 minutos depois ouve a voz estridente do filho a gritar)
Afonso: Ó mãeeeee! Anda cá! Eu estou a morrerrrrrrr!

Sebastião: Ó mãe, esta noite veio uma mosca até à minha cabeça e pôs-me um pico...
Depois de uma sessão experimental de ioga, na escola, o meu Sebastião chegou a casa capaz de resistir a qualquer reprimenda. Qualquer chamada de atenção que lhe fazia, o Sebastião fechava os olhos, colocava os dedos nas extremidades da testa e, com a boca fechada soltava um "Aummmmm". Obviamente que me ri mais do que ralhei com ele. Quem é que resiste a uma coisinha de palmo e meio, com umas bochechas enormes e o sorriso mais malandro do mundo? A mãe não é certamente...

PS - Outra do Sebastião:
- Sebastião, já sabes como é que chama a escola do mano?
- Já. É a escola dos Maricas...
(só espero que os irmãos Maristas nunca leiam este blogue)
- Ó mãe, não consigo adormecer!
A frase típica do Afonso cinco minutos depois de se deitar...
- Então porquê? O que é que se passa hoje?
- Quando olho para a direita, os buraquinho (da rede protectora da cama) mostram-me imagens de coisas más. Se olho para a esquerda (para o seu inseparável boneco de dormir) o boneco ganha vida e ataca-me...
- Se não podes olhar para a direita... nem podes olhar para a esquerda... olha para o tecto!
- Mas se olho para o tecto não vejo os ladrões a entrar pela porta...
(de regresso a casa, depois da escola, quando as conversas fluem e os quilómetros nos levam em filósoficas viagens sem destino):
AFONSO: Mamã, tu gostaste de crescer?
MÃE: Gostei, filho. É bom crescer. Tu também vais gostar.
AFONSO: Acho que não, mamã...
MÃE: Mas é bom crescer, piolho. Aprendes coisas novas, começas a decidir por ti...
AFONSO: Mas eu acho que há uma coisa no mundo que é injusta...
(antecipei imediatamente a resposta. Ele é TÃO meu filho! Impressionante. Os mesmos medos. As mesmas angústias. As mesmas injustiças...)
MÃE: O que é, filho?
AFONSO: Eu não queria morrer e tornar-me numa estrelinha... Por isso é que eu não queria crescer...
(só não engoli em seco porque já tinha antecipado a resposta. Olhei-o, sorri-lhe e percebi que ele estava à espera que eu dissesse alguma coisa. E eu tinha a minha resposta. Só não sabia se era cedo para lhe dizer)
AFONSO: Há alguma maneira de não morrermos, mamã?
(tinha que lhe dar a única resposta que sabia. Havia outras bem mais simples. Mas, à custa de fazer tantas vezes as mesmas perguntas que o meu filho acabara de fazer, acabei por deixar de acreditar nelas)
MÃE: Acho que não, filho. Mas se esta vida é a que temos, e é tão boa, tens que a aproveitar. E gostar de crescer...
(calou-se. Ficou a pensar. Depois pegou em dois Gormittis e começou a brincar. Há respostas que nunca dão serenidade. Mas há que aprender a viver sem ela... e levar a vida a brincar...)
(no carro, a caminho da escola)
AFONSO: Ó mãe, eu gostava de ser jogador de futebol, mas também tenho que ser piloto de naves.
MÃE: Então, filho... podes ser as duas coisas...
AFONSO: Posso?
MÃE: Podes ser piloto de naves e jogar futebol no espaço...
AFONSO: Boa! Dou pontapés aos planetas...

SEBASTIÃO: E eu, mamã?
MÃE: O que é que queres ser, 'Batião?
SEBASTIÃO: Não sei...
MÃE: Gostas muito da tua lanterna... e de animais... Podias ser explorador!
SEBASTIÃO: Sim! Sim!
AFONSO: Não pode não, mamã. Senão ainda pode ser comido por um crocodilo.
MÃE: E polícia? Tu gostas de andar atrás dos ladrões com a tua pistola, 'Bastião.
AFONSO: Também não pode ser, mãmã. Porque o Sebastião ainda não sabe que há pistolas a brincar e pistolas a sério. Pode dar um tiro nele com uma pistola a sério e morrer.

