Depois de uma sessão experimental de ioga, na escola, o meu Sebastião chegou a casa capaz de resistir a qualquer reprimenda. Qualquer chamada de atenção que lhe fazia, o Sebastião fechava os olhos, colocava os dedos nas extremidades da testa e, com a boca fechada soltava um "Aummmmm". Obviamente que me ri mais do que ralhei com ele. Quem é que resiste a uma coisinha de palmo e meio, com umas bochechas enormes e o sorriso mais malandro do mundo? A mãe não é certamente...

PS - Outra do Sebastião:
- Sebastião, já sabes como é que chama a escola do mano?
- Já. É a escola dos Maricas...
(só espero que os irmãos Maristas nunca leiam este blogue)
- Ó mãe, não consigo adormecer!
A frase típica do Afonso cinco minutos depois de se deitar...
- Então porquê? O que é que se passa hoje?
- Quando olho para a direita, os buraquinho (da rede protectora da cama) mostram-me imagens de coisas más. Se olho para a esquerda (para o seu inseparável boneco de dormir) o boneco ganha vida e ataca-me...
- Se não podes olhar para a direita... nem podes olhar para a esquerda... olha para o tecto!
- Mas se olho para o tecto não vejo os ladrões a entrar pela porta...
(de regresso a casa, depois da escola, quando as conversas fluem e os quilómetros nos levam em filósoficas viagens sem destino):
AFONSO: Mamã, tu gostaste de crescer?
MÃE: Gostei, filho. É bom crescer. Tu também vais gostar.
AFONSO: Acho que não, mamã...
MÃE: Mas é bom crescer, piolho. Aprendes coisas novas, começas a decidir por ti...
AFONSO: Mas eu acho que há uma coisa no mundo que é injusta...
(antecipei imediatamente a resposta. Ele é TÃO meu filho! Impressionante. Os mesmos medos. As mesmas angústias. As mesmas injustiças...)
MÃE: O que é, filho?
AFONSO: Eu não queria morrer e tornar-me numa estrelinha... Por isso é que eu não queria crescer...
(só não engoli em seco porque já tinha antecipado a resposta. Olhei-o, sorri-lhe e percebi que ele estava à espera que eu dissesse alguma coisa. E eu tinha a minha resposta. Só não sabia se era cedo para lhe dizer)
AFONSO: Há alguma maneira de não morrermos, mamã?
(tinha que lhe dar a única resposta que sabia. Havia outras bem mais simples. Mas, à custa de fazer tantas vezes as mesmas perguntas que o meu filho acabara de fazer, acabei por deixar de acreditar nelas)
MÃE: Acho que não, filho. Mas se esta vida é a que temos, e é tão boa, tens que a aproveitar. E gostar de crescer...
(calou-se. Ficou a pensar. Depois pegou em dois Gormittis e começou a brincar. Há respostas que nunca dão serenidade. Mas há que aprender a viver sem ela... e levar a vida a brincar...)
(no carro, a caminho da escola)
AFONSO: Ó mãe, eu gostava de ser jogador de futebol, mas também tenho que ser piloto de naves.
MÃE: Então, filho... podes ser as duas coisas...
AFONSO: Posso?
MÃE: Podes ser piloto de naves e jogar futebol no espaço...
AFONSO: Boa! Dou pontapés aos planetas...

SEBASTIÃO: E eu, mamã?
MÃE: O que é que queres ser, 'Batião?
SEBASTIÃO: Não sei...
MÃE: Gostas muito da tua lanterna... e de animais... Podias ser explorador!
SEBASTIÃO: Sim! Sim!
AFONSO: Não pode não, mamã. Senão ainda pode ser comido por um crocodilo.
MÃE: E polícia? Tu gostas de andar atrás dos ladrões com a tua pistola, 'Bastião.
AFONSO: Também não pode ser, mãmã. Porque o Sebastião ainda não sabe que há pistolas a brincar e pistolas a sério. Pode dar um tiro nele com uma pistola a sério e morrer.

