Coisas de Pais
O meu filho Afonso já chegou àquela idade em que não consegue ouvir uma discussão dos pais sem intervir. Normalmente tentamos adiar as questões para um horário tardio, quando o sono profundo já cerrou os ouvidos aos nossos filhos, mas nem sempre a racionalidade nos cala uma resposta mais torta em horário inoportuno, e uma resposta torta puxa outra, e sobe o volume da conversa sem que nenhum de nós perceba no momento a figura patética que está a fazer. Nós não nos apercebemos, mas os filhos sim. O Afonso já não deixa passar uma troca mais acesa de palavras sem se meter ao barulho: “Estão a falar do quê? Estão zangados? Eu não portei mal. Foi o Sebastião...” Se não terminamos imediatamente a discussão para lhe explicar que só estavamos a conversar mas já acabámos, ele desata a imitar-nos com monossílabos imperceptíveis, tipo professora do Charlie Brown, cada vez mais alto, e mais alto, e mais alto, até nos calar. Sentimo-nos os piores pais do mundo e calamo-nos. Não resolvemos os assuntos, o que à partida pode parecer mau, mas a verdade é que o facto de serem os nossos filhos a calar-nos, faz-nos perceber que talvez os assuntos não sejam assim tão importantes. Pelo menos não serão mais importantes do que eles...
Ontem cometi o grave erro de atender um telefonema importante de trabalho durante o jantar dos meus filhos. Meti a minha empregada entre um e outro, na esperança de que a colher fosse partilhada sem incidentes de maior. Mas os filhos têm esse dom de perceber quando os pais estão ansiosos e os trocam pelo trabalho, e a sua forma de chamar a atenção é transfigurem-se. O Sebastião reagiu melhor, porque já está habituado a ver-me em casa sem lhe ligar nenhuma, quando estou a trabalhar, mas o Afonso tem o privilégio de me ter só para ele a partir do momento em que sai da escola até que se deita. De forma que um telefonema atendido em hora oportuna, no espaço deles, em frente ao Ruca, ainda por cima (porque era lá que o telemóvel estava a carregar), transformou o Afonso num verdadeiro monstrinho, qual Greemlin metamorfoseado, capaz das piores atrocidades. Desde cuspir a comida para cima do irmão, até dar gritos e pontapés à Teresa, subir para cima da mesa e deitar a cadeira abaixo, tudo aconteceu naqueles instantes em que a minha atenção tinha que estar a 100% naquele telefonema: “Sim, aceito o trabalho, sim… Só um momento que tenho que ir pôr o meu filho de castigo… Sim, ainda aqui estou… Afonso, não te atrevas a sair daí! Sim, continuando, quanto é que pagam e tal?”. O caos! Depois do telefonema terminado, fui zangar-me com o meu filho, que me desarmou com um “Mas tu estavas à frente do Ruca, mamã… eu chamei-te muitas vezes e tu não ouviste…” Nada justifica os maus comportamentos dos nossos filhos, mas às vezes também nada justifica os nossos. A próxima vez que tiver que atender um telefonema de trabalho… vou para o escritório!
PS - Quando fizemos as pazes, expliquei ao meu filho que o meu trabalho era escrever. E ele tratou logo de improvisar: "Eu também vou escrever, mamã. Vou escrever o Harry Potter. O Harry Potter e a espada." Perguntei-lhe como seria a história e ele respondeu: "Eu e tu vamos lutar pelo amor da Floribella..." Vamos ver se a JK Rowlings não lhe copia a ideia...
Coisas de Pais
A tradição mantém-se e, pelo terceiro ano consecutivo, ajudei o meu filho Afonso a escrever a sua carta ao Pai Natal. No primeiro Natal dele escrevi uma carta para a família achar piada, no segundo obriguei-o a escolher alguns brinquedos de um daqueles catálogos que nos chegam a casa por esta altura, e neste terceiro obriguei-o a não escolher todos os brinquedos que apareciam noutro mesmo catálogo do género. Porque se no ano passado ele não queria quase nada (ou apenas aquilo que os coleguinhas da escola queriam), este ano ele quer o que os colegas querem, o que os colegas não querem, o que ninguém quer... comecei por assinalar os brinquedos que ele me apontava, depois passei a assinalar as páginas em que ele queria tudo, e depois como percebi que eram quase todas, assinalei apenas as que ele não queria (as cor-de-rosa, e mesmo assim ainda queria as bonecas para eu poder brincar). Foi duro reduzir as opções a um total de três pedidos, mais um pedido para mim, para o pai e para o Sebastião. Para mim e para o pai foi ideia dele. Para o Sebastião foi imposição minha, e tive que lhe prometer que, mesmo vindo o brinquedo em nome do irmão, ele também iria usufruir dele...
