Em vésperas de ter 12 adultos em casa e 11 crianças, resolvi deixar despachada a feijoada e o cabeleireiro. Mas agora a feijoada levantou o problema de esconder a loiça na máquina de lavar sem que os gémeos partam nada (ter um de cada lado a querer entrar na máquina não ajuda), e o cabelo levanta o problema de conseguir manter-me penteada até amanhã à noite. Já usei o truque dos ganchos para manter o efeito, mas o piorzinho mesmo são as mãos sujas de cérelac e os miolos de bolacha. Comecei por tentar fugir deles com esticanços de pescoço, mas resolvi recorrer agora a outra técnica poderosa: a touca do banho na cabeça. Claro que esta técnica só resulta se enfiar toucas também nos gémeos, senão eles vão passar o tempo a tentar roubara minha e lá se vai o penteado. Tudo isto ficaria na banalidade (mãe louca fechada em casa com os filhos com calças de fato de treino embodegadas e touca plástica na cabeça) se o guarda-nocturno não tivesse batido à porta a pedir o pagamento mensal e eu não tivesse aberto a porta nessa linda figurinha. Enfim... com os filhos a fazer raccord, pode ser que o senhor ainda pense que é a nova moda do pedaço: moletão embolachado e touca na cabeça. Vai ser o sucesso da próxima estação...
Boas entradas para todos!
Quando se é pai vive-se, através dos filhos, a magia do Natal. E sobrevive-se às birras de sono, às constipações da época, às dores de barriga motivadas pelo excesso de chocolate e às disputas de brinquedos entre primos e irmãos. É uma alegria imensa. E uma tremenda canseira... Talvez por isso os telefonemas pós-Natal que fiz para algumas amigas com filhos começaram todos da mesma maneira: "então? Sobreviveste ao Natal?". Todas sobreviveram. Mas todas estavam KO, a precisar de férias das férias. E a saga ainda não terminou. Segue-se uma semana sem aulas, com quilos de brinquedo espalhados pela casa, restos de ranho colados à roupa, refeições em barda (para darmos valor ao que pagamos à escola de alimentação) e gritos estridentes por detrás dos telefonemas de trabalho que não puderam ser adiados para 2011.
O Duarte hoje chorou entre a 1 e as 4 da manhã. A Leonor, mal-habituada nos 2 últimos dias, não quer sair do meu colo e volta e meia deita a mão ao teclado para chamar a atenção. O Sebastião ainda não parou de vomitar. E o Afonso já fugiu 100 vezes à cadeira onde está sentado a fazer os trabalhos de férias. Estou de pijama, sem saber quando conseguirei fugir para a casa de banho, e o caos está instalado à minha volta, entre peças de LEgos, pistas de Hotwheels, Beyblades, loiças de plástico, ferramentas de brincar, canetas Carioca e meias (muitas meias!) oferecidas pelas primas. Adoro o Natal, mas ainda bem que ele não é sempre que o homem quiser... é uma vez por ano e basta!
(Afonso) Ó mãe, ó mãe! A nossa missão falhou! O Sebastião já não acredita no Pai Natal!

Acorri à cozinha, onde o Afonso ainda mastigava a comida que acumulara nas bochechas. Ele deixara de acreditar no Pai Natal há uns meses, mas tinha como missão não deixar que o Sebastião parasse de acreditar.

(Mãe) Então, Sebastião? Não acreditas no Pai Natal?
E ele disse que não com a cabeça, e aquele ar maroto que ele tem.
(Mãe) Mas porquê?
(Sebastião) Porque o Pai Natal apareceu lá na escola, e era a Guida (auxiliar da escola). Eu vi logo, porque ela não tinha sapatos de Pai Natal. A Eduarda ainda disse que a Guida tinha ido ao hospital, mas eu vi que era ela...

Hesitei em tentar protelar a mentira, e dizer-lhe que a Guida só se tinha feito passar por Pai Natal porque o Pai Natal adoecera, mas tendo o Sebastião já 5 anos, idade em que eu própria deixei de acreditar no Pai Natal, preferi não forçar a aldrabice. Tentei só perceber até que ponto a verdade se tinha instalado...

(Mãe) Então mas todos os anos aparecem presentes na nossa lareira, Sebastião... Se não é o Pai Natal, quem é que tu achas que põe lá os presentes?
(Sebastião) Se calhar é a Guida...

Mesmo sem sapatos, a Guida ganhou um estatuto especial. Talvez para o Sebastião não tenha uma rena voadora, mas continua a entrar-me pela chaminé adentro...
Corro o risco de generalizar, quando a minha situação é meramente particular, mas hoje dei por mim a pensar que ter filhos é mais próximo de ter cães, e ter filhas é mais próximo de ter gatos.
Os cães são meigos mas estouvados, batem em tudo, roem tudo, correm aos trambolhões e batem com a cauda em todo o lado. Mas depois são os melhores amigos do homem. Qualquer coisa os põe com a cauda a dar a dar, e correm para nós quando chegamos a casa. São assim os meus meninos cá em casa. Irrequietos. Loucos. Desengonçados. Mas uma ternura. E uma dependência de nós e de carinho que é impossível resistir-lhes.
Os gatos adoram festas mas são felinos, independentes, têm personalidade e, se for preciso, afiam a garra. Aparecem à hora da comida, sabem onde fazer xixi e como tirar o peixe do aquário sem o partir. São espertos. Muito espertos. E não dão ponto sem nó. Irresistíveis por isso mesmo. Porque têm vida própria, fora de nós e sem nós, e damos por nós maravilhados a olhá-los. É assim a menina cá de casa. Independente. Felina. Espertalhona. Irresistível.
Tenho três cães e uma gata cá em casa. E aposto que é ela que vai mandar neles todos...
Enquanto preparava o meu pequeno-almoço, o Pai tentava pela enésima vez convencer o meu filho mais velho das suas mais loucas façanhas. Como ainda não estava à mesa para o meu filho me olhar nos olhos e perceber que o Pai estava a mentir, ele esticou-se um bocadinho mais do que habitual...

- Sabes que o pai, antes de conhecer a mãe, era espião. Lembras-te da Casa Laranja, aquela empresa que o pai teve? Era uma empresa de espiões.
(Afonso olha para a mãe, que vira costas para esconder os olhos que só sabem dizer a verdade... e se rir sozinha)
- Escusas de olhar para a mãe, Afonso. A mãe também não sabe de nada. Eu nunca lhe contei, porque se tivesse contado tinha que a matar depois... Mas isso ainda foi antes da guerra...
- O quê? Também estiveste na guerra, papi?
- Claro! Em várias. No Azerbeijão, na Rússia, no Iraque... Tinhas de ver o pai a saltar dos helicópteros.
- O quê? Tu voas?
- Claro que não, Afonso. Ninguém voa. O pai saltava de pára-quedas. Mas por acaso estás a fazer-me lembrar de uns homens que eu conheci na selva, e que saltavam de árvore em árvore. Eles quase que voavam...

O Afonso vai arregalando os olhos, enquanto as bochechas se enchem de pão e ele fica tipo hamster. Mas lá no fundo, no fundo, ele sabe que o Pai, de mais extraordinário, tem a sua grande criatividade (ok, e um parafusinho a menos de vez em quando...)
Perdi a aposta! Contra todos os meus receios, o torneio de Beyblades dos mais velhos e as cabeçadas voluntárias do Dudu a tudo o que mexe não deitaram a árvore de Natal abaixo. Só a minha Nhô, que eu achei que se ia comportar à altura, tira da árvore as renas para passeá-las no carrinho do Nenuco, e hoje fui chamada em pleno banho para vir conter a desgraça:
- Sara, desce rápido! A Leonor está a comer a árvore de Natal!
Quem me manda enfeitá-la com bolachas de plástico...
(Conversa com o meu filho Sebastião, de 5 anos)

- Ó mãe, as pessoas que estão vivas podem dar vida às outras pessoas?
- Como assim, filhote? Dar vida?
- Tu tens vida, não é, mãe? Podes dar vida a outra pessoa?
- A uma pessoa que já morreu, é isso?
- Sim. Ou então a outra pessoa que está viva. Se tu desses vida à Mila, por exemplo, ela nunca ficava velhota...
- Hum... Acho que isso não é possível, filho. Pelo menos por enquanto.
- Ohhhh...

E eu que costumava dizer que este era o menos místico dos meus filhos...
Enquanto os gémeos dormiam, montámos a árvore de Natal...
Os gémeos estão quase, quase a acordar e as apostas já começaram cá em casa: durará a árvore até ao final da semana? Até ao fim do dia? Não durará uma hora? (eu apostei nesta!)
(Afonso) Ó mãe... se fosse eu a fazer a Kidzania, ela tinha um labirinto no ar... e naves espaciais, para quem queria ser astronauta. Cá em baixo tinha uma floresta, para os exploradores. E animais selvagens...
(Pausa. Mãe continua a cortar-lhe as unhas. São 80 ao todo. Não se pode perder tempo em conversas)
(Afonso) Ó mãe... porque é que as coisas nunca são tão boas como na minha imaginação?

Aperto no coração, que me paralisou a mãe e por pouco não lhe trespassava um dedo. Com tanta coisa para herdar de mim, o raio do miúdo logo tinha que herdar a frustração de nunca conseguir que a realidade supere a sua ficção... (bem... também herdou as unhas dos pés...)
O Tico e o Teco tiveram 4 filhotes: o Ticotico, o Tecotecto, o Tocotoco e o Tucutuco. O Ticotico tirou um bico a um passarico, o Tecototeco escondeu um boneco num beco, o Tocotoco levou com um coco, ficou louco. E o Tucutuco comeu um cuco, ficou maluco.
E o Tico, com tanto mexerico, fez xixi no penico. E o Teco, com um caneco, ficou marreco.

(É mais ou menos assim que o meu cérebro fica depois de um longo fim-de-semana sem empregada...)
O meu Afonso teve o seu primeiro 0 no ditado! Pode parecer uma coisa menor, um feito sem grande importância, mas para quem andava há semanas com 1, 2 erros, e não passava daquilo, isto foi um feito e tanto! O meu filho nem é daqueles que se preocupe por aí além com as notas. Como ele diz "não te preocupes, mami. Eu não sou o melhor, mas sou o melhor dos médios". Mas aquela coisa de ter sempre 1 ou 2 erros, e nunca conseguir um ditado limpinho, já me andava cá a chatear. Por isso resolvi pegar na folha do texto que ia ser ditado (e que percebi entretanto que era o texto do TPC da véspera) e pus-me a ver com ele aquelas palavras que eu sabia que ele podia errar. Escovar é com "o" porque vem de "Escova". "Esburacar" é com "u" porque vem de "buraco". Dizemos "muinto", mas o gato comeu o "n". E por aí fora... Andei de roda do meu filho uma série de tempo, entre as garfadas de comida e o escovar dos dentes. E, no dia seguinte, o 0 apareceu. Assim que cheguei à escola o Afonso veio a correr ter comigo, com os olhinhos a brilhar:
- Quando a professora pegou nos testes e começou a ler os nomes, o meu coração começou a bater tão forte... Tum-tum-tum! E tive zero, mami! Zero! Ainda bem que me deste aquelas dicas. Obrigado.
E tive de ter cuidado para não molhar o ditado de baba, quando escrevi: "Tomei conhecimento. Ass: Mãe"
(Afonso) Ó mãe, o meu professor de Catequese diz para eu fazer uma coroa e acender uma vela aos poetas.
(Mãe) Quais poetas, Afonso?
(Afonso) Então, mami? Os poetas amigos de Jesus...