Do mal o menos, ficou explorador... Com argumentos destes...
Uma semana e meia depois do meu filho Afonso ter entrado nos Maristas, começaram as perguntas difíceis:
- Ó mãe, como é que as pessoas morrem e vão para o céu?
- Ó mãe, porque é que as pessoas falam com Jesus e ele não lhes responde?
- Ó mãe, se não tivermos cruzes ao pé de nós, Jesus não está connosco?
Eu, fervorosa adepta do cepticismo, respondo a tudo dando vários exemplos de como as pessoas das várias religiões encaram os diferentes dogmas das Igrejas. E convenço-me que devo passar informação aos meus filhos para que eles decidam no que devem acreditar e como. Será muito, para uma criança de 4 anos (o Sebastião ainda não fica a pensar nas minhas respostas)? Será que as crianças devem ter pais que tenham verdades absolutas e respostas para lhe dar? Será que estou a confundir os meus filhos? Ou a dar-lhes liberdade suficientemente para eles pensarem o mundo, a vida e a morte e chegarem às suas próprias conclusões?
A mãe anda a escrever um livro sobre extra-terrestres. O pai anda a papar as séries todas do Stargates. E o filho, talvez entusiasmado com a capa da nova Courrier International (sobre o tema) e os pedaços de Stargate que apanha na televisão, não tem parado de soltar teorias do outro mundo:
- Ó mãe, eu quando nascer outra vez vai ser num país cheio de extra-terrestres e vai ser muito mais divertido.
(...)
- Ó mãe, eu daqui a uns tempos vou comandar uma nave e vou a outros planetas. Não posso é ter janelas, porque no espaço há sempre pedras a bater nas naves.
- É uma nave ou um foguetão?
- Uma nave, mãe. Os foguetões já existem agora. Eu vou numa nave.
- Ah! Então vais inventar uma nave.
- Não. Isso vai ser outra pessoa. Eu só vou comandá-la.
- E levas a mãe a ver outros planetas, filho?
- Não, mãe. Tu nessa altura já morreste...
(espera aí... não é suposto as crianças de 4 anos acharem que os pais são imortais?!)
(Afonso a meio de um doloroso e interminável pequeno-almoço, daqueles em que ele se queixa vinte vezes que lhe dói a barriga e quando chega a hora de ir para a escola ainda só vai a meio do pão):
- Ó mãe, queres que eu te explique como é que se faz o vomitado?
(Adoro sempre as explicações que o meu filho arranja para explicar os fenómenos que ainda não conhece)
- A comida desce e dentro da barriga há muitos martelos que começam a bater-lhe para a transformarem em vomitado. Às vezes a barriga fica muito cheia e um dos martelos bate com força no vomitado para ele vir para cima. É assim que se vomita...
E pronto. Assim se faz ciência cá em casa. Com especulações e alguma imaginação...
- Então, Afonso, o que é que fizeste na escola?
- Um desenho que dei à minha professora.
- E o que é que desenhaste?
- Era para fazer uma pessoa. Mas fiz uma cabeça muito grande e já não cabia mais nada. Então tive uma ideia. Desenhei muitas bolhas ao pé daquela e fiquei com muitas cabeças. Depois fiz uma bolha gigante à volta das cabeças todas.
- Mas para quê, Afonso?
- Eram muitas pessoas a sair de um ovo...
(ok, o meu filho continua a pensar que há pessoas especiais - onde ele se inclui - que nascem de ovos. Imagino a cara da professora da escola nova, que só o conhece há cinco dias...)
(Sebastião para a mamã)
- Quero colo!!!
- Então anda cá, piolho... A mamã dá-te colo...
(colinho)
- Ó mamã... eu afinal quero dois...
Enquanto jantávamos e na televisão passavam reportagens sobre a onda de crime que tem assaltado o país nos últimos meses, o Afonso saiu-se com esta:
- Eu sei o que são os ladrões...
Respondi com o habitual "Ai sim?" que é sempre a melhor maneira de puxar por ele.
- São pessoas que roubam coisas. E também roubam crianças. Entram nas casas das pessoas com sacos, enquanto elas estão a dormir, metem as crianças lá dentro e levam-nas.
Assustei-me, porque não queria o meu filho assustado...
- Não é bem assim, Afonso. É verdade que algumas crianças já foram raptadas (e como negá-lo, se o caso Maddie andou tanto tempo naquela cabecinha a querer ser adulta), mas isso não te vai acontecer a ti... Tu estás connosco. Nós protegemos-te...
- Mas à noite vocês estão a dormir. Por isso é que eu nunca durmo. Durmo de olhos abertos. Para não ser raptado...