A tradição, depois, manteve-se no resto: eu a tirar a tesoura das mãos do meu filho porque ele estava a escortanhas os brinquedos escolhidos, eu a escrever e ele a querer riscar a carta toda, e por fim eu a berrar "volta para aqui! Nem penses que me deixas sozinha a escrever a tua carta ao Pai Natal!" Enfim, consola-me saber que ele daqui a uns anos vai gostar de ler estas cartas e não se vai lembrar que as alegres tardes de Domingo em família eram também aquelas em que a mãe perdia mais vezes a paciência por minuto.

Acabou a primeira etapa do Natal. Ufa! Para a semana montamos a árvore. Com o Sebastião já a andar, prevê-se um novo record na minha taxa de desesperos. E viva o Natal!

PS - Parabéns ao Manelinho! É um dos meus cinco sobrinhos-maravilha (só falta o cão). Vou falar deles um dia destes.
Coisas de Pais
Hoje estava a explicar ao meu filho que há pessoas que ficam velhinhas e morrem – explicar por que morrem as mais novas vai ter que ficar para quando eu própria tiver uma explicação – e ele respondeu, muito sério: “Sabes, mamã, eu também já fui velhinho e já morri.” Não resisti a puxar pelo assunto, ainda que os pelinhos dos meus braços já estivessem todos em pé. As crianças têm o dom de dizer coisas sem querer que geram intenções múltiplas nos adultos: “Porque é que ele disse isto? Já foi velhinho quando? Reencarnações? Vidas passadas? Uhhhh...”: Quis saber como foi e quando foi: “Eu não morri sozinho, mamã...” Ah, estava com alguém... Quem era? Porquê? A minha curiosidade mórbida tentava disfarçar-se num tom de voz infantil (aquele que usamos para estragar de mimos os nossos filhos). “Conta lá, filhote...”
Mas não tardou muito até que o assunto “pseudo-sério” desvalasse em disparate: “Estava com um leão, mamã. Ele mordeu-me e eu morri. Veio o Tigre e comeu-me”. Ok, respirei de alívio, embora a dramática cena que acabara de ouvir fosse para tudo menos para isso. Chegámos ao destino e o assunto “morreu” por ali... por pouco tempo, no entanto. Algumas das brincadeiras da tarde meteram mortos (metem sempre, quando ele se lembra de brincar com espadas: “Estás morrida, mamã!”), e dá-me ideia que o conceito foi aprofundado durante os sonhos da sesta: “Mãe, temos que ir buscar aquela senhora que morreu... Não pode ficar na rua senão vêm as outras pessoas e pisam-na...” Senti-me culpada pela minha tentativa de conversa educativa da manhã. Ele já tem monstros e dragões que cheguem a povoar-lhe os sonhos, não precisa de mais um. Só queria prepará-lo para entender algumas coisas que ele vai ter que viver, mas se calhar isso só se entende mesmo quando se vive. E é a partir desse momento que, seja em que idade for, se deixa de brincar aos mortos e morridos.
Coisas de Pais
O Sebastião começou a andar! Foi assim, de repente, largou a mão e lá foi ele, percebeu que se abrisse as pernas tinha mais equilíbrio, e que se andasse devagar chegava mais longe. Abriu os braços e caminhou. Uau! Já não me lembrava da primeira do Afonso - o Centrum não anda a fazer o trabalho como deve ser - e comovi-me! Com o segundo filho comovemo-nos menos, é o milagre do nascimento, mas depois eles começam a fazer tudo o que o irmão já faz há muito tempo, e é mais difícil as lágrimas virem-nos aos olhos com os primeiros gestos mais intencionais, ou os primeiros monossílabos. Mas talvez a minha memória me tenha pregado esta partida de propósito, e tenha relegado a lembrança dos primeiros passos do Afonso para as calendas, só para eu viver os primeiros do Sebastião com toda a emoção da primeira vez. E foi liiiindo! Claro que o Afonso tentou atropelar o irmão dez vezes, enquanto puxava o casaco de toda a gente e repetia "Olhem, olhem, eu sei correr..." Não percebeu a relevância dos primeiros passos do irmão. Mas não tardará a perceber. Quando o irmão começar a correr atrás dele pela casa fora, nem se vai lembrar mais que perdeu outro exclusivo (já tinha perdido a anca do lado esquerdo, o direito a chorar em locais públicos, a liberdade de desarrumar sem arrumar...). Vai haver 1000 metros brinquedos todas as noites, e maratona de destruição livre todos os fins-de-semana. Convido desde já as entidades interessadas para patrocionar as provas... Os lucros reverterão para a reabilitação cá de casa...