Do mal o menos, ficou explorador... Com argumentos destes...
Uma semana e meia depois do meu filho Afonso ter entrado nos Maristas, começaram as perguntas difíceis:
- Ó mãe, como é que as pessoas morrem e vão para o céu?
- Ó mãe, porque é que as pessoas falam com Jesus e ele não lhes responde?
- Ó mãe, se não tivermos cruzes ao pé de nós, Jesus não está connosco?
Eu, fervorosa adepta do cepticismo, respondo a tudo dando vários exemplos de como as pessoas das várias religiões encaram os diferentes dogmas das Igrejas. E convenço-me que devo passar informação aos meus filhos para que eles decidam no que devem acreditar e como. Será muito, para uma criança de 4 anos (o Sebastião ainda não fica a pensar nas minhas respostas)? Será que as crianças devem ter pais que tenham verdades absolutas e respostas para lhe dar? Será que estou a confundir os meus filhos? Ou a dar-lhes liberdade suficientemente para eles pensarem o mundo, a vida e a morte e chegarem às suas próprias conclusões?
A mãe anda a escrever um livro sobre extra-terrestres. O pai anda a papar as séries todas do Stargates. E o filho, talvez entusiasmado com a capa da nova Courrier International (sobre o tema) e os pedaços de Stargate que apanha na televisão, não tem parado de soltar teorias do outro mundo:
- Ó mãe, eu quando nascer outra vez vai ser num país cheio de extra-terrestres e vai ser muito mais divertido.
(...)
- Ó mãe, eu daqui a uns tempos vou comandar uma nave e vou a outros planetas. Não posso é ter janelas, porque no espaço há sempre pedras a bater nas naves.
- É uma nave ou um foguetão?
- Uma nave, mãe. Os foguetões já existem agora. Eu vou numa nave.
- Ah! Então vais inventar uma nave.
- Não. Isso vai ser outra pessoa. Eu só vou comandá-la.
- E levas a mãe a ver outros planetas, filho?
- Não, mãe. Tu nessa altura já morreste...
(espera aí... não é suposto as crianças de 4 anos acharem que os pais são imortais?!)
(Afonso a meio de um doloroso e interminável pequeno-almoço, daqueles em que ele se queixa vinte vezes que lhe dói a barriga e quando chega a hora de ir para a escola ainda só vai a meio do pão):
- Ó mãe, queres que eu te explique como é que se faz o vomitado?
(Adoro sempre as explicações que o meu filho arranja para explicar os fenómenos que ainda não conhece)
- A comida desce e dentro da barriga há muitos martelos que começam a bater-lhe para a transformarem em vomitado. Às vezes a barriga fica muito cheia e um dos martelos bate com força no vomitado para ele vir para cima. É assim que se vomita...
E pronto. Assim se faz ciência cá em casa. Com especulações e alguma imaginação...
- Então, Afonso, o que é que fizeste na escola?
- Um desenho que dei à minha professora.
- E o que é que desenhaste?
- Era para fazer uma pessoa. Mas fiz uma cabeça muito grande e já não cabia mais nada. Então tive uma ideia. Desenhei muitas bolhas ao pé daquela e fiquei com muitas cabeças. Depois fiz uma bolha gigante à volta das cabeças todas.
- Mas para quê, Afonso?
- Eram muitas pessoas a sair de um ovo...
(ok, o meu filho continua a pensar que há pessoas especiais - onde ele se inclui - que nascem de ovos. Imagino a cara da professora da escola nova, que só o conhece há cinco dias...)
(Sebastião para a mamã)
- Quero colo!!!
- Então anda cá, piolho... A mamã dá-te colo...
(colinho)
- Ó mamã... eu afinal quero dois...
Enquanto jantávamos e na televisão passavam reportagens sobre a onda de crime que tem assaltado o país nos últimos meses, o Afonso saiu-se com esta:
- Eu sei o que são os ladrões...
Respondi com o habitual "Ai sim?" que é sempre a melhor maneira de puxar por ele.
- São pessoas que roubam coisas. E também roubam crianças. Entram nas casas das pessoas com sacos, enquanto elas estão a dormir, metem as crianças lá dentro e levam-nas.
Assustei-me, porque não queria o meu filho assustado...
- Não é bem assim, Afonso. É verdade que algumas crianças já foram raptadas (e como negá-lo, se o caso Maddie andou tanto tempo naquela cabecinha a querer ser adulta), mas isso não te vai acontecer a ti... Tu estás connosco. Nós protegemos-te...
- Mas à noite vocês estão a dormir. Por isso é que eu nunca durmo. Durmo de olhos abertos. Para não ser raptado...
- Ó mãe, eu pensava que este Gormitti era um Espírito...
Pronto, lá vinha mais uma conversa profunda com o meu filho Afonso...
- E o que é um Espírito, Afonso?
- Então mãe... ele anda no céu. E decide se as pessoas vivem ou morrem. Ele decide sobre a vida e a morte das pessoas...
- Ai é?
- Sim. E as pessoas precisam de poderes para lutarem contra os Espíritos e não morrerem...
- Então os espíritos matam?
- Só os maus, mãe. Os bons deixam as pessoas viver. Só as deixam morrer quando elas são velhinhas.
- E os maus?
- Os maus matam as pessoas antes de serem velhinhas. Os espíritos que matam as crianças são os "mais maus" de todos!
- Piores... - não resisti a corrigir.
- Mas tu não sabias que havia espírios, mãe?
- Não...
- Oh... (desilusão!) Eles são os amigos do Jesus, mãe. Os bons! Vivem ao pé dos Anjos.
- Ah...
- E há uns muito bonzinhos que ajudam os meninos a saber jogar futebol. E algumas meninas também, como a prima Madalena... Ela tem muita sorte em ter um Espírito que a ajuda a jogar futebol tão bem como eu...
E agora digam-me o que é que eu faço ao meu filhote...
Quase com as férias a acabar, o balanço não podia ser mais positivo:

- O Sebastião já não usa fralda nem xuxa.
- O Afonso sabe o abecedário e sabe fazer contas simples com os dedos de somar e subtrair
- O Sebastião nada com braçadeiras
- O Afonso fez o seu primeiro livro em cartões da Matinal
- O Sebastião já come com garfo e faca
- O Afonso já come salada de alface e tomate
- O Sebastião já desenha bolas
- O Afonso já faz pessoas com dedos e cabelo
- O Sebastião já diz Hello e Gràcias aos estrangeiros
- O Afonso já sabe pronunciar otorrinolaringologista

No meio do tanto que aprenderam, brincámos, corremos, jogámos à bola, vimos filmes com pipocas, andámos de barco, nadámos e mergulhámos, pintámos, lemos histórias e falámos. É muito bom estar presente e tê-los presentes. Crescemos muito juntos, eles para cima, eu para baixo (porque a dada altura da nossa vida, é preciso reaprendermos a ser pequeninos para não envelhecermos).

Os senãos das férias:
- O Sebastião comeu duas pílulas da mamã. Até ao momento ainda não lhe cresceram maminhas...
Depois de explicar ao meu filho que o touro era um animal sagrado no Antigo Egípcio, e que algumas religiões implicavam a adoração de animais, ele fez-me as mil e uma perguntas mais difíciis de responder, acerca de religião. Lá lhe fui explicando que numa era assim, noutra era assado, numas havia estátuas, noutras altares, numa as pessoas morriam iam para o céu, noutras iam para a pele de outras pessoas... e ele lá ia rindo de umas, ficando a pensar noutras, mas a que ele achou mais graça foi mesmo àquela que adorava o touro, porque aí há tempos foi a uma tourada e achou graça que no Antigo Egipto adorassem um animal que ele, em pleno Campo Pequeno, viu ser espetado por toda a gente entre palmas e assobios.
Já com o livro fechado, água e xixi cama cumpridos, chamou-me e disse-me baixinho:
- Sabes que eu já escolhi o meu Deus, mamã...
- Ai sim, Afonso? E então?
(Pensei que se tinha esquecido do touro e ia mostrar-se rendido aos ensinamentos dos avós que o levam à missa e lhe explicam tudo sobre Deus e Jesus.)
- A partir de agora vou adorar o Deus-pato...
(Não sei porquê, mas acho que os avós não vão achar piadinha nenhuma...)
Ao contrário do que se possa pensar, às vezes ser mãe de dois filhos é sinónimo de ter tempo para fazer certas e determinadas coisas "de mulher" para as quais, dantes, não se tinha paciência. Aos fins-de-semana, altura em que meto os meus filhos no meu duche e tomo banho com eles, descobri que tinha ganho tempo para usar os meus esfoliantes, massajar a pele e fazer máscara no cabelo. Começo por entrar na casa de banho e pedir aos meus filhos para se tentarem despir sozinhos. Enquanto a água aquece e eles andam às voltas com a roupa, espalho os esfoliantes pelo corpo e rosto. Eles não conseguem despir-se e eu dispo-os enquanto o esfoliante "actua" na pele. Metemo-nos todos na banheiro e eu ponho uma máscara hidratante no cabelo. Enquanto ela "actua", lavo os meus filhos. Lavo o primeiro e entrego-lhe a minha escova massajante para, enquanto eu lavo o segundo, o primeiro passar a escova pela minha barriga e costas, coisa que ele adora e faz com muita dedicação (a minha futura nora vai agradecer-me um dia, certamente...). Quando volto ao primeiro, para lhe tirar o champô e o sabonete, o segundo trata da minha massagem. Depois de os ter lavadinhos, tiro então a minha máscara no cabelo. Antigamente, não tinha paciência para esfoliantes porque entrava no banho a correr, e não punha máscaras porque queria despachá-lo o mais depressa possível. Agora, já que um banho a três nunca demora menos de meia hora, há que rentabilizar o tempo e aproveitar para, no meio da confusão que se imagina, me mimar um pouco. E isto ainda não é tudo, porque a seguir ao banho deixo os meus filhos pularem em cima da cama da mãe durante dez minutos (para perderem o resto da energia que ainda têm e a seguir aguentarem ficar meia hora sentados à mesa) e enquanto isso ponho hiper ultra creme hidratante. Enquanto espalho depois o creme hidratante nos meus filhos, o meu "penetra" no meu corpo e quando me visto já não fico toda colada.
Aconselho todas as mães a seguirem o exemplo. Sair da casa de banho com os dois filhos penteadinhos e cheirosos, calminhos para se sentarem à mesa, e nós-mulheres cheirosas, hidratadas, com os cabelos macios e bens-dispostas (porque afinal temos tempo para tratar de nós), faz-nos bem a nós, e os maridos também agradecem!
(Afonso a acordar, depois de uma noite em que não foi a mãe que o pôs na cama porque não estava em casa)
- Mamã... eu não me lembro do teu beijinho de boa-noite... Mas sonhei com ele.
Digam lá que não dá vontade de o comer com beijos...
(Afonso nu a olhar para a sua pilinha)
- Ó mãe, é verdade que a minha pilinha tem raiz?
- Raiz, Afonso? Como as árvores?
- Sim. Eu acho que tem. (levanta a pilinha) Vês aqui este saquinho? Acho que a raiz está cá dentro...
(Afonso sobreo futuro parte II)
- Mãe, é verdade que, quando eu crescer, já vai haver naves?
- Talvez, filho...
- Então eu vou ser um piloto de naves e vou passear as pessoas pelos planetas.
- E qual vai ser o teu planeta preferido?
- (pausa para pensar) Ó mãe, como é que se chama um planeta onde tudo aquilo que eu quero acontece?
(...)
- Afonso... vamos abrir o teu mealheiro, para ver se já tens lá dinheiro para comprar a tua nave?
- Não, mãe. Eu não vou comprar a nave.
- Não? Então? És tu que vais construí-la?
(afastou-se e foi pensar um bocado. Umas 4 horas depois...)
- Mãe... estive a pensar com a minha cabeça. E és tu que me vais comprar a nave.
- Eu, Afonso?
- Sim. Quando eu crescer e já houver naves, tu ainda vais ser minha mãe...
- Sebastião, o que é que vais ser quando fores grande?
- Vou... (gaguejar e algum tempo com o olhar distante) fazer chupetas e dar aos meninos todos...

