E quando a mãe se distrai com o trabalho, e os filhos resolvem armadilhar a sala toda com a fita de uma cassete audio que por acaso a mãe precisava?
E quando a mãe se distrai a pôr a loiça na máquina e os filhos resolvem jogar ao berlinde com as bolinhas de cocó do gato bebé que o pai arranjou cá para casa?
E quando, na sequência de uma leitura inusitada de um livro de Natal, os meus filhos resolvem ir buscar Smarties vermelhos, misturá-los com água, e pintar a mesa da cozinha de vermelho-chocolate ("É Natal, mamã! É Natal")!
Como eu adoro os fins-de-semana... (Grrrrr)
Volta e meia levo o Sebastião para ir buscar o irmão à escola. Ele adora, o Afonso adora ("É o meu mano, é o meu mano!"), mas hoje quem adorou foram as amiguinhas do Afonso. Fizeram fila para darem beijinhos nas bochechas fofas do Sebastião, e como ele não reagia, rodearam-no e começaram a beijá-lo todas ao mesmo tempo. É o fetiche de muitos homens, mas para um menino de um ano com menos meio palmo do que a meninas que o assaltaram com beijos, pode ser um verdadeiro sufoco. Tentei ver se ele reagia, antes de me impôr como mãe galinha e afastar as franganitas que ainda por cima o deixaram cheio de baba e ranho, capaz de entrar na banheira de seguida. Mas nada! Deixou-se beijar como um mártir resignado, sob o olhar atento do Afonso e do primo Zé Maria, que estavam num misto de nojo e ciúmes. Porque é que as mulheres têm esta tendência para serem pegajosas?
O meu filho Afonso, que agora anda obcecado pela morte (os paizinhos que morreram e deixaram os filhinhos... os filhinhos que morreram e os pais ainda não foram avisados... malditos filmes da Disney!), hoje disse-me no banho que a pilinha dele estava velha e por isso ia morrer... Como é que se explica a uma criança de 3 anos que nem sempre as peles enrugadas e murchas são sinal de velhice, e que nem tudo o que é velho está à beira da morte? No outro dia fomos a casa da bisavó dele e ele reparou pela primeira vez nas rugas dela e nos cabelos brancos e perguntou-lhe, sem pudor: "Tu estás velhinha, não estás?". Puxei-o para fora dali a tempo da fatal pergunta: "Então vais morrer, não é?". Todos vamos morrer, e, ao contrário das indicações do psicólogo Eduardo Sá, a quem muito prezo mas com quem nem sempre concordo, digo claramente ao Afonso que todos um dia havemos de morrer. Mas que, se tudo correr bem, isso só acontecerá quando formos muito velhinhos. Nunca esperei é que ele passasse a olhar para os velhinhos como cadáveres em potência, à beira do fim que a mãe lhe anunciou como fatalidade inevitável. Para dar um bocadinho mais de "eternidade" à minha formulação, disse-lhe há tempos, quando perdemos o nosso padrinho Xico, que as pessoas que morriam se transformavam em estrelinhas. Mas o cepticismo dele só o deixou acreditar nisso até perceber que, logisticamente, a coisa não funcionava. Foi quando começou com perguntas do género: "Mas como é que falamos com as estrelinhas?", "Não dá para as puxarmos cá para baixo?", "Puxa o padrinho Xico, mamã, que o Sebastião está com saudades...". E rematou com um: "Mamã, porque é que hoje não dá para ver as estrelas?". Porque há nuvens, seria a resposta normal. Mas nuvens que tapem as pessoas que gostamos é algo um bocadinho mais difícil de explicar...
Na sua esperteza de dezoito meses, o Sebastião já aprendeu que, com meia dúzia de palavras, consegue sempre fazer boa figura. "Patata", por exemplo, dá para "Batata" (o tubérculo e o cão dos primos) e "Pirata" (o nosso cão). Trocando a terminação, ainda dá para"Sapato". "Bóia" dá para "bóia", "'Bora" e "Bola". "Bicccho" dá para "Bicho" e "Pschiuuu". Soa tudo ao menos, mas apontando para aqui e para ali, lá se vai explicando e lá o vamos entendendo.
Ao Afonso, esse, já não lhe chega o português, e agora anda com a mania de querer falar inglês. As cores até já sabe, mas tudo o resto inventa: "Ó mãe, sabes como é que se diz "livros" em inglês? É "livrsss". E árvores, mãe? É "slkjhvgçleffvldfj"... Felizmente que a mãe percebe qualquer coisinha do idioma e não se fia no professor...