Coisas de Pais
Há uns tempos perguntei ao Afonso se ele gostava que a mãe tivesse um bebé na barriga, ou que ele respondeu um imediato "sim" - desde que fosse ele próprio a vir cá para dentro. Com paciência, e contrariando a teoria da cegonha, expliquei-lhe que os bebés cresciam na barriga da mãe, saíam, cresciam ainda mais e mais, e depois já não podiam voltar porque já não cabiam cá dentro outra vez. O assunto morreu por ali, pensei eu que ele tinha interiorizado o conceito de nascimento e crescimento da forma simplista como eu o explicara, mas da vez seguinte que tornei a perguntar-lhe se ele gostava de ter outro maninho, o redondo "sim" dele já tinha uma teoria bem complexa a suportá-lo: "Sim, mamã... mas o papá precisa de encher a tua barriga outra vez, não é?". Falhou-me a quarta (as nossas conversas mais profundas são quase sempre no carro) e fiquei sem saber como fazer avançar aquela conversa. "Onde é que ouviste isso, filhote?" Triturando bolachas, ignorou-me e mudou de assunto. As crianças são como os jornalistas, nunca revelam as suas fontes...
Do querer voltar para a minha barriga à compreensão do papel do pai em todo o processo foi um passo de gigante em poucos dias. Mas o meu filho tornou a superar-se, hoje, na sua inteligibilidade do mundo: agora diz que quer ser ele a gerar o seu próprio irmão! "A minha barriga vai crescer, mamã! Crescer, crescer..." Pergunto-lhe se não era mais fácil o bebé crescer na minha, mas a ideia não lhe agrada: "Agora é a minha vez, mamã". Sem lhe querer roubar o protagonismo do próximo aumento da família, limito-me a perguntar-lhe que nome iria ele dar ao irmão que tinha na barriga. Ele olha-me com aquele olhar que reduz qualquer adulto à sua insignificância de crescido e responde: "Sebastião, mamã!" Óbvio! "E se for uma menina?" - continuei. "Sebastião-menina". Claro! Os irmãos são como aqueles animais que têm o mesmo nome para o macho e fêmea. Não interessa o sexo. Têm é que ter um bom dorso para servirem de cavalo ao Afonso, e apetite para comer os restos de pão ou bolacha que o Afonso já não quer, antes que a mãe apareça. Prioridades...
Coisas de Pais
O meu filho gagueja. Ou melhor, tem o síndrome não sei das quantas que, traduzido em miúdos, significa apenas que tem um pensamento mais veloz do que a sua capacidade de articulação. "É normal nas crianças" - disse a pediatra. Respondi-lhe que eu já não era uma criança e acontecia-me a mesma coisa, ao que ela respondeu sem piedade alguma: "Pois, isso é que já não é nada normal". Não fosse eu começar a formular teorias sobre a minha gaguês, abriu a porta do gabinete e fez um sinal de "next" à secretária. Ok, aquilo não era nenhum consultório de psiquiatria. A pediatria tem essa vantagem. As crianças não vão ao médico para conversar sobre os seus problemas. Ainda que os tenham, querem sair dali o mais depressa possível para irem brincar. Os pais às vezes são mais chatos, mas um bom pediatra sabe como arrumá-los a um canto ("Não seja tão protector!", "Para que é que lê tanta revista sobre o assunto? A médica sou eu!", "Vá mas é brincar com o seu filho, que está óptimo! De brincar é que ele precisa, não é de um pai chato a inventar-lhe problemas!").