-Afonso, como é que vai ser a tua vida no futuro?
- Vou receber muito dinheiro das pessoas, arranjar uma namorada e dar muitos presentes aos meus filhos...

Quem ouvisse os meus filhos a falar, não acreditava que o meu Sebastião dorme com 4 chupetas e o Afonso recebe, quase todos os dias, um presente do pai ou da mãe (Gormittis, vulcões mágicos e experiências estão neste momento no top). É verdade que lhes negamos muita coisa (chupetas fora de horas e brinquedos em todas as lojas), e também é verdade que a frase recorrente é "os pais não podem fazer sempre o que os filhos querem...", mas nunca pensei que aos 2 e 4 anos já se tivesse aquela ideia de "quando eu tiver filhos vou dar-lhes tudo aquilo que eu não tive"...

E a matéria começa a ganhar alguns contornos assustadores. No outro dia, depois do pai lhe negar o 54º Gormitti, o Afonso saiu-se com esta:
- Ó pai, é verdade que quando tu e a mãe forem velhinhos, todo o vosso dinheiro vem para mim?
(Afonso e as suas filosofias de vida)

- Mãe, sabes que eu não cresci na tua barriga.
- Ai, não, filho?
- Não. Eu nasci de um ovo. Tu pensavas que ias fazer cocó, mas em vez de cocó saiu um ovo. O pai ficou muito admirado e vocês puseram o ovo no sofá. Partiram-no e eu saí...
- Ai foi, Afonso? E o Sebastião também nasceu de um ovo?
- Não, não. O Sebastião é normal. Saiu pelo teu pipi...

Comecei por pensar que era uma crise de identidade aos 4 anos. Mas a certeza dele era tanta, assim como o orgulho por ter nascido de forma especial que, em vez de crise, talvez tenha que lhe chamar narcisismo...

Bem, seja ovo ou menino, pelo pipi ou pelo rabo, pelo menos não deixou de sair de dentro de mim...
Fiquei chocada, no outro dia, quando ouvi uma amiga minha dizer que o filho tinha pedido de presente uma navalha para poder "sobreviver" na escola. Regozijei-me por os meus filhos ainda só terem 3 e 5 anos, e o maior grau de violência que conhecem ser o dos desenhos animados nipónicos que invadiram o canal Panda. No entanto, até para uma inocente criança que anda na sala dos 4 anos de um colégio privado numa zona calmíssima, o instinto de sobrevivência faz-se notar:
- Ó mãe... podemos ir um bocadinho ao ginásio? (leia-se três máquinas que ofereci ao meu marido nos anos para ele praticar desporto... e, enfim, não têm tido propriamente muito uso)
- Para quê, Afonso?
- Tenho que fazer músculos, para quando lutar com os meus amigos eles não me atropelarem...
- Eles "atropelam-te", filho?
- O Duarte (leia-se "o grandão da turma") dá-me murros muito fortes. E o João Pedro deita-me ao chão. Vou começar a treinar todos os dias para dar cabo deles...
Soou-me a diálogo de "Fight Club". Deixei-o subir ao ginásio, para ver o desenrolar o filme, e vejo o meu filho a querer pegar em dois pesos pesados, e a treinar uma sessão de murros ao som da Daniela Mercury (CD disponível no momento).
- Ó mãe, quando eu tiver filhos (o que para o meu filho é o mais recente sinónimo de ser grande) vou ter muitos músculos e ninguém se vai meter comigo...
Acham que lhe explique agora que os esteroides podem provocar impotência, ou deixo o assunto para mais tarde?
Aqui vai o best-of da semana:

(AFONSO a comer arroz de pato ao jantar)
- Ó mãe, a barriga do pato tem arroz lá dentro, "pois é"?

(SEBASTIÃO para a avó Antónia)
- Ó avó, queres vir à minha casa?
- Sim, quero...
- Então tens que ir pedir à tua mãe...
Em tempo de Europeu, o pai perdeu uma tarde a instruir o Afonso e o Sebastião sobre os jogadores da Selecção. Nomes e posições, repetidos diversas vezes com o claro intuito de os pôr mais tarde a fazer boa figura, junto dos amigos (sim... os pais também fazem estas coisas. Não são só as mães. A propósito, já contei que o Afonso diz o abecedário todo e o Sebastião já sabe a lengalenga até ao "l"? Adivinhem quem os ensinou até à exaustão?). Depois da dita conversa, o pai mandou os filhos virem ter comigo para mostrarem o que tinham aprendido.
- Então, Afonso? Quais são os teus jogadores preferidos?
- O Montinho e o Nuno Gomas...
(ai se o Contra-Informação lê isto...)
(conversa entre pai e filho - sem saberem que a mãe estava a ouvir):

- Fazes assim, pai... Primeiro dizes à mamã que ela é muito bonita... Depois ofereces-lhe um presente...
- Que presente, Afonso?
- Hum... Pode ser um desenho. Desenhas a cara dela e dás-lhe.
- E isso é para quê, Afonso?
- Então, pai? É assim que se dá a volta às miúdas...

(enquanto se ficar pelas palavras bonitas e pelos desenhos, posso dormir descansada...)
No outro dia fui dar com o Afonso e o Sebastião de braçadeiras postas (bem cheias!) a lutarem. Como nem sempre consigo encaixar que os rapazes gostam e precisam de lutar, armei-me em mãe chata e disse-lhes para pararem com aquilo. Mas eles não pareciam zangados, nem os seus movimentos pareciam ser executados para aleijar. Percebi então que os meus filhos estavam a simular uma cena de Wrestling, e as braçadeiras eram nem mais nem menos que os músculos. Achei tanta graça que resolvi sentar-me a assistir, mas o Afonso, rapidamente, solicitou os meus préstimos para tornar ainda mais real a brincadeira: “Anda cá, mamã! Tu és aquela loura que anda por aqui e entrega os prémios no final…” (No comments…)
A meio da refeição, na sua mais recente fase que eu chamo de "esticar a corda até rebentar a paciência da mamã", o Sebastião começou a abanar as mãos e os braços com força. Quase voou o prato e o copo e tudo o que estava na mesa. Segurei tudo com a ajuda do pai e lá pedi ao Sebastião que parasse com aquilo (fase 1). Na fase 2 disse-lhe que ia de castigo se não parasse, e na fase 3 lá subi o tom de voz para ele perceber que a mãe também se zanga (a fase 4 é pedir a ajuda do pai, que, não sei porquê :(, é sempre a medida que tem resultados mais imediatos e efectivos). Foi então que ele disse, no seu gaguejo e atrapalhação de 2 anos e meio: "Não posso parar, mamã... Estou a voar..."
- Mamã, tu és a minha melhor amiga porque me tratas muito bem. Quando eu estava na tua barriga não sabia quem tu eras. Pensava que estava numa boca gigante. Mas depois saí e gostei muito que fosses tu a minha mãe...

Foi na casa de banho, e quase esmaguei o meu filho Afonso com um abraço daqueles que só os pais sabem dar. De uma gratidão profunda àqueles seres pequeninos que saíram de nós e dão tanto sentido à nossa vida...
- Afonso, quem é a menina mais bonita da tua escola?
- É a Hao-Hao (menina chinesa). E tu, mãe, também tens uma escola?
- Não, filho, já te disse que não. A mãe trabalha.
- Então quem é o homem mais bonito do teu trabalho?