Eram os profetas. Mas na Bíblia do meu filho Afonso, tudo é possível...
Depois de aprender a puxar os cabelos à irmã gémea e a abocanhá-la nas pernas para conseguir ganhar a disputa por algum brinquedo, o meu Dudu aprendeu uma nova táctica infalível: aproxima-se da irmã, puxa a sua cabecinha linda atrás e PUMBAS! Cabeçada nela. Assisti à primeira vez e achei que lhe tinha escapado a cabeça. Um acto involuntário. À segunda achei que ele tinha achado graça à primeira e resolvera experimentar uma segunda. À terceira... à terceira levou uma palmada no rabo! E ainda se afastou a resmungar, balançando a cabecinha para a frente e para trás, como quem diz "Ora bolas! Então agora nem umas cabeçadas posso dar? Toma ar! Toma mosca!" E a Nhocas, com beicinho e ar de ofendida, veio aninhar-se no meu peito e tocou com o dedo na testa, a chamar maluco ao irmão. Ou muito me engano, ou estas são só as primeiras dores de cabeça que os irmãos lhe vão causar...
Os pais têm que estar preparados para tudo: murros e pontapés involuntários, baba, ranho, maus odores... e, claro, não podemos esquecer, o vomitado.
Ontem o Afonso levantou-se às 10 da noite e, do cimo das escadas, lançou golfadas de vomitado. Para as escadas, para a parede, para os quadros da parede... e para mim, que tentava alcançá-lo entre um vómito e outro. O cenário era indescritível. O cheiro nem se fala. Ser mãe é também isto: cheia de salpicos de vomitado, sorrir e dizer: "Pronto, meu querido. Já acabou..."
(Afonso sobre as meninas)
- Mãe... as meninas são tão irritantessssss!
- Não são nada, Afonso. Não digas isso. Porque é que são irritantes?
- Estão sempre a fazer grupinhos. Depois zangam-se umas com as outras, dizem que não são amigas, depois dizem mal umas das outras, depois choram, depois fazem queixinhas, depois estão sempre a falar das roupas e dos ganchos, depois dizem umas às outras que estão feias...
Ok. Fiquei sem argumentos. São irritantes, mesmo. (Somos?)
Filho mais velho doente em casa. Filho a seguir acabadinho de chegar da escola cheio de coisas para contar, com um pacote de leite de chocolate na mão que apanhara pelo caminho. Gémeos espalhados pela sala a fazer disparates. Toca o telefone. Hesitação. É de trabalho mas era importante atender. A mãe atende. Espera o melhor. Acontece o pior. Gémea menina apanha o livro de cheques da empresa. Mãe faz sinais aos filhos mais velhos para que eles ajudem. O telefonema continua. Mãe tapa o bocal e grita: "Tirem-lhe os cheques da mão!". O filho mais velho faz-se ainda de mais doente do que está. Filho do meio corre a ajudar. Puxa os cheques da mão da irmã com uma mão, enquanto a outra aperta involuntariamente o pacote de chocolate. O leite esguicha sobre o sofá e sobre as facturas da empresa que a mãe estava a organizar. A próxima empresa a receber um cheque vai recebê-lo amassado. As facturas vão para a contabilista com nódoas de leite com chocolate. O sofá... sem comentários. E o telefonema... "Desculpem... Teremos que falar noutra altura quando estiver tudo mais calmo". Talvez daqui a 20 anos.
Se eu escrevesse isto para uma série diriam: "Muito improvável... Só mesmo numa sitcom é que isto aconteceria..."
O meu filho Sebastião tem as orelhas saídas. Tem a cara mais fofa do mundo e os olhos mais meigos do universo, mas as orelhas desataram-lhe a saltar do rosto por volta dos 2 meses de idade, e nem as fita-colas que eu lhes pregava para dormir resolveram o assunto. Durante muito tempo usou cabelo à tigela, que eu lhe cortava meticulosamente para tapar as pendências, mas um dia o pai resolveu que ele ficava bem era com o cabelo rentinho à pente 3... e não é que ficava? Primeiro estranhei as orelhas. Depois entranhei. E agora adoro as suas orelhinhas a dar a dar, que só dão vontade de trincar. No outro dia o dr. Póvoas, amigo da família, disse-nos que com uma pequena cirurgia se corrigiam quaisquer orelhas mais saídas. E hoje, a passar as mãos pela alcatifa fofinha que o Sebastião tem na cabeça, enquanto ele lavava os dentes, resolvi apertar-lhe as orelhas, para ver como ele ficava. Ui! Que esquisito! E o seu arzinho de boneco de peluche? Esqueci as experiências e deixei-lhe as orelhas fugirem para o lugar que lhes pertence. Talvez um dia o Sebastião queira ter umas orelhas coladinhas à cabeça. Mas por agora, o Titão da mãe é lindo com as suas orelhas bem abertas, para ouvir muito bem tudo aquilo que a mãe lhe diz...
COISAS DE AFONSO (7 anos)

- Ó mãe, eu sou vosso filho da parte da mãe ou da parte do pai?
- Hãaa?
- Acho que sou da parte da mãe... e o Sebastião da parte do pai. Porque eu sou magrinho como tu e o Sebastião é gordinho como o pai.
- Ó, Afonso... Nem tu nem o teu irmão são da parte de nenhum dos dois... vocês são os dois do pai e da mãe. São da parte dos dois.
- Mas antes de vocês se conhecerem, eu era da parte de quem?
- Ó Afonso... antes de o pai e a mãe se conhecerem, tu ainda não eras nascido.
- Ah, pois é... Dah! Mas mesmo assim eu acho que sou mais da tua parte...


- Ó mami, há filhos que dizem às mães que elas são as melhores do mundo, mas elas não são.
- E o que é que tu achas da mãe, Afonso?
- Eu também digo que tu és a melhor do mundo. Mas acho que és mesmo...

Quanto vale um filho destes?
(MÃE TANSA)
O Sebastião chegou a casa com um lindo desenho, feito em massa. Tinha uma cabeça com dois olhos enormes e um nariz, e quatro fios de massa a sair dela.
- Olha, mãe, é para ti.
- Que lindo polvo, Sebastião! Sabes que a mãe gosta muito de polvos? Quando a mãe casou com o pai, comprámos polvos em vários materiais, fazíamos colecção... E o teu é o mais lindo de todos!
- Ó mãe, mas isto não é um polvo... Isto és tu!

(MÃE BABADA)
O Sebastião desenhou uma menina com dois corações, um no peito e outro em cima da cabeça.
- Porque é que tem dois corações, Sebastião?
- Um está aqui, a bater (apontou o peito). O outro está na cabeça dela, porque ela está a pensar no amor. Está apaixonada...
(Afonso, depois de uma aula de informática) Ó mami, tu com a minha idade já sabias fazer desenhos no computador?
(Mami a trabalhar... ao computador) Quando a mami tinha a tua idade, ainda nem existiam computadores, Afonso.
(Afonso surpreendido) Ai não? Então quem é que os inventou?
(Mami a precisar de trabalhar) Não sei, Afonso. Depois a mãe diz-te.
(Afonso, alguns minutos depois) Já sei, mami. De certeza que foi o avô.
(...)
(Afonso) Ó mami, tu já inventaste alguma coisa?
(Mami a precisar MESMO de trabalhar) Não, Afonso.
(Afonso) Eu acho que já inventei. Estás a ver o Bionicle? Não fui eu que inventei o Bionicle. Mas eu inventei que podia misturar as peças do Bionicle. Quer dizer... acho que inventei. Como é que eu sei que fui que inventei, mami? Se calhar já alguém inventou antes de mim e eu não sei...
(Mami desiste de trabalhar e vai ver na Wikipedia quem inventou o computador, e como funciona o mercado das patentes).
Ler o blog, no outro dia, fez-me constatar que o meu filho mais velho, com a idade do meu filho do meio (5 anos), já sabia as letras todas, já sabia juntá-las, e lia pequenas palavras. Aliás, começou a fazê-lo com 4 anos. O Sebastião ainda só conhece parte das letras, e ainda custa a identificá-las nos sons. É verdade que todos os filhos são diferentes, cada um tem o seu ritmo, e as suas aptidões, mas neste caso o que explica esta discrepância é uma só: o Afonso teve-me dias a fio a ensinar-lhe as letras, a fazer jogos com as sílabas, a procurar letras nos jornais... enquanto o irmão bebé dormia. O Sebastião tem-me ocupada com os TPCs do Afonso, e com as tropelias dos gémeos. O máximo que ouve, de vez em quando, é um: Mas tu ainda não sabes escrever o teu nome?! Toma lá uma folha e escreve as vezes que conseguires, enquanto a mãe vai ali e já volta...
Hoje resolvi redimir-me. Fui buscar os velhos cartões do Afonso, com letras, e estive uma boa hora a puxar por ele. Resultado: uma hora foi o suficiente para que ele ficasse a conhecer mais um punhado de letras, e já percebeu como identificar os sons. Talvez seja mesmo assim... os segundos filhos são menos estimulados pelos pais... mas no pouco tempo em que os têm para si, rentabilizam-nos melhor. É que não fazem a menor ideia quando será a próxima vez...
Os pais são os mesmos. Os irmãos são os mesmos. Os brinquedos são os mesmos. Os ensinamentos são os mesmos. E os ralhetes também. E, apesar de ser tudo o mesmo, na mesma dose e medida, os meus gémeos são tão diferentes! Quem os vê à primeira vista, os dois lourinhos, de olho azul, da mesma altura e quase o mesmo peso, não acredita em mim. Mas as evidências aparecem logo em seguida:
- O Duarte brinca às lutas e faz grunhidos que tentam imitar os dois irmãos. A Leonor senta a Kitty na sanita e diz-lhe "Cocó! Cocó!"
- O Duarte, por onde passa, deixa rasto de papéis e sujidade. A Leonor vai buscar o pano para limpar, e pega nos papéis e vai deitar ao lixo.
- O Duarte ri-se de tudo e de nada, sobretudo se for disparate. A Leonor só se ri quando ganha confiança. Primeiro estuda a pessoa e a situação a ver se pode confiar.
- O Duarte trepa a tudo, vai ser o mais ágil dos irmãos, mas se cai chora como um bebé pequenino. A Leonor é mais cautelosa. Quando cai levanta-se e dá tau-tau ao sítio onde bateu.
- O Duarte, quando quer uma coisa da irmã, pega nessa coisa e puxa o cabelo da irmã. A Leonor, quando quer uma coisa do irmão, guincha e aponta para o irmão. Se ele lhe faz mal, toca o dedo na sua testa a chamar-lhe tonto.