A verdade é que o meu filho gagueja, quer contar as coisas e fica frustrado porque a cabeça já vai mais à frente e é preciso dizer tantas palavras para os outros perceberem tudo o que queremos dizer depressa... uma chatice! Acontece-me com tanta frequência, que agora deixei de tentar falar depressa e opto por calar-me. Quando vejo que não vou conseguir dizer tudo, e uns ameaços de gaguês começam a salivar-me na garganta, calo-me e mudo de assunto, ou se estou sem paciência remato com um "esquece" e vou fazer outra coisa qualquer. Mas o meu filho ainda não está em idade de perder a paciência. Ainda vai ter que se explicar muito na vida. Às vezes pede-me para lhe contar uma história e eu peço-lhe para ser antes ele a contar-ma. Ao que ele responde "não posso, mamã. Ainda não sei as letras..." Pois é, meu pequenote. É uma boa desculpa. Pena que eu já não possa usá-la, tenho a escola toda. Só espero é que, quando souberes as letras, não te aconteça o que me aconteceu a mim. Em vez de continuares a esforçar-te por que te entendam, simplesmente calas-te e... escreves!
Coisas de Pais
Estou com um problema logístico. Onde colocar a minha árvore de Natal, agora que o meu Sebastião atravessa a casa toda derrubando tudo o que se lhe atravessa no caminho? A minha pequena bolinha de percentil 95 derruba as colunas da aparelhagem, o caixote do lixo que me dá pela cintura e está sempre pesadíssimo, pega numa panela de pressão só com uma mão e arranca-me os brincos das orelhas antes que eu tenha sequer percebido que ele vai fazer uma asneira. É rápido, ágil, tem força e é maroto (sabe exactamente que botão carregar para desligar o vídeo quando estamos a ver um filme, e se me distraio dois segundos já subiu metade das escadas a gatinhar ou enfiou as mãos na sanita). É muita coisa para uma criatura de 13 meses. Acho que tem o instinto de sobrevivência dos segundos irmãos que nascem perto dos primeiros. As mães não lhes dão a atenção que merecem, os irmãos mais velhos fazem-lhes trinta por uma linha, e eles lá vão criando as suas defesas, imitando como podem, crescendo na confusão de uns pais que não chegam para as encomendas, irmãos que ainda não sabem ser irmãos, e são sempre mais espertos e maiores e rápidos porque simplesmente são mais velhos. O Sebastião já sobreviveu a sete empregadas que vieram por sua causa, e a mãe, quando é dele (porque ele na maioria das vezes tem que ser da empregada), nunca é "só" dele, porque o Afonso não deixa. O Sebastião até é um bonzão, mas começou a acordar para a vida. Ou faz por ela, ou corre o risco de ser só mais um filho entalado no meio dos outros que a mãe ainda gostava de ter.
Quanto à árvore de Natal, não posso deixar de montá-la porque o Afonso não me perdoava. Mas sei que vai cair vinte vezes, e que as fotografias de Natal deste ano, em vez das borbulhas da varicela do Afonso do ano passado, vão ter os galos e nódoas negras do Sebastião. Lá vai o Carlos Calado ter que dar uso ao Photoshop...

PS - Hoje estávamos a brincar ao circo e perguntei ao Afonso se ele, em vez de palhaço, não queria experimentar ser domador de leões. Ao que ele, na sua imaginação de 3 anos, prontamente respondeu: "Não, mamã, já sei! Vou ser antes domador de Sebastiões!"
Coisas de Pais

Acabei de atacar a prisão de ventre do meu filho com um Bebegel cor-de-rosa. Ele soltou tudo o que tinha a soltar e depois abraçou-me e disse, muito ensonado: "Gosto tanto de ti, mamã". Voltou para a cama e deixou-me a olhar para o Bebegel vazio, enternecida, mas também culpada... hoje fez-me a vida negra, talvez para testar se os meus bons princípios do post anterior eram mais do que teoria. Bem... hoje foram. Ranking do dia: 5 ou 6 safanões, uma palmada de fugida e berros, muitos! Há, e também duas ameaças paternais ("chamo o teu pai e a ver se não comes a sopa toda..."; "se o teu pai aqui vem e isto ainda está assim, vais imediatamente para a cama! - que má mãe, que má mãe, que má mãe!). Da parte dele recebi alguns "És feia, mamã", e um "Já não gosto de ti" (daqueles que nos racham a alma ao meio). Acho que vou erguer um monumento ao Bebegel e, sempre que estiver prestes a perder a paciência outra vez, olharei para o tubinho vazio e recordarei que há pequenos gestos que podem marcar a diferença. E sim... bem... de preferência outro tipo de gestos.
Coisas de Pais