Os meus filhos não gostam da sopa da Mila. A Mila é a senhora ucrianiana que neste momento é o meu braço direito, e o esquerdo, e o pé direito e o pé esquerdo, pelo menos. Cheia de boa-vontade, aventurou-se a fazer sopa à portuguesa, mas o Afonso e o Sebastião descobrem sempre nela um travo a ucraniano. Como não tenho tempo nem paciência para passar a ser eu a fazer a sopa, nem sequer para estar a inspeccionar a sua confecção, optei por pensar em formas de pôr os meus filhos a comê-la sem refilar.
Fórmula número 1: jogo da careta - ver quem faz a careta mais feia depois de comer cada colherada de sopa
Fórmula número 2: jogo dos nomes - dar nomes às colheres. Colher do Ó, Colher Afonso, Colher Sebastião 4 B, etc, etc.
Fórmula número 3: jogo das palavras mágicas - a boca só se abre para receber cada colherada se forem ditas palavras mágicas a rimar com o número. Colher número um - Abracabrum. Colher número dois - Milhararipois, etc.
...
Isto terá de ser infinito, porque com as crianças as fórmulas são sempre descartáveis. Funcionam uma única vez e nenhuma vez mais. Mas enfim... há aspectos positivos: obriga as mães a puxarem pela sua criatividade.

(Resta dizer que a fórmula do pai é um bocadinho mais simples. Diz "Comam a sopa" e eles comem. Porque será?)
Afonso no seu melhor:

- Ó mãe... sabes que lá na escola ninguém pode fazer xixi numa sanita que lá está. Quem fizer fica gay...
(respiro fundo. Mais cedo ou mais tarde teria de explicar a homossexualidade aos meus filhos. Tinha chegado o momento)
- Tu sabes o que é ser gay, Afonso?
- Não... mas estive a pensar e acho que deve ter a ver com Gay(me) Over...

Ri-me tanto que já não lhe consegui explicar coisa nenhuma...
Costumo dizer que o Afonso é o filósofo dos meus filhos, mas o Sebastião volta e meia também se sai com umas que parecem duas ou três:

- Ó mãe, se as pessoas não tiverem água, elas morrem?
- Sim, filho.
- Ó mãe, se as pessoas não tiverem comida, elas morrem?
- Sim, filho.
(pausa)
- Ó mãe, se as pessoas não tiverem nada, elas ficam tristes?
- Nada... nada de quê, filho?
- Nada de nada.
- Sim, filho, ficam tristes.
- Pois é... não morrem mas ficam tristes.
- Então ainda bem que nós temos tudo, Sebastião. Tudo de tudo.
- Pois é... ufa!

(sorriso na cara e mais um bocadinho de pão com queijo)
Hoje, depois de mais uma guerra diária para meter tudo na cama por volta das 21h, comigo já a arrancar cabelos, o Afonso lamuriou-se como um verdadeiro "Calimero":
- Não é justo! Porque é que és sempre tu a mandar? Nunca posso ser eu... Não é justo.
Respirei fundo e resolvi inverter as regras do jogo, para não terminar a noite zangada com ele:
- Muito bem. Então agora mandas tu. O que é que queres que eu faça?
- A sério, mamã? - os olhos dele até brilhavam.
- Mas rápido antes que a mãe se arrependa...
- Quero que... me deixes dar-te um beijinho.
Aproximei a cara e recebi um beijo delicioso.
- E mais, Afonso?
- Quero que... que... que...
Não lhe saía nada.
- Então, filho?
- Quero que... nunca mais me deixes mandar em ti...

Abraço e uma noite feliz. Rápido e sem mais lamúrias. Amanhã terei de inventar outra estratégia semelhança...
Hoje, no caminho de regresso a casa, contei a seguinte história aos meus filhos:

Era uma vez um ovo de gaivota que rolou para uma capoeira de galinhas. E assim que ela nasceu, olhou à sua volta e só viu galinhas. Ela, achando que era uma delas, cresceu a imitá-las, mas sempre se sentiu diferente e algo desajeitada. Certo dia, a gaivota olhou para o céu e viu gaivotas a voar. Ficou tão maravilhada que perguntou a outra galinha o que era aquilo. A galinha respondeu-lhe que era uma gaivota. A gaivota ficou fascinada com o que vira e insistiu com a galinha. Perguntou-lhe porque é que elas não voavam ou planavam como as gaivotas. A galinha respondeu-lhe que o lugar delas era na capoeira, a comer milho, e explicou-lhe a diferença entre as galinhas e as gaivotas. A gaivota ficou triste porque, afinal, ela preferia ser como aquela gaivota que voava, sem saber que ela também era uma delas.

(“Canja de Galinha para a Alma”)

- E então, meninos? O que é que vocês acham? Que são galinhas ou são gaivotas?

(resposta do Sebastião):

– Eu acho que sou um menino.

(Dah! A mãe faz sempre perguntas tão idiotas!)

- E tu, Afonso?

- Eu acho que TU és uma gaivota.

(silêncio da mãe)

- Porquê, Afonso?

- Se me estás a contar essa história, é porque queres ser uma gaivota. Queres deitar-nos na cama e sair pela janela a voar…

(novo silÊncio da mãe)

- Se calhar eu até já voo, Afonso. Sabes que há muitas maneiras de voar...

- Então por isso é que andas tão cansada. Pões-te a voar e não dormes…

A conversa ficou por ali, mas levou-me a perguntar-me a mim mesma se os filhos não precisarão mais de uma mãe galinha do que uma mãe gaivota. Não cheguei a perguntá-lo ao Afonso, mas depois imaginei a resposta dele e sosseguei:

- Afonso, os filhos precisam mais de uma mãe galinha ou de uma mãe gaivota?

- Depende, mãe.

- Depende do quê?

- De o filho ser um pinto ou uma gaivota-bebé...