Pela primeira vez, estou a ter oportunidade de ver como crescem os meninos e as meninas. Como, a partir das mesmas coisas que lhes damos, desbravam caminhos traçados pelo género (e pela sua própria personalidade também, claro). Pela novidade, estou absolutamente deslumbrada com a esperteza feminina. Imagino-me a ir às compras com a minha filha, a escolher as roupas, os penteados, as depilações, os soutiens, os ciclos menstruais... Mas não consigo deixar de pensar também que as duas vamos chocar, vamos ver quem é mais esperta, vamos ver quem consegue dar mais a volta aos "nossos" homens, quem é mais teimosa e quem tem mais vezes razão. E nessa altura vão-me valer os meus "meninos da mamã", três matulões (fora o pai) para me vão amparar nas quedas, para me dar miminhos, para dizer que eu sou a mais bonita, a mulher da vida deles (o pai não conta porque vai estar do lado da sua menina)... Por isso é tão bom ter meninos e meninas. Para termos confronto e consolo. Acção e reacção. Tensão e atracção. E para percebermos finalmente as diferenças entre os nossos pais e as nossas diferentes ligações com eles. Para percebermos as diferenças entre nós e a nossa cara metade. E para aceitarmos essa tão natural e espontânea diferença, que já nasce connosco, e que sempre, desde sempre, tem posto o mundo a mexer!

PS - Famílias só de meninos ou só de meninas... aceito umas trocas de vez em quando.
Sempre que recebo um comentário no meu blog dou por mim a pensar que vale a pena andar a "perder tempo" a escrever estas coisas todas neste espaço. É bom partilhar. É bom ouvir os outros. É bom ir também espreitá-los e ver que não estamos sós nas nossas angústias, mas também nas nossas alegrias. E eu agora até já vou acreditando que há mesmo pessoas a ler o meu blog! (o meu cunhado, nos dois primeiros anos, criava personagens fictícias para comentar os meus posts. Um grande beijo para ele! Que continue a metamorfosear-se sempre que puder!) E também lá vou pensando: Um dia os meus filhos vão gostar de ler isto!
A verdade é que esse momento chegou mais cedo do que eu esperava. A professora do Sebastião pediu que escrevêssemos sobre as conquistas dos nossos filhos aos 1, 2, 3 e 4 anos, e eu nem sabia por onde começar. Reli posts e mais posts e mais posts! O problema foi escolher! As conquistas eram tantas! Os diálogos dele com o irmão deliciosos. E rabisquei as folhas todas que a professora tinha mandado, babada. Com o meu filho e comigo mesma: ainda bem que fiz este blog! Sou uma g'andessíssima de uma mãe!
E ler aos meus filhos o que escrevi foi ainda mais delicioso. O Sebastião ria com as bochechas encarnadas, e só dizia, agarrado à barriga: Conta outra vez essa anedota! Conta! E o Afonso foi buscar uma resma de folhas para eu fazer o mesmo para ele: Não é justo, mãe! Também tens que fazer para mim! Eu falo mais que o Sebastião!
Não sei por quanto mais tempo conseguirei manter este blog, mas uma coisa é certa: já valeu bem a pena!
É oficial. O meu filho Afonso quer ser escritor e anda a escrever histórias nos intervalos da escola, para depois oferecer. Bem... começou por oferecê-las... Mas, felizmente, para além dos genes da mãe, herdou também os genes do pai, por isso a dada altura resolveu começar a vendê-las.
- Vendê-las, Afonso?!
- Sim. Mas o Diogo Alves (leia-se compincha das escritas e do negócio) quer vender as histórias dele a 1 euro. E as minhas, como são mais pequenas, ele diz que só podem ser 50 cêntimos.
- Mas vocês estão mesmo a vender as histórias?! - eu ainda estava incrédula.
- Sabes que mais? Quem perde é ele... Como as minhas histórias são mais baratas as pessoas vão preferir as minhas... e eu vou ganhar mais.
Definitivamente, o meu filho vai safar-se muito melhor do que eu...

PS - O Duarte já corre tudo! Acabaram-se os gatinhanços em nossa casa. Já anda tudo a duas patas!
(Afonso) Ó mãe, eu acho que tenho o poder da água...

Tinha acabado de abrir uma caixa para um novo post. Não tinha nada a ver com poderes, mas o rumo da conversa não me deixou alternativa.

(Afonso) Eu não sei bem... mas acho que controlo a água. Vinha um bocado de água contra mim e eu afastei-a com a minha mão. Não tenho a certeza, mas acho que fui eu que a afastei...

Definitivamente, o meu filho anda a ver televisão a mais...
E, definitivamente, a mãe também...