(quem me mandou a mim puxar o raio da conversa? :( )
Num daqueles dias em que se está tão cansado que nem se consegue descarregar nos filhos, deixei-me cair no sofá e resolvi contar-lhes a verdade : "Meninos... portem-se lá bem, por favor. A mamã está muito tãooo cansada..." Normalmente é o Afonso quem se manifesta, pergunta porquê, ou queixa-se que também está cansado, mas desta vez quem resolveu manifestar-se foi o Sebastião, que já vai estando cada vez mais atento ao mundo, saindo de vez em quando do seu egocentrismo natural da idade para tentar descobrir os estados de espírito das pessoas.
Veio até mim, deu-me um abracinho com muita força, e depois perguntou, acentuando os "ssshhh": "E agora, mamã? Já não estás canshshshada?"
"I like to move it, move it!, I like to move it, move it!" - foi assim que, num inglês até bastante perceptível, o meu filho Afonso me recebeu à porta, quando regressei a casa do trabalho. Tentei puxar por ele, saber onde tinha aprendido a música, como e porquê, mas ele sorria com aquele sorrisinho malandro que ele tem e repetia a lengalenga musicada, divertido: "I like to move it, move it!"... Ao deitar, já o pequenote Sebastião tentava repetir as palavras desconhecidas, mas novamente a minha curiosidade não foi satisfeita ("Conta lá, Afonso... Foi a tua professora da escola que te cantou? Algum colega?" - Nada. Não me respondeu). Tive que improvisar para conseguir puxar por ele. Trepei para cima da cama dele e dancei o "I like the move it, move it" como o dancei muitas vezes, há alguns anos (para não dizer muitos). Quebrei o corpo todo num break Dance improvisado e quando tornei a olhar para os meus filhos eles estavam especados, sentados no sofá das histórias a olhar para mim com ar incrédulo. "Afinal também conheces a música, mamã..." - disse o Afonso, ainda boquiaberto. Poupei-os às minhas histórias. Havia tanto por dizer sobre o "I like to move it, move it". Mas inverti o jogo e agora era o Afonso a querer saber onde eu tinha aprendido a música, e quando. Em troca, contou-me que tinha sido o amigo Francisco, lá da escola, que tinha passado o dia a cantar aquela música. E a saga terminou com os três a dançar o "I like to movie it, move it" em cima da cama do Afonso que, qualquer dia, à custa de tanta improvisação, ainda vem abaixo...

Frase da semana do Afonso: "Ó mãe, tu e o pai não vão obrigar-me a ir à tropa, pois não? É que eu só quero ir se os meus amigos também forem..."
Há determinadas características nossas que desejamos que os nossos filhos não herdem. Sejam elas doenças, características físicas que não gostamos em nós, ou defeitos. Mas hoje apercebi-me que o meu filho Afonso herdou de mim os pesadelos. Quem me conhece sabe como são mirabolantes as minhas noites, entre guerras, monstros, mortos e feridos. E hoje o meu filho Afonso, com apenas quatro anos, contou-me que as suas noites não são muito diferentes das minhas:
- Porque é que, quando eu fecho os olhos, sonho sempre com coisas más, mamã?
Comecei por lhe dizer para tentar contrariar os sonhos maus, e pensar em coisas boas antes de fechar os olhos.
- Mas eu faço isso, mamã. Penso no arco-íris e tenho pesadelos na mesma.
Acabei por confessar-lhe que comigo acontecia a mesma coisa. Mas que isso significava que tínhamos uma grande imaginação.
- E a minha "imanigação" não pode pensar em coisas boas?
Acabei por ter que usar o consolo que uso para mim mesma, e explicar-lhe que a grande vantagem de sonharmos com coisas más, é que abrimos os olhos e percebemos que aquilo que vivemos é muito bom.
- E não podemos ficar sempre com os olhos abertos?
Não. Claro que não. Támbém já o desejei muitas vezes. Mas a noite vem e os olhos pesam. E os sonhos aparecem. Felizmente que o dia tem muito mais horas do que a noite e nele, com chuva ou sem ela, os dias são quase sempre tão bonitos como o arco-íris!
Depois da minha alcunha de sempre "Biga", e de ser chamada de "Tia Pompom" pela minha sobrinhita emprestada Mi, chegou a vez do meu filho Sebastião me arranjar um nome alternativo:
- Sebastião, sabes o nome da mamã?
- Sim, sei. Mamã Rodrigues Lagarta Fugida...
O meu filho Afonso anda perito em perguntas difíceis:

- Mamã, é verdade que quando as pessoas estão muito, muito apaixonadas, nascem bebés?

- Mamã, é verdade que eu saí pelo teu pipi?

. Mamã, tu deitas sangue do pipi?

- Mamã, é verdade que quando eu for crescido tu já morreste?
- Mamãaaaaaaa! (Afonso a chamar-me do seu quarto, já depois de o ter deitado) Tens que vir cá. Tenho um problema.
Lá fui até ao quarto, a olhar para as dez da noite que batiam no meu relógio, pronta para mais uma desanda ao meu filho mais velho que teimava em não adormecer.
- O que é que foi agora, Afonso?
- É que eu às vezes penso nas coisas e acho que elas existem.
- Que coisas, Afonso?
- Coisas feias, como monstros...
Debrucei-me a ele com um sorriso rasgado.
- Sabes o que é que isso quer dizer? Que tens muita imaginação e podes escrever histórias, como a mamã.
- Mas eu ainda não sei escrever...
- A mamã vai ensinar-te. Agora dorme.
Apaguei pela quinta vez a luz do quarto.
- Mamãaaaaa...
- Diz, Afonso.
- Se calhar em vez de bombeiro, quero ser escritor...
E pronto. O Afonso esta noite já não vai sonhar com monstros... e a mãe também vai dormir muito feliz (e babada!)
Se há frase que assusta os pais de filhos em idades inferiores a seis anos (antes dos “Tive nega”, “Dei o meu primeiro beijo”, “Quero uma mota” ou “Iniciei a minha vida sexual”, já para não ir para coisas mais “graves”) é a do “estás a abrir um precedente”... Cada vez que o meu marido, familiares ou amigos me dizem “estás a abrir um precedente”, é sinal que já fiz asneira, que já cedi quando não devia ter cedido e agora vou ter que sofrer as consequências. Se deixo um dia o meu filho mais novo viajar na cadeira do irmão mais velho, abri um precedente e já sei que na semana seguinte ele vai fazer birras diárias para continuar a viajar na “cadeira proibida”. Se meto um dia a sopa na boca do filho mais velho, vou demorar uma semana a convencê-lo a pegar na colher para comer a sopa sozinho. Se deixo o meu filho mais novo dormir com duas chupetas, vai acordar-me, durante dias, vezes sem conta a meio da noite para me requisitar a segunda. E por aí foa... Tudo tem precedentes, como aqueles cadeirões da Faculdade que tinham nomes horríveis seguidos de I e II e III. Sendo que, na Faculdade, tinha que se fazer o I para se seguir para o II e para o III. Na faculdade dos pais, se cedemos a fazer a cadeira/asneira I, já sabemos que temos que levar com as restantes. Felizmente que, na faculdade dos pais, as cadeiras/consequências não duram semestres. Podem durar apenas dias se os pais se esforçarem e se mostrarem firmes a enfrentar as teimosias dos filhos.
Tudo isto para contar que, há dois dias, abri um precedente (uhhh...). O meu filho mais novo saltou da cama, saiu do seu quarto, e foi enfiar-se na cama do irmão mais velho, que fica no quarto ao lado. Chamaram-me os dois, a rir, muito divertidos, e quando lá cheguei o Afonso (que é o mais velho, para quem ainda não sabe) perguntou: “O Sebastião quer dormir comigo. Pode?”. E – confesso – não resisti. Vi aqueles quatro olhinhos a olharem para mim na penumbra, suplicantes, as mãozinhas dadas, e (pronto!) lá abri o maldito precendente: “Querem muito?”. Não queriam eles outra coisa. O Sebastião (mais novo) aninhou-se logo no irmão, mas o Afonso, porque é mais velho e já vai sabendo que os pais tentam não abrir precedentes deste género, ainda não estava bem a acreditar que aquilo fosse a minha palavra final. “Podemos mesmo?”. A palavra “precedente” começou logo a martelar-me na cabeça, mas a imagem dos meus dois filhinhos de mãos dadas, muito amigos e mais unidos do que nunca, satisfeitíssimos por dormirem pela primeira vez na mesma cama foi mais forte do que qualquer coisa. Ainda me armei em “mãe” e soltei um “Mas se ouvir um pio que seja, levo logo o Sebastião para o quarto dele!”. Mas qual quê! Nem piaram. Desci as escadas com o “precedente” a martelar-me a consciência, e o pai dos dois reizinhos lá soltou a frase penalizadora em voz alta: “Olha que estás a abrir um precedente...”. E o precedente lá estava. No dia seguinte, ainda não tinha acabado de descer as escadas, depois da história, lá ouvi os “tique-tique” dos pezinhos do Sebastião a escaparem-se para a cama do mano. Hoje foi o terceiro dia, ralhei, disse que era só para ocasiões especais, mas ainda vai demorar mais 2 ou 3 dias até voltar tudo ao normal...
Se há algo de que as crianças beneficiam com o facto de terem irmãos, é que aprendem rapidamente a argumentar. Não sei se Platão ou Aristóteles eram filhos únicos, mas se tinham irmãos, certamente que lhes davam facilmente a volta. Ou se calhar a sua sofística foi apurada exactamente porque eram um entre outros irmãos, e tiveram que conquistar o seu espaço não só argumentando com os pais, mas também com aqueles que queriam patilhar os seus brinquedos, brincadeiras e atenções.
Desde que o Sebastião (irmão mais novo) se tornou gente e começou a ter voz para reivindicar o seu espaço, que insisto com o Afonso (irmão mais velho) para não resolver as suas divergências com o irmão à pancada. É verdade que os irmãos mais velhos têm sempre vantagem sobre os mais novos, pelo menos enquanto mais idade é sinónimo de mais força ou mais esperteza (depois a balança equilibra-se e os mais novos, se mais fortes ou mais espertezos, costumam até vingar-se desse período de desequilíbrio forçado). O Afonso é mais alto que o irmão, mais ágil, tem mais força e corre mais depressa. Se quer um brinquedo que o Sebastião tem na mão rapidamente lho tira e desaparece com ele. Se o Sebastião tenta tirar-lhe alguma coisa, bate-lhe e recupera à força o que acha que lhe pertence. Isto, claro, quando eu não estou presente (ou quando estou mas eles acham que não estou a reparar neles. Mas os pais têm sempre um olho escondido para ver os disparates dos filhos...). Quando estou, insisto para que todos os assuntos de posse ou decisões de brincadeiras sejam decididas... argumentando. “Se é isso que queres, Afonso, convence o teu irmão”. E ele lá tece argumentações infindáveis, a que normalmente o irmão acaba por ceder por exaustão. Se não cede, é só eu virar as costas e lá volta o Afonso ao sistema do costume, que acaba sempre com o Sebastião a chorar. Mas pronto... Platão com 4 anos também deve ter dado uns calduços nos mais novos até perceber que podia ganhar mais com as palavras...
Quando acordam, os meus filhos costumam ir ter comigo à cama, e antes de me arrancarem nela, aninham-se um pouco ao meu lado a contarem os sonhos que tiveram durante a noite. O pai já se levantou há muito, mas deixou a caminha quente para os miminhos matinais que troco com os meus dois piolhos. E os sonhos de hoje foram assim:

Afonso:
Estava a sonhar que tinha feito uma ovelha de corda. Mas a corda era amarela, então a minha professora apareceu e disse-me para pôr papel higiénico para a minha ovelha ficar branca...

(Até hoje, o Sebastião limitava-se a ouvir as histórias do irmão e a responder um redondo "Não" quando lhe perguntava se ele também tinha sonhado. Mas como cada vez mais não quer ficar atrás do mano, hoje também resolveu contar o seu sonho. Se o sonhou de facto, ou não, só ele o saberá...")

Sebastião:
Sonhei... com... borboleta. Depois apareceu o Panda. E comeu-a...
O tempo voa, não me tem sobrado tempo para nada, mas as frases dignas de registo são diárias e, pelo menos essas, não posso deixá-las escapar pelo ar:

Afonso, o sonhador
- Mãe, não consigo adormecer...
- Pensa em coisas boas, Afonso.
- Mas se eu pensar em coisas boas... vou voar! (para quem não se lembra... Peter Pan!)

Sebastião, o sádico
(trouxe a filha de uma amiga para minha casa, enquanto a mãe ia às compras)
Sebastião: Madalena... a tua mamã... fugiu!
(Madalena quase a chorar. Sebastião a rir)
Sebastião: Madalena... fugiu, fugiu!
(Madalena a chorar)
Eu: Não fugiu nada, Sebastião! Só foi às compras mas já volta.
Sebastião: Não volta, não... Ih, ih, ih!
(faz raccord com Sebastião a apertar passarinho caído do ninho até ele sufocar, enquanto Afonso gritava: "Estão-lhe a sair os olhinhos! Estão-lhe a sair os olhinhos!")
Afonso acabado de acordar:

- Ó mãe, quando eu estava na tua barriga pensei que não gostava que chovesse. Mas depois tu bebias água e chovia-me em cima...
Não sei se foi da semana em casa do avô engenheiro , mas o meu filho Afonso anda com tiradas de engenhocas:
"- Ó mãe, podes pôr a Disney?
- Não dá, filho. Só na televisão da sala.
- E a Disney não pode passar da outra televisão para esta?
- Passar como?
- Pela parede.
- Pela parede? Como?
- Então, mãe... pela electricidade..."

Ou será que, aos 4 anos, o meu filho já tem aulas de físico-química no infantário?
- Mãe, hoje perdi no jogo das Cadeiras mas disse à Carla que o importante não era ganhar nem perder. Era ter amigos...
Fiquei toda orgulhosa do meu filho Afonso. Afinal as lições de moral que lhe impinjo todas as noites, na sequência das histórias que lhe leio e que, às vezes, de moralistas não têm nada, servem para alguma coisa. O pai passou a tempo de ver o meu orgulho e proferiu um "quem é que te disse isso, Afonso? Claro que o importante é ganhar! Tens sempre de tentar ganhar!". Lá fui atrás dele discutir as miudezas da educação dos nossos filhos e fiquei a perguntar-me se a minha tentativa para os ensinar a serem boas pessoas é compatível com a selva em que vivemos todos os dias, em que é importante, de facto, fazer tudo para ganhar. Não digo que tenha que os ensinar a passarem por cima de tudo e de todos para o conseguirem (nem era isso que o pai queria dizer), mas às vezes também me pergunto se a minha lógica de "às vezes deixa o teu amigo ganhar, assim ele fica feliz, e como o fizeste feliz também ficas feliz" seja a mais prudente. Será que também tenho que os ensinar a serem sobreviventes?