(Mãe) Que sorte, Afonso. Agora só te falta controlar o ar, a terra e o fogo...
Gostava de não fazer tantas coisas. E de ter mais coisas feitas.
Gostava de não precisar de dormir. E de poder dormir mais.
Gostava de ter estado com o meu filho Sebastião quando ele levou 6 pontos no lábio. De ter atendido o telefonema da minha amiga no momento em que fez o teste de gravidez. De ter curado a gripe do meu marido. De ter estado na sala do Afonso quando ele teve azul na leitura. De não me ter esquecido de ligar à minha cliente a fazer o ponto da situação. De ter tido tempo para cortar a franja ao Duarte. De ter sido eu a ensinar a Leonor a chamar tonto ao irmão. De já ter acabado o meu romance. De não me ter esquecido de dar o antibiótico ao Sebastião. E de já ter pago o Seguro. Gostava de ter feito metade da lista de coisas que programei para hoje. E de ter jantado com a minha família sem ouvir o telemóvel. Gostava de hoje não ter pesadelos. E de amanhã já achar outra vez que chego para as encomendas.
Enquanto as televisões dissecavam o orçamento de Estado, e alarmavam o país com a palavra de ordem repetida vezes sem conta (CRISE, CRISE, CRISE, CRISE) resolvi ter uma conversa séria com os meus filhos mais velhos sobre o futuro.
- Então digam-me lá... o que é que vocês pensam fazer no futuro? - perguntei, depois de me cansar de berrar para eles comerem os cereais antes que estes empapem.
O Sebastião disse que queria ser polícia. Para matar os ladrões.
- Mas olha que ser polícia é perigoso... - disse o Afonso, preocupado com o irmão.
- Então não quero. Vou ser antes jogador de futebol.
- E consegues passar o dia todo a treinar? - perguntei eu. Ok, tendenciosa. Mas não me apetecia nada ter um filho futebolista, e ter que andar de estádio em estádio a dar-lhe força para ele enfiar uma bola na baliza.
- Ah, não... Assim ficava cansado.
- Então o que é que vocês gostavam de fazer o dia todo, que nunca vos cansasse?
Ficaram os dois calados. Mas a resposta era óbvia: brincar. O pai deu uma boa ideia ao Afonso:
- Podes ser tester de jogos. Passavas o dia a jogar.
Também podiam ser animadores da kidzania e passar o dia a brincar. Ou ser tratadores de animais e passar o dia no Zoo. E a conversa descambou para o disparate, mas a verdade é esta: mesmo com os tempos de crise que se avizinham, o melhor conselho que posso dar aos meus filhos é que eles descubram o que gostam realmente de fazer e o que lhes apetece fazer o dia todo, sem parar, com todo o gosto e vontade de fazer cada vez mais e melhor. Porque, com mais ou menos dinheiro, com melhor ou pior orçamento de Estado, com mais imposto ou menos portagem, não tenho dúvidas que é isso que os fará felizes...
Fim-de-semana sem Mila (leia-se o meu braço direito com a casa e com a filharada) é fim-de-semana de arrancar cabelos. Os mais velhos ainda conseguem estupidificar-se um pouco em frente à televisão, sossegados, enquanto eu arrumo a cozinha, e faço as camas, e preparo as refeições, entre telefonemas profissionais que não se compadecem do meu fim-de-semana por mês sem apoio (sim, felizmente a minha Mila só me abandona um fim-de-semana por mês. Um longuíiiissimo fim-de-semana de três dias que parecem três semanas). Mas os mais catititos não dão tréguas. Nem a televisão trava a sua ânsia de vida. A Leonor já corre tudo e o Duarte, embora mais preguiçoso, já faz longos trajectos sozinhos, e a melhor imagem que me ocorre é de duas baratas que, soltas no chão, disparam em velocidade contra o primeiro disparate. Ora é um que deita uma cadeira abaixo, ora é outro que despeja uma prateleira com roupa, outro entala os dedos na gaveta, outro trepa para cima da mesa, depois é um cocó até à costas, e outro logo a seguir que me obriga a mudar um e outro enquanto o outro e o outro se empoleira nas minhas pernas a gritar por atenção... São lindos, são a melhor coisa do mundo, mas o raio dos gaiatos dão trabalhooooo... Parecem caracóis, por onde passam deixam rasto, e por mais que eu lhes dê brinquedos eles sentem uma atracção fatal pelos talheres, os comandos, os telemóveis, os papéis da mãe, os TPCs dos manos, a máquina fotográfica do pai, o cabo do computador da mãe, as tomadas... e tudo o que tenha um grande P de Perigoso ou D de Disparate.
Amanhã pego neles todos e ponho-os a correr num sítio qualquer (depois de os vestir, preparar os lanches, as fraldas, as mudas, metê-los a todos no carro, chegar a qualquer lado... ui! Acho que vou sonhar com um plano B qualquer...)
É oficial! O Afonso aprendeu a andar de bicicleta. Depois de umas investidas da mãe, sem grande jeito para a didáctica do desporto (e eu lá conseguia largar o selim do rapaz? Só o imaginava a despenhar-se no passeio, por isso percorri quilómetros agarrada ao selim da bicicleta mínima, o que me valeu uma grandessíssima dor nas costas), o pai resolveu intervir e resolveu os medos do nosso filho mais velho (e os receios da mãe) com uns empurrões certeiros que o puseram a pedalar. Falta aperfeiçoar, mas se é como dizem, e de andar de bicicleta nunca se esquece, hoje o Afonso teve uma lição para a vida toda...
Enquanto os meus filhos cresciam, fiz tantos planos para o dia em que eles estivessem na escola Primária (ah, desculpem... 1º ciclo!). A escola vai ser uma descoberta, pensava. Vou transformar os TPC em magia, e a aprendizagem numa saborosa aventura. Imaginei-me a fazer teatros, a criar textos com eles, a desenhar letras nas paredes e a cantar a tabuada.
A verdade é que o meu único filho que já anda na Primária (ah, desculpem... 1º ciclo) chega a casa cansado de um dia inteiro na escola, eu também já estou cansada de um dia inteiro a trabalhar, e as fichas cinzentonas que ele traz para fazer não têm qualquer cor ou magia. Nem eu tenho já forças para transformá-las em tudo aquilo que tinha imaginado. Por isso saem-me aquelas frases que eu jurei a mim mesma que nunca iria dizer: "Escreve!", "Despacha-te", "Faz o que lá está", "Apaga e torna a fazer", "Não distraias o teu irmão", "Tens um boneco escondido no meio das pernas?!", "Não jogas Nintendo a semana toda" - e isto, claro, num crescendo absurdo de décibeis, enquanto o Sebastião aproveita para fazer disparates, os gémeos gritam para chamar a atenção e o jantar queima no forno.
Não é fácil... e todos os dias me deito e penso: Bolas! Eu queria tanto fazer da escola uma coisa mais divertida!
Felizmente, há dias diferentes. Hoje estava particularmente aliviada de trabalho, a Mila tratou dos gémeos, o jantar esperou porque amanhã é feriado e que se lixem as 8 horas em ponto para jantar, e estive a folhear revistas com o meu filho para descobrir animais, recortar partes deles e criar uma criatura imaginária a quem teríamos de dar um nome, um habitat, um tipo de alimentação e actividades preferidas. Não foi criação minha (com pena), era mesmo uma proposta do livro de Português do 2º ano, e fiquei feliz por saber que aqueles que se preocupam com a educação dos nossos filhos e concebem os manuais também procuram dar magia à vida deles...
Para que conste, a criatura cá de casa chama-se Olivar, tem cabeça de zebra, corpo de ovelha, pernas de cavalo, cauda de martim-pescador, chifre de veado e asas de andorinha, vive na casinha de plástico do nosso jardim, come gomas e adora brincar... comigo. (É como eu... - terminou o Afonso. Vivam os manuais escolares!)
Acho que os pais têm um dom. Um dom de nos tirar do sério quando os filhos choram à noite e eles não ouvem, quando eles estão a fazer uma asneira ao lado deles e eles não notam, quando os deixámos a cargo deles e eles se esqueceram da hora do almoço ou do lanche, ou lhes deram fast food para não terem trabalho. Os pais têm o dom de se esquecer dos filhos e usufruírem das férias em casal, e ainda acharem que podiam ter ficado mais dias. Os pais têm o dom de se esquecerem de tudo quando dá futebol, e de não conseguirem distinguir que roupas pertencem a que filho, nem a arrumação que a mãe resolveu dar às roupas.
Pais e mães são de espécies diferentes, definitivamente. E isso é tãooo bom! É verdade que estes pequenos dons dos homens (e atenção que estou a generalizar, para além de estar a exagerar, claro) às vezes nos irritam, mas os homens, depois, têm outros dons maravilhosos que nos escapam. Como brincar com os filhos sem os stresses do chapéu, e do agasalho, e da hora de comer e da hora de dormir. Brincam com gosto, e geralmente brincam melhor do que nós. Ontem à noite o pai dos meus filhos soltou esse seu dom maravilhoso e apareceu no quarto do Afonso enquanto eu lia a história. E começou a fazer batuques nas prateleiras dos livros. Um batuque aqui, um batuque acolá... uns minutos depois os meus filhos estavam a dançar que nem uns doidos no quarto, ao som dos ritmos improvisados do pai, e a noite terminou com grandes abraços e beijinhos de todos, e uma noite muito descansada. Os homens são assim (generalizando outra vez). Cozinham pouco, mas quando cozinham são grandes chefs. Brincam pouco, mas quando brincam criam momentos verdadeiramente mágicos aos filhos. Somos, de facto, de espécies diferentes, e por isso é que os filhos crescem dentro de nós, porque nós estamos cá para o bom e para o mau, para as brincadeiras e para os cocós e as birras. Mas sem um pai ao nosso lado a tornar o bom ainda melhor, também não teria tanta graça...
O meu Sebastianeto fez anos. 5. Uma mão cheia, como ele diz. O problema é que o irmão mais velho está quase nos 7 e põe e dispõe da vida do Sebastião. É sempre assim com os irmãos mais novos. E então quando eles ficam entalados no meio de outros, não há nada a fazer. São os esquecidos e aqueles que mais facilmente tendem a copiar uns e outros, em busca de um lugar e do merecido reconhecimento dos pais.
(mãe) - Sebastião, queres um bolo do quê?
(Sebastião) - Afonso, o meu bolo vai ser do quê?
O Afonso já ia mandar a sua laracha e comandar os destinos do aniversário do irmão, mas travei-o a tempo.
(mãe) - O teu irmão é que vai escolher o bolo! Estás proibido de dar sugestões, Afonso!
Depois de muito pensar (e como é indeciso este meu pequeno Balança) lá se decidiu pelo Odd do Code Lyoko. Não sabem o que é? Pois... eu também não sabia. Lá fui pesquisar na net e descobrir o boneco maravilha, difícil à brava de adaptar a um bolo, mas lá descobri uma senhora que me fizesse um bolo com aquele tema.
(mãe) - Sebastião, a mãe já conseguiu um bolo do Code Lyoko.
(Sebastião com olhinhos a brilhar) - A sério, mãe?
(mãe) - A sério. Quem vai fazer o teu bolo é uma senhora chamada Maria Biscoito.
(Sebastião com olhos tristes) - O quê? Não vais ser tu, mamã?
Não resisti a uma mentirinha piedosa. Disse que era eu... e a Maria Biscoito. Uma espécie de bolo a 4 mãos. Só omiti que a minha parte foi só a logística, mas quem aguenta ver uns olhos tristes como os do meu Sebastião?
O meu piolho mais velho escreveu o seu primeiro livro... (baba, baba, baba). Prestes a fazer 7 anos, quase que escapava àquele que eu desejava ser o desígnio da nossa família: escrever o primeiro livro aos 6 anos. A minha mãe ajudou-me a escrever o meu primeiro aos 6 ("Um pico meu amigo", qualquer dia vem a lume) e eu já andava de roda do Afonso há algum tempo para o ajudar a escrever o dele: Ó filho, se queres ser escritor, tens de escrever, okay? Foi com mais preguiça do que a mãe (mas pronto, não se pode herdar tudo. Ele tem outras coisas que eu gostava de ter herdado, como a lábia, tão importante nos dias que correm...), mas lá pegou nos lápis e escreveu na folha dobrada que eu lhe arranjei. Fez 2 pequenas histórias, inspiradas no meu livro das 100 Histórias do Outro Mundo, e escreveu "No planeta das caixas" e "No planeta dos jogos", cada uma com um pequeno desenho (ilustrados nunca será... valha-me Deus!). No dia seguinte fez a capa: escolheu o título, fez o desenho e pôs o nome (Afonso do Ó, nome artístico), e depois perguntou-me o que pôr na contra-capa. "Não precisas de pôr nada, Afonso. Já está muito giro assim", disse-lhe eu. Pedir-lhe que fizesse uma pequena sinopse do livro para encher o olho aos potenciais leitores era um pouco too much. Mas ele lá achou que tinha de pôr qualquer coisa nas costas, e passado algum tempo apareceu-me com algo escrito:

P: O que é um ladrão em cima de um saco de arroz?
R: Arroz malandro.

Resolvera pôr uma anedota... Nada mau para encher o olho aos colegas. Depois fizemos cópia para as avós, para a professora e para 2 amigos da escola. No meu tempo não havia scanners nem cópias a cores, por isso o original (e único exemplar) de "O Pico meu amigo" ficou mesmo perdido nas gavetas da minha querida professora da primária. Como os tempos são outros, e há que zelar pela matéria-prima, cedi as cópias scanerizadas e fiquei com o original. Não vá o rapaz ter mesmo futuro na área e o primeiro "livro", ainda que tirado meio a ferros, valha muito dinheiro. Uma coisa já valeu certamente, e essa não tem preço: o orgulho da sua "mami"...
Pronto, já está. Livros forrados, farda aprumada, mochila e material arrumado e identificado, e miudagem toda na escola a horas de se conseguir trabalhar sem a Disney de fundo, as picardias de irmãos, os pulos no sofá, as bolachas esmigalhadas no chão...
Poder trabalhar em casa é muito bom, mas o mês de Agosto é de arrancar cabelos. A verdade é que, agora que os "despejei" na escola, sinto a casa tãoooooo vazia... Valham-me os guinchos ultra-femininos da Leonor e os tombos do destravado do Duarte para dar algum colorido à coisa. Quando chegar a altura de também os "despejar" na escola, acho que arrendo um escritório no edifício dos Maristas só para não perder o "barulhinho" de fundo...
É oficial! A minha Leonor já anda!!! Aos 15 meses começou a dar uns passinhos sozinha, e hoje perdeu o medo e lançou-se pela casa fora, debitando aquele enxurrilho de sílabas que só ela entende, meio português meio ucraniano. Está esperta como tudo. Ralha com os irmãos, põe o chapéu para ir à rua, calça os sapatos, quer vestir-se sozinha, finge que está a ler livros, e agarra na sua escova dos dentes cor-de-rosa e no copo para lavar os dentes, tal e qual os irmãos!
O Dudu, mais abebezado, ainda dá uns passinhos de bailarinha, mas quando se trata de trapar às coisas passa à frente da mana. Já conseguiu saltar de uma cadeira da papa (atado!) e de uma cama de viagem, trepa pelas costas do sofá e pelas costas das cadeiras, para tentar ir para as minhas cavalitas. É bruto como tudo a defender o seu território, sobretudo da irmã. Mas quando se trata de receber miminhos da mamã, todo ele se enrosca e aninha como um bebé.
É impressionante como dois gémeos criados da mesma forma podem ser tão diferentes. Ele tão rapazola. Ela tão menininha. Ele tão abrutalhado mas ao mesmo tempo tão menino da mamã. Ela tão independente, de nariz no ar a querer fazer tudo sozinha. E ainda dizem que a educação dos pais é tudo. Eles já nascem com tanto, mas tanto deles... Nós, pais, fazemos o que podemos. Mas eles, de facto, são muito mais deles próprios do que nossos, e a nós cabe-nos (para além de fazermos o que podemos) assistir ao milagre da vida que se desenrola sob o nosso tecto, todos os dias...
(Sebastião a caminhar para mim, puxando os dois olhos com os dois):
- Ó mãe, os chineses devem ver mesmo mal...

(Afonso a chegar à esplanada):
- Estou a ver o pai ali ao fundo. Está a tomar café com outra loura...
(Mãe pitosga)
- O quê?! Aonde, Afonso?
(Afonso gozão, ultimamente viciado em séries juvenis da Disney e Nick)
- A mamã tem ciúmes do papá, a mamã tem ciúmes do papá...

Juro que nunca mais o deixo ver o Drake & Josh!
Depois de uma versão muito própria do "wakawakaué" do Mundial, os meus filhos mais velhos (4 e 6 anos. Tão velhos que eles são...) resolveram dedicar as viagens de ida e volta até Espanha a novas conspirações musicais. O primeiro alvo foi o hino dos Maristas, que acabou assim:

Somos Maristas de Carcavelos,
a nossa mãe é Sarinha
(supostamente era Maria...)
Somos Maristas de Carcavelos
e o Pai Pedro é o nosso guia,
E o pai Pedro é o nosso guia...
(pobre Champagnat, completamente relegado para segundo plano)

Em seguida resolveram discutir a letra de "Carta", dos Toranja:

(Afonso)
É que hoje acordei, lembrei-me, sou magro e feiticeiro...
(Sebastião)
Não é magro!
(Afonso)
Então como é que é?
(Sebastião)
É que hoje acordei, lembrei-me, de chamar o feiticeiro...
(Afonso)
Não é nada! Isto é a história de um homem e uma mulher! Vão chamar o feiticeiro para quê?
(Sebastião)
Por causa da bola de cristal que é feita de papel... Dahhh!
Depois de muito insistir, o Afonso lá teve a sua primeira carteira, para guardar o dinheiro que a avó lhe dera nas férias.
- Ó mami, posso ter semanada, posso? O Diogo Alves já tem...
Lá decidi com o pai que era demasiado cedo, e que ele teria de mostrar primeiro como geria o seu dinheiro, para nós começarmos a confiar nele.
- E cartões, mãe? Quando é que posso ter cartões?
- Se estiveres um mês sem perderes a tua carteira, a mãe dá-te um cartão.
O Afonso rejubilou. E desde então que não larga a sua preciosa carteira. Guarda-a, sobretudo, do Sebastião, irmão lampão que, como bom filho mais novo (ainda que tenha outros mais novos, mas que ainda não têm idade para entrar no campeonato), cobiça tudo o que o mais velho tem.
- Só podes ter carteira quando tiveres 6 anos, Titão. Ainda te faltam 2 anos. Mas o mano paga-te um Happy Meal.
Depois de dois dias a fazer contas, a pensar de que forma poderia dar uso ao seu dinheiro (decidiu inclusive ajudar o seu amigo Diogo Alves a juntar 50 euros. Porque ele gastava tudo o que recebia e precisava de ajuda...), resolveu que o primeiro gasto seria mesmo no Mac Donald's. Ainda comprou um pequeno dragão na livraria do Pingo Doce (para partilhar com o irmão) e depois levámo-lo ao Mac Donald's, para ele mostrar o que valia. Nervoso, fez a encomenda ao senhor. Um Happy Meal para ele e outro para o irmão. Pagou com a sua nota. Recebeu e guardou o troco. E ficou feliz. Muito feliz.
- Sebastião, quando tiveres 6 anos e tiveres a tua carteira, também vais pagar um Happy Meal ao mano, não vais?
E o Sebastião abanou a cabeça, contente. Foi quando o Afonso se saiu com esta:
- Ó mãe... daqui a quantos dias é que vou ter o meu cartão de crédito?
Bem... estava mais a pensar num cartão de uma loja... Quanto muito, no cartão de cidadão... Se bem que o meu filho portou-se à altura. Poupou, ponderou, acabou por gastar o dinheiro em comida, e ainda ajudou o irmão. Talvez ganhe um cartão de crédito a fingir...
Mas o melhor de tudo ainda foi vê-lo entrar no Aki, constatar que tinha dinheiro para comprar um tapete, e uma pequena torneira, e exclamar, satisfeito:
- É bom viver no mundo do dinheiro...
Bem, meu filho... Nem sempre é assim tão bom. Mas goza lá todas as vantagens enquanto podes...
A Leonor deu o seu primeiro passinho. Sozinha. Cheia de vontade de fazer sozinha e mostrar que não precisa de ninguém. A Leonor é assim. Mulher, nos seus quase 15 meses. Primeiro treinou sozinha a pôr-se de pé sem se segurar a nada. Treinou, treinou, treinou, e até batia palminhas a si própria quando conseguia. Ontem estava de pé, olhou para mim com aquele ar maroto, de desafio, que ela tem, e deu um passo. Depois riu-se, divertida, e bateu palminhas a si própria. Estava farta de tentar que ela andasse sozinha. "Anda, Nhocas! Vá... Um passinho... Aqui, Leonor...!" Mas nada. Ela nunca se deixou enganar. Pela mão já vai. Sem mão, não há nada para ninguém. Mas ontem fê-lo sozinha. Fez questão de fazer sozinha. E mostrar-me que era capaz. Promete...
Depois de uns dias sem os filhotes mais velhos, que foram para a praia com a avó, foi tempo de regressar a casa, aos quartos, aos brinquedos, aos mealheiros (para guardar a notinha de despedida da avó)... e também aos velhos disparates, claro. E também às histórias antes do deitar, que nas férias foram substituídas pelo Quem Quer Ser Milionário, dentro na cama, na ronha com a avó (e é para estas diferenças que também servem as férias... e os avós). E a história de hoje terminava com o velho provérbio "Mais vale tarde do que nunca". O Afonso aproveitou logo para concluir:
- Mais vale fazer os trabalhos no último dia de férias do que não os fazer...
Pois é, querido Afonso, mas não vais ter sorte nenhuma...
A conversa depois descambou (ou descambei-a) para os nossos sonhos mais profundos.
- Que sonhos é que vocês gostavam mesmo de realizar, meninos? Têm de ser aqueles sonhos que, mesmo que os realizem já muito velhinhos, valerão a pena...
- (Sebastião, o prático) Ter um Gormitti.
- (Afonso, o místico) Nunca morrer.
Definitivamente, tenho filhos muito diferentes... Só espero ter unhas para tocar as cordas todas...
Antes de mandar os mais velhinhos de férias, tive de proceder à sessão quinzenal de cortadela de unhas. Entre os 4 foram oitenta unhacas... Ainda tentei ir às do pai para chegar à centena, mas ele rabuja mais que os filhos...
Qualquer dia tenho unhas cortadas que cheguem para um diploma de manicura.


PS - Já como cabeleireira nunca conseguirei diploma... Cortei a franja ao Dudu mas não ousei tirar-lhe os caracóis que lhe serpenteiam o rosto. Resultado: transformei-o num pequeno Bee Gee... Lá se vão 10 euros no cabeleireiro, para remediar os estragos.
A propósito da morte do actor António Feio, voltou o tema da morte. Não nos filhos. Na mãe. Recebi vários mailes hoje sobre palavras que o actor tinha dito, conselhos que tinha deixado aos amigos, despedidas ao público em geral... e lembrei-me da carta que, em tempos, escrevi aos meus filhos. Não era uma carta qualquer. Era a carta que eu queria que eles lessem se um dia morresse de repente. Os gémeos ainda não existiam (e tempo para reescrever a carta?), e ainda não me pesava tanto a pergunta que carrego hoje: Como é que o meu marido se desenrascaria sozinho com 4 filhos?! Naquela altura a preocupação maior era outra (e ela continua grande): Que memórias guardarão os meus filhos da mãe, se eu partir agora? Sei que a memória é traiçoeira, e a das crianças apaga-se frequentemente para deixar espaço para tudo o que elas têm de aprender ainda (como perguntava o meu sobrinho Manel: Eu depois vou-me esquecer disto?). Quando se é adulto e nos morre alguém querido, guardamos dessa pessoa o melhor dela. Apaga-se o resto. E isso não é mau. Quando se é criança e morre alguém querido, não se apaga só o mau. Apaga-se também o bom. Frequentemente, apaga-se toda a pessoa. Tudo. Por isso, se eu desaparecesse naquela altura, desapareceria tudo. Na memória dos meus filhos ficaria apenas aquilo que o pai, a família e os amigos lhe diriam. A explicação das fotografias que veriam. A tristeza dos adultos, que passaria para as crianças. Ao ponto de as marcar. Ao ponto de os fazer associar à ideia da mãe uma tristeza infinita. Uma perda irreparável, de uma memória que nem é real, porque foi fabricada pelos outros.
Posso não estar certa. Espero continuar por cá para não ter de o comprovar. Mas, pelo sim pelo não, escrevi uma carta aos meus filhos. Uma carta bem disposta, a dizer-lhes que fui muito feliz com eles, e que a felicidade deles, daí em diante (depois de me perderem) não estava de modo nenhum dependente de mim. Chegara a altura de seguirem o seu caminho, e outras pessoas igualmente competentes os acompanhariam nessa viagem. E que eu tinha pena de não estar presente, mas que o exemplo de me perderem cedo lhes fizesse sentir uma responsabilidade maior de serem felizes todos os dias.
Poderia ter-lhes dito que ia ficar numa estrelinha. Num céu. Sempre ao lado deles. Mas essas mentiras (só porque não tenho a felicidade de acreditar nelas) deixaria para a boca dos outros. A minha carta seria para o caso de eles, assim como eu, não terem também a capacidade de acreditar em algo para além daquilo que temos aqui em baixo. Seria a minha verdade. E eu nunca minto aos meus filhos.

A carta existe. Terá de ser reescrita. E espero ainda escrevê-la muitas e mais vezes. Não porque conto ter mais filhos que me forcem a uma necessária actualização. Mas porque espero viver o suficiente para ver os meus filhos seguir os seus sonhos e serem felizes, anulando (por ausência de necessidade) linhas de conselhos e vontades minhas, até que a minha partida seja entendida como natural, a lei da vida, a memória já não seja uma traição, e não sejam já precisas mais cartas de despedida... Ou, a ela ainda existir, que seja apenas uma linha: "Foi um prazer estar convosco".
Amo os meus bebés! Mas não é que amo mesmo? E se estou espantada é que, depois de ter o Afonso e o Sebastião, perguntei-me várias vezes se ter mais filhos não implicaria ter de gostar menos de todos. Distribuir amor por tantos, não daria menos a cada um? E, de facto, quando os gémeos nasceram, senti-me culpabilizada, sem tempo para as histórias dos "mais velhos" (coitadinhos, tão pequeninos!), sem tempo para os miminhos, para as conversas, para as idas e vindas do colégio, os programas ao fim-de-semana... Pouco a pouco, felizmente, tenho recuperado isso tudo e agora... também estou apaixonada pelos meus gémeos. O Duarte com o seu sorriso fácil, destravado nas horas, trepa a tudo e gatinha mais veloz que um aranhiço, mas depois chora com o som da batedeira e dos estores, e trepa por mim acima quando vê a irmã a aproximar-se. Depois a Leonor, esperta como tudo, que faz gracinhas e bate palmas a si próprio, grita "três" depois de dizermos "um, dois" e só quer comer e vestir-se sozinha. É a minha bonequinha espertalhona. Amo-os muito, e penso, sempre que entro na cozinha, a preparar-me para os ouvir chorar e estender os bracinhos para eu lhes pegar: "em qual pego primeiro? Se eu gosto o mesmo e tanto dos dois..." Faço à vez, começo pelo que grita mais alto, ou pelo primeiro que apanho, e quase sempre acabo com os dois ao colo, a atropelarem-se pela minha atenção. Com os "mais velhos" (coitadinhos, tão pequeninos!) de férias, sou puxada daqui e dali, de atenção em atenção, de conversa em conversa, de proeza em proeza, de asneira em asneira... e é tãooooo bom! Se o meu amor chega para todos? Chega para estes e para muitos mais! Mas, pelo sim pelo não, acho que me vou ficar por aqui...
- Afonso, como hoje temos cá a prima Maria, vamos fazer um g'anda programa... ajudas-me?

(olhos de Afonso a brilhar. Alguns minutos depois)

- Ó mãe... mas um programa é... tipo um filme, ou tipo uma série?

(Só tinha pensado num jantar... mas o rapaz faz logo filmes!)



Caiu mais um dente ao meu filho Afonso (caiu, salvo seja, foi arrancado pelo metal assassino de um alicate, no dentista. O pai é que foi com ele, e diz que ele foi um fortalhaço, mas eu bem vi os restos de lágrimas que lhe vinham nos olhos, no regresso... grande herança a que eu lhe deixei, de dentes a nascer por cima uns dos outros), e a fadinha dos dentes voltou a visitar a nossa casa. Não sei por quanto tempo o meu filho vai acreditar (talvez já nem acredite, mas as moedas dão-lhe jeito para comprar Calipos...), por isso decidi investir no embuste. Em vez do simples dentinho debaixo da almofada, desta vez incentivei o meu filho a escrever uma cartinha à fada. Afinal de contas, ele tinha perdido um dente em casa do amigo e não tinha recebido moeda... E, devido ao seu sofrimento no dentista, merecia a duplicação da do prémio. Enfim... ele lá se desenrascou, e até decidiu pôr uns quadradinhos para a fadinha dizer se SIM, se NÃO satisfazia as suas reivindicações.
E claro que a fadinha disse sim. Respondeu e lá deixou 4 euros no saquinho de plástico que o Afonso colocou debaixo da almofada. Mais uns dentes com mais umas quantas reivindicações, e acabam-se as moedas que o pai deixa no cinzeiro da entrada...
Ontem, antes das compras da semana (que cada vez menos duram uma semana. Nem sequer meia... Mais um ou dois anos - quando esta maltinha estiver toda a comer a sério - e compro uma vaca para não ter de carregar mais paletes de leite. E troco a palmeira e o pinheiro por uma macieira e uma pereira, em vez de rosas planto batatas para a sopa. Será que as pescadas e os polvos se reproduziriam na piscina?), levei o Afonso e o Sebastião à Bulhosa, desta vez não para comprar um livro (ok, acabei por trazer 3 :() mas antes uma revista. Freneticamente, busquei a Pais e Filhos de Julho por entre quinhentas outra mil de interesses mil.

(Sebastião) Mãe, podemos ir para o Barco?
(Mãe) Esperem... a mãe tem de encontrar uma revista.
(Afonso) É a revista do Póvoas? (private joke)
(Mãe) Não, queridos. É outra...

Bordados, fotografia, signos, gadgets... e, finalmente, lá estava ela! Com uma menina quase tão linda como a minha Nhocas na capa. Peguei, trinquei (para romper o plástico de oferta) mas não meti na boca. Meti em cima da mesa do café, onde os livros sabem a scones deliciosos e chupas que deliciam os meus filhos.

(Afonso) Estás à procura do quê, mãe?

Uma página, outra, mais outra... e, finalmente, ele lá estava! O artigo da Sónia Morais Santos, a mãe Cocó (coconafralda.blogspot.com, para quem ainda não conhece), com um cheirinho da revista que O Livro da Minha Vida construiu para a celebração do seu 10º aniversário de casamento. Mesmo sem scones nem chupas, deliciei-me a ler o artigo. É tão bom ter clientes assim... Recordei o pouco tempo que me falta para também eu fazer 10 de casada... Os meus 4 filhos. As surpresas do meu marido. Ai, ai... Suspirava eu para um lado, resmungavam os meus filhos por outro.

(Sebastião) Porque é que estamos aqui sentados, mãe? Estamos de castigo?
(Mãe) Não, Titão. A mãe só estava aqui a ler uma coisa.
(Afonso, lendo o título do artigo) A-mu-lher-mais-fe-liz. Foste tu que escreves, mami?
(Mãe) Não, filho. Foi uma senhora que a mamã conhece.
(Afonso) Ó mãe... mas a mulher mais feliz és tu...

E seguiram-se duas horas de carrinho pelo Continente, ora a puxar um, ora a ralhar com outro, o carrinho a encher, a conta bancária a decrescer, o pai a desesperar com os gémeos em casa... e foi tão bom! Não sei das outras, mas eu cá sou bem feliz!
(Afonso):
- Mãe, podes convidar o Diogo Alves para vir cá a casa? É que nós queremos escrever um livro juntos...

Baba, baba, baba... Lembro-me tão bem de ter a idade dele e passar as férias a escrever a colecção das "Amiguinhas" com a minha amiga Filipa...

- Já tenho uma história e ele tem outra. Mas temos de pensar em mais, para fazermos um livro grosso. Se calhar um dia vamos ser escritores...

Se calhar, meu filho. E a mãe vai ficar tão orgulhosaaaaaa...
No carro, à capela:

Mãe:Na nana nananan...
Sebastião:Wakawakauéué
Mãe: Na nana nananana...
Afonso: Istch time for África...


A Shakira não faria melhor. Amanhã começamos a treinar a coreografia...
- Ó mãe, ó mãe... anda ver a minha última criação!

Enquanto eu me secava do banho, o Afonso tinha "criado" qualquer coisa no meu quarto. Entrei e deparo-me com este espectáculo: uma toalha azul em cima da cama, com alguns animais marinhos (bonecada que ele descobriu nos caixotes de brinquedos) espalhados, em cima. Ele estava por baixo dos lençóis, exactamente nessa zona, a ondular o seu corpo suavemente.
- Olha, mãe, olha... criei o mar...

Agora digam-me lá o que é que eu faço com tanta "criação"?
Acabei de receber do pai o seguinte e-mail:

MÃE: VAI JÁ PARA A MESA!
FILHO: Não vou!
MÃE: Tens de ir! Eu estou a mandar!
FILHO: E porque é que tenho de fazer o que tu dizes?
MÃE: Está no Código Civil Português, ARTIGO 128º.

(ARTIGO 128º – Dever de obediência)
Em tudo o quanto não seja ilícito ou imoral, devem os menores não emancipados obedecer a seus pais ou tutor e cumprir os seus preceitos.

Cá em casa o pai fala e os filhos obedecem. Só a mãe é que parece que vai ter que invocar a Constituição...
Depois de pôr os 4 na cama, enfiei-me no duche para o meu merecido banho. Água a escaldar sobre a pele, sossego, a cabeça a desfiar as trivialidades do dia, para depois analisar o que é mais profundo... Gasto muita água, mas funciona. Limpo o dia e, se ainda tenho que trabalhar (como era o caso), vou para o computador renovada.
- Mami...
O Afonso entrou em pezinhos de lã, com aquela cara de Calimero irresistível...
- Afonso, vai para a cama! O que é que estás aqui a fazer?
- Não consigo dormir. Por causa daquele assunto... Aquilo que tu sabes, mami...
O assunto tabu é a morte. De vez em quando volta, aterrorizadora, de foice na mão, para ceifar os bons sonhos do meu filho mais velho (felizmente, só dele, se bem que os bebés ainda não manifestam os seus terrores nocturnos).
A água estava a saber-me tão bem, ainda não tinha terminado a revisão de vida, mas o assunto impunha que o banho se desse por terminado. Desliguei a água e saí para me secar, enquanto o meu filho se acomodava na sanita.
- A morte dói, mami?
- Não, filho. E tu não devias estar a pensar sobre isso, é muito tarde.
- Mas como é que tu sabes que não dói? Nunca morreste...
Dah! Afonso 1, Mami 0
- E se fosses buscar um livro e lesses um bocadinho, para te distraíres?
- É isso que tu fazes quando pensas na morte?
Novo murro no estômago. Afonso 2, Mami 0. Sim, é verdade. Um bom livro é sempre uma excelente terapia para os meus terrores nocturnos.
- Sabes do que é que eu tenho medo, mami? De morrer e ir para um lugar onde não há ninguém. Depois eu fico lá sozinho e tenho medo...
Abraço. Abraço com muita força, já sequinha!
- Oh, filhote! Tu não vais ficar sozinho. Nunca. A mamã nunca te vai deixar. Não falámos já que as estrelinhas, mesmo estando longe, estão sempre a olhar por nós?
- Sabes o que é que eu queria, mami? Depois de morrer, queria voltar a nascer. E começar tudo outra vez...
Novo abraço. A teoria da reencarnação é um excelente bálsamo para o meu filho. Quem sou eu para opiniar sobre ela?
- Há pessoas que acreditam nisso, Afonso...
- E tu, mami?
- A mamã não sabe... Nunca morreu!
Foi folhear o Ratatui e depois adormeceu. Já eu... bem, no mínimo, fiquei capaz de outro banho!
(Mãe de volta do Afonso em hora de trabalho de casa)
- Afonso, tens de desenhar um chapelinho no "A" da "Lâmpada".
- Qual "A"?
- Chama lá pela lâmpada no cimo do monte.
- Ó Lâaaaaaaaampada! Ah, já sei, é no primeiro "A".
(mãe foi apanhar o Duarte que já estava a entalar os dedos nas gavetas da cozinha, aproveitou e ralhou com o Sebastião que já tinha trepado ao armário para roubar bolachas do Ruca e lá ficou a Leonor a chorar, de bracinho no ar, porque eu passei por ela e não lhe dei colinho. Inventem-se mães com nove braços e pelo menos três cabeças, por favor!)
- Afonso do Ó, que macaco é este em cima da "Lâmpada"?
- É uma cartola, mami.
(cara indescritível da mãe)
- O que foi, mami? Tu é que disseste para eu desenhar um chapelinho no "A"...

E foi mais um animado fim de tarde na casa dos Dias...
Ontem o Afonso foi para Fátima com os tios, participar no encontro Marista. O meu beato-mor lá foi todo animado, de lenço amarelo e vontade de fazer boa figura no palco ("Vou ter que ir a todos os encontros maristas, mami. Ñunca posso faltar!" - disse-me há dias). O pai, receoso da confusão, teve uma boa ideia e resolveu ensinar-lhe o seu número de telefone.
Hoje, em pleno casamento da minha afilhada Isabelinha (se leres isto, estavas liiiinda! Muitas felicidades!), o pai recebe um telefonema de casa.
- Estou, papi. Onde é que vocês estão? Já cheguei a casa.
O pai olhou para mim, admirado.
- Foi a Mila que ligou?
- Não, ela está com os bebés. Fui eu que liguei para vos dizer para virem para casa, que eu já cá estou.
Tinha decorado o número, e resolveu ligar. Qualquer dia está a pedir-nos um telemóvel... Tão crescido que ele está...
A Leonor está quase a andar. Quase, quase a andar... agarra os seus dedinhos nas minhas mãos, concentra-se e aí vai ela um passo atrás do outro, para chegar até onde eu a leve. Já a vou soltando de vez em quando, e ela anda com a barriguita dela para a frente e para trás, em busca do seu equilíbrio. Muito concentradinha. Muito menina. E quando a volto a sentar ela bate palminhas. Palminhas a si própria. G'anda Nhonhocas!
E o Duarte... bem, o Duarte continua a percorrer a casa como um perfeito Ranger. De peito no chão, esfrega o chão da cozinha em busca de gavetas para abrir (e para entalar os dedos), colheres de pau para bater (inclusive na própria cabeça), e tomadas para escarafunchar (e, qualquer dia, apanhar um choque daqueles...). Adoro rapazes! São os meninos das mamãs. Eles adoram-nos incondicionalmente, sorriem-nos sempre, somos as mulheres da vida deles (pelo menos até encontrarem as deles) e tudo neles é tão "carnal", tão abrutalhadamente verdadeiro! Mas não há dúvida... as meninas são um mundo à parte. A LEonor só se ri para quem quer, quando quer, só faz gracinhas quando quer e já sabe fazer charminho ao pai. Vai saber dar-lhe a volta com uma pinta! Comigo ainda está na fase da ligação umbilical, mas se ralho com ela faz imediatamente cara de zangada e faz beicinho. E ai de mim que tente tirar-lhe ou pôr-lhe a chucha quando ela quer o contrário! Tão deliciosamente teimosa, a saber tão bem o que quer. E olha-a nos olhos e só imagino o dia em que ela me vai fazer frente e vamos ter o nosso primeiro "arrufo de galinhas". De mulher para mulher, de teimosa para teimosa, com um único galo a manter a paz no galinheiro, teremos os nossos tempos difíceis. Mas teremos também tantas outras coisas boas pelo meio... e um dia ela também vai pôr os seus ovos e eu cá espero estar, galinha velha e dura de coser, a olhar pelos pintos dela... Mas pronto, por enquanto vou deliciar-me com os ganchinhos cor-de-rosa e os vestidinhos lindos que ela vai usar este verão. Com as palminhas, com as gracinhas, com a esperteza. Tudo o resto é aguardar com serenidade, aceitando e saboreando as leis da vida.
Era uma vez uma criança que acreditava poder, com o seu dedo, pintar o mundo. Encheu-o de cor e desenhou o sol. Mas, no seu coração de criança, sabia que nem todos os dias podem ser solarengos. Nem sempre temos o que queremos. Nem sempre fazemos o que gostaríamos. Nem sempre os outros são nossos amigos. Nem sempre os adultos sorriem. Por isso pintou a chuva. Com o seu dedo pequenino, salpicou o mundo de pequenas gotas de azul. E ficou triste: “Porque é que às vezes tem de chover?” – perguntou-se. Fechou-se no seu quarto e esqueceu o mundo por um bocadinho. Até que a mãe o foi chamar. “Não quero sair”, disse ele. Mas a mãe insistiu: “Aconteceu alguma coisa ao teu mundo…”. A criança, curiosa, saiu então do quarto e foi espreitar o mundo que desenhara. A chuva molhou a terra e dela brotaram lindas flores. E, no céu, do abraço entre o sol e a chuva, nasceu um lindo arco-íris. E a criança sorriu. Era pequena demais para perceber o mundo que desenhara, mas uma coisa ela entendera: ainda que o sol não possa espreitar sempre, da chuva nasce a esperança. Há sempre lugar para a alegria…
Sempre que vou buscar os meus filhos à escola, apanho primeiro o Sebastião e depois juntos fazemos, invariavelmente, uma corrida até ao edifício onde está o Afonso. É o meu momento de exercício - e 1 minuto diário de corrida já não é nada mau! - mas às vezes os sapatos não ajudam. Sapatos bicudos, saltos, tacões... só quando chego à linha marcada para começar a corrida é que olho para os pés e arrependo-me de um dia inteiro de trabalho nuns sapatos tão pouco dados à maternidade. O Sebastião acha piada, porque é a forma de me ganhar a corrida, mas hoje fartou-se e saiu-se com esta:
- Ó mãe, a ver se quando me vens buscar trazes aqueles sapatos brancos e verdes que tens no quarto... aqueles que têm um risquinho com uma curvinha em cima... (leia-se ténis da Nike) para me ganhares de vez em quando...
Amanhã, quando sair de manhã, ponho logo os ténis no carro...
(Sebastião analisador)
- Ó mãe, tens aqui umas coisas ao pé dos olhos...
(Mãe frustrada)
- São rugas, filho.
(Afonso consolador)
- Não são nada, mãe. São risquinhos. Eu gosto...

Digam lá que eles não são a melhor coisa do mundo?
Hoje percebi que o meu filho mais velho, já a caminho dos 7 anos, ainda não sabe ao certo que profissão têm os pais. É verdade que a mãe faz muita coisa... e que o pai muda muitas vezes de profissão. Mas nunca o imaginei tão baralhado.
- A professora é que perguntou o que tu fazias, e eu disse que não sabia bem... mas que escrevias ou desenhavas, não sei...
Expliquei que só escrevia. Desenhar, tem dias, mas prefiro delegar a tarefa a quem tem mais jeito do que eu.
- Mas escreves o quê?
Ai, filho! Tanta coisa... Nem sei por onde começar... E o mais curioso é que, pelo menos 2 a 3 vezes por semana, explico nas escolas o que faço, quando vou promover os meus livros e os miúdos me fazem esta mesma pergunta: O que é que escreves? Mas será possível que eu ainda nunca tenha elucidado do meu filho? Como é que ainda nunca me dei ao trabalho de lhe explicar?
- E o pai, filho? Sabes o que é que o pai faz?
- Sim, mami. Essa é fácil. É fotógrafo.
Claro! É a única coisa que ele vê o pai a fazer...
- Ó pai... vai lá tirar umas fotos aos miúdos, que eles hoje estão giros de igual...
E vá de sessão fotográfica o fim-de-semana inteiro. O pai bem queria ser fotógrafo a tempo inteiro, mas digamos que tem muitas contas para pagar... Será que o meu filho vai entender esta parte? Bem... eu também tentei explicar-lhe, mas acho que não tive muito sucesso.
- Sabes que as pessoas podem ter mais do que uma profissão. A mãe, por exemplo, escreve livros mas também escreve guiões, é guionista.
Trocou-me por uma publicidade na televisão, mas depois acabou por me dizer.
- Ó mãe... quando eu for grande também quero ter duas profissão.
Babei... Finalmente o meu filho ia querer ser outra coisa para além de futebolista! Olhei para ele, ansiosa, mas a resposta não podia ser mais desconcertante.
- Quando for grande quero ser pato e galinha. Vou já começar a treinar...
E saiu da mesa, alegremente, a fazer Quáquá Boc Boc, Quá Quá Boc Boc...
E assim andam as aspirações das novas gerações...
Hoje passei o dia cheia de comichões na cabeça. Uma comichão numa reunião, outra comichão na outra, comichão ao computador... "Irritação no couro cabeludo", pensei. "Malditos champôs de supermercado". Só quando o Afonso chegou da escola a coçar-se, é que se fez luz na minha cabeça, que percebi então estar - e vou usar a palavra mais deprimente que conheço - piolhosa! Fui a correr inspeccionar a cabeça do Afonso, qual mãe macaca, e o primeiro teimoso, pequenino mas com as suas patinhas minúsculas a querer segurar um fio de cabelo do meu filho, lá estava. Um piolho. Pânico! Ainda tinha o champô que tinha usado há uns tempos, preventivamente, numa altura de infestação no colégio, e fui encher a cabeça dele de espuma. "Hão-de morrer, safados!". Tirei-lhe quatro. A seguir enchi a minha cabeça de champô e estive também de volta do pente uma porção de tempo. Mais dois. Somos uma família de piolhosos! Credo! O pai já disse que não dorme comigo (depois não venha pedir-me para eu lhe catar os piolhos, se eles também lhe chegarem à cabeça...), e amanhã será dia de inspecção pela cabeça dos outros três piolhos, que vão ficar de quarentena. E eu? Faço quarentena também, ou vou alegremente espalhar piolhos em mais umas reuniões de trabalho?
O Afonso voltou a recriar a Bíblia. Até chamei o pai para ele ouvir. É que há coisas que, contadas, ninguém acredita. Então a versão de hoje era assim:

O Afonso tinha nascido antes de Deus. Não foi criado por ninguém. Apareceu... puff! E teve três filhos: o Sebastião, que passava o dia a dançar o Tangas (dança inventada por ele), o Duarte, que era o cozinheiro dele, e a Leonor, que era a sua empregada. O Sebastião teve dois filhos: Maria e Deus.
Um dia, apareceu uma sanita voadora e o Afonso fez xixi e cocó. Do seu cocó nasceu o planeta Terra. Sempre que voltava a fazer xixi, chovia na Terra. Depois apareceram os dinossauros e mataram-no. Mas, no dia do meu casamento com o pai, ele resolveu ressuscitar e tornou-se nosso filho.

Enfim... palavras para quê?
Os meus gémeos estão de comer! Com dez mesinhos acabados de fazer, já correm a casa toda nos voadores, chamam "mama" e "papa", a Leonor já usa ganchinho e cada um deles tem dois dentinhos de amostra. Uma ternura! O Duarte é rapazola: mexido, esguio, inquieto. A Leonor é meninha: sossegada, observadora, deixa cortar as unhas e consegue ficar sentadinha a brincar (o irmão atira-se logo para o lado para ir apanhar qualquer coisa). Àparte as diferenças que poderia atribuir aos géneros, são diferentes em quase tudo o resto. O Duarte adormece às 8 e meia da noite e acorda às 8 da manhã. A Leonor adormece às dez e acorda às seis da manhã, altura em que vai fazer companhia ao pai, que é igualmente madrugador. O Duarte gosta de chuchas de silicone. A Leonor de chuchas de borracha. O Duarte gosta dos bicos das tetinas com furos maiores. A Leonor gosta daqueles com furos pequenos. O Duarte ri-se para toda a gente. A Leonor só se ri depois de algum tempo a ganhar-lhe a confiança. O Duarte tem medo de barulhos (varinha mágica e 1, 2, 3). A Leonor fica impávida e serena quando os ouve.
Poderia continuar o role das diferenças, que me leva a perguntar como é que dois seres que passaram nove meses na mesma barriga e são criados da mesma forma pelos pais, podem ser tão diferentes. É a prova provada que, desde pequenos, eles são o que os pais fazem deles, mas também muito aquilo que já são. Que sempre foram. Herdado, muitas vezes, mas combinado de forma a ser único e irrepetível. É, sem dúvida, o milagre da vida.
Ontem resolvi oferecer um diário ao Afonso. Com cadeado e chave, à moda antiga. Fui mostrar-lhe os meus diários e expliquei-lhe que aquilo que eu escrevia não era lido por ninguém. Ou melhor, supostamente, porque a avó Antónia volta e meia quebrava as regras e lá ia espreitar os meus escritos, a tal ponto que cheguei a deixar-lhe recados no próprio diário: "Não leias mais" ou "Se acabaste de ler, peço-te que não voltes a fazê-lo", etc. Enfim, coisas da adolescência. Acontece que o Afonso não é nenhum adolescente. Tem uns míseros seis anos, e anda ainda na descoberta das letras. Mas achei que o facto de ter algo secreto onde pudesse escrever, o aliciaria para a escrita. E a verdade é que funcionou. Hoje de manhã, assim que lhe entreguei o diário e lhe expliquei as regras, fechou-se no quarto e foi escrever a sua primeira frase. O problema foi depois:
- Já acabaste, Afonso? Posso ler?
- Claro que não, mãe! É secreto.
- Ó filho, mas tu só tens seis anos. Não podes ter segredos para a mãe.
- Um diário é privado. Não pode ser lido nem pelos pais.
Para evitar espreitadelas da mãe - semelhantes às da avó Antónia - hoje passou o dia com a chave ao pescoço, dentro de um saco da Kidzania. Lá ia fazendo "pirrassa" e saracoteando-se à nossa frente com o seu diário, e eu e o Sebastião passámos o dia a tentar ler a maldita frase que ele lá tinha escrito. O Sebastião foi menos discreto e conseguiu rapinar-lhe por duas vezes o diário. À primeira foi apanhado pelo irmão e acabou a chorar. À segunda foi apanhado por mim, na casa de banho, a tentar forçar o diário trancado que me tinha custado 15 euros, e acabou a ouvir um raspanete: "Não ouviste o teu irmão? Um diário é secreto!". Mas depois de tudo deitado e o pai também já a dormir, quem não se aguentou fui eu! O dário estava à mão de semear, o saco com a chave também e eu, na calada da noite, acabei por invadir a privacidade do meu filho logo no primeiro dia do seu diário secreto. Que péssima mãe! Pior fiquei ainda quando abri o diário, a roer-me de curiosidade, e li a seguinte frase:

A MAMÃ É BONITA

Mas foi tão feia...
Os meus filhos não gostam da sopa da Mila. A Mila é a senhora ucrianiana que neste momento é o meu braço direito, e o esquerdo, e o pé direito e o pé esquerdo, pelo menos. Cheia de boa-vontade, aventurou-se a fazer sopa à portuguesa, mas o Afonso e o Sebastião descobrem sempre nela um travo a ucraniano. Como não tenho tempo nem paciência para passar a ser eu a fazer a sopa, nem sequer para estar a inspeccionar a sua confecção, optei por pensar em formas de pôr os meus filhos a comê-la sem refilar.
Fórmula número 1: jogo da careta - ver quem faz a careta mais feia depois de comer cada colherada de sopa
Fórmula número 2: jogo dos nomes - dar nomes às colheres. Colher do Ó, Colher Afonso, Colher Sebastião 4 B, etc, etc.
Fórmula número 3: jogo das palavras mágicas - a boca só se abre para receber cada colherada se forem ditas palavras mágicas a rimar com o número. Colher número um - Abracabrum. Colher número dois - Milhararipois, etc.
...
Isto terá de ser infinito, porque com as crianças as fórmulas são sempre descartáveis. Funcionam uma única vez e nenhuma vez mais. Mas enfim... há aspectos positivos: obriga as mães a puxarem pela sua criatividade.

(Resta dizer que a fórmula do pai é um bocadinho mais simples. Diz "Comam a sopa" e eles comem. Porque será?)
Afonso no seu melhor:

- Ó mãe... sabes que lá na escola ninguém pode fazer xixi numa sanita que lá está. Quem fizer fica gay...
(respiro fundo. Mais cedo ou mais tarde teria de explicar a homossexualidade aos meus filhos. Tinha chegado o momento)
- Tu sabes o que é ser gay, Afonso?
- Não... mas estive a pensar e acho que deve ter a ver com Gay(me) Over...

Ri-me tanto que já não lhe consegui explicar coisa nenhuma...
Costumo dizer que o Afonso é o filósofo dos meus filhos, mas o Sebastião volta e meia também se sai com umas que parecem duas ou três:

- Ó mãe, se as pessoas não tiverem água, elas morrem?
- Sim, filho.
- Ó mãe, se as pessoas não tiverem comida, elas morrem?
- Sim, filho.
(pausa)
- Ó mãe, se as pessoas não tiverem nada, elas ficam tristes?
- Nada... nada de quê, filho?
- Nada de nada.
- Sim, filho, ficam tristes.
- Pois é... não morrem mas ficam tristes.
- Então ainda bem que nós temos tudo, Sebastião. Tudo de tudo.
- Pois é... ufa!

(sorriso na cara e mais um bocadinho de pão com queijo)
Hoje, depois de mais uma guerra diária para meter tudo na cama por volta das 21h, comigo já a arrancar cabelos, o Afonso lamuriou-se como um verdadeiro "Calimero":
- Não é justo! Porque é que és sempre tu a mandar? Nunca posso ser eu... Não é justo.
Respirei fundo e resolvi inverter as regras do jogo, para não terminar a noite zangada com ele:
- Muito bem. Então agora mandas tu. O que é que queres que eu faça?
- A sério, mamã? - os olhos dele até brilhavam.
- Mas rápido antes que a mãe se arrependa...
- Quero que... me deixes dar-te um beijinho.
Aproximei a cara e recebi um beijo delicioso.
- E mais, Afonso?
- Quero que... que... que...
Não lhe saía nada.
- Então, filho?
- Quero que... nunca mais me deixes mandar em ti...

Abraço e uma noite feliz. Rápido e sem mais lamúrias. Amanhã terei de inventar outra estratégia semelhança...
Hoje, no caminho de regresso a casa, contei a seguinte história aos meus filhos:

Era uma vez um ovo de gaivota que rolou para uma capoeira de galinhas. E assim que ela nasceu, olhou à sua volta e só viu galinhas. Ela, achando que era uma delas, cresceu a imitá-las, mas sempre se sentiu diferente e algo desajeitada. Certo dia, a gaivota olhou para o céu e viu gaivotas a voar. Ficou tão maravilhada que perguntou a outra galinha o que era aquilo. A galinha respondeu-lhe que era uma gaivota. A gaivota ficou fascinada com o que vira e insistiu com a galinha. Perguntou-lhe porque é que elas não voavam ou planavam como as gaivotas. A galinha respondeu-lhe que o lugar delas era na capoeira, a comer milho, e explicou-lhe a diferença entre as galinhas e as gaivotas. A gaivota ficou triste porque, afinal, ela preferia ser como aquela gaivota que voava, sem saber que ela também era uma delas.

(“Canja de Galinha para a Alma”)

- E então, meninos? O que é que vocês acham? Que são galinhas ou são gaivotas?

(resposta do Sebastião):

– Eu acho que sou um menino.

(Dah! A mãe faz sempre perguntas tão idiotas!)

- E tu, Afonso?

- Eu acho que TU és uma gaivota.

(silêncio da mãe)

- Porquê, Afonso?

- Se me estás a contar essa história, é porque queres ser uma gaivota. Queres deitar-nos na cama e sair pela janela a voar…

(novo silÊncio da mãe)

- Se calhar eu até já voo, Afonso. Sabes que há muitas maneiras de voar...

- Então por isso é que andas tão cansada. Pões-te a voar e não dormes…

A conversa ficou por ali, mas levou-me a perguntar-me a mim mesma se os filhos não precisarão mais de uma mãe galinha do que uma mãe gaivota. Não cheguei a perguntá-lo ao Afonso, mas depois imaginei a resposta dele e sosseguei:

- Afonso, os filhos precisam mais de uma mãe galinha ou de uma mãe gaivota?

- Depende, mãe.

- Depende do quê?

- De o filho ser um pinto ou uma gaivota-bebé...
O Afonso adora imaginar presentes! Faz desenhos, prepara envelopes, escreve nomes... Mas quando chegou o aniversário do pai ficou sem saber o que fazer.

- Afonso, tens de fazer um presente para o pai. Ele está triste, ainda não lhe deste nada... Vê lá se tens uma boa ideia...
- Já sei, mãe. Vou-te meter dentro de um envelope e oferecer-lhe... acho que ele vai ficar contente...

(acabou por oferecer-lhe um desenho com o emblema do Porto... Era um bocadinho mais "portátil")
O Afonso chamou-me, pouco tempo depois de ter ido para a cama. Que lhe doía a barriga, contou. Estava mal-disposto, mas depois acabou por dizer que estava a ter um pesadelo. Mas era um daqueles pesadelos de olhos abertos. Acalmei-o, dei-lhe aquelas dicas para matar os pesadelos (quando ele vier, pensas em bolachas D'oreo, no Monopólio e nos Backugan), e quando já estava de saída ele chamou-me e perguntou-me, com a sua vozinha mais triste:
- Ó mãe, quando morrermos podemos voltar a existir?
Expliquei-lhe que algumas pessoas acreditam nas reencarnações (alivia mais o meu filho do que a história do "Céu", porque o Céu é longe e nunca ninguém o viu. Reencarnações sempre diz que voltamos à terra, que todos conhecemos e é, mesmo com tudo o que tem de mau, um lugar maravilhoso), mas que eu não sabia o que havia depois de morrermos, só sabia que devíamos aproveitar muito bem enquanto cá estamos. Uma resposta complexa, mas a pergunta também não o era menos!
- Ó mãe - continuou ele - podemos pedir a um cientista para inventar uma maneira de nunca morrermos?
- Podemos, filho, claro. Até podes vir a ser tu esse cientista.
- (sorriso) Não. Eu não consigo. Tem de ser um cientista a sério. Conheces algum, mãe?
- Conheço a tia Ana. Ela é cientista. E está a estudar as doenças.
- Eu sei. Como a gripe A.
- Queres que a mãe fale com ela?
O Afonso anuiu e voltou a deitar-se sem dores de barriga e má disposição. De tempos a tempos, o pesadelo regressa. Só espero viver muitos anos para poder continuar a dizer-lhe o que ele precisa de ouvir, e dormir descansado. Ainda que, depois de acalmar os pesadelos dele, tenha de sossegar os meus...
(Afonso)
- Mãe, se eu sou um puto tu és uma gaiata... (vá lá, podia sair qualquer coisa pior!)

(Sebastião imediatamente, para não se ficar atrás)
- Mãe, se eu sou lindo tu és... uma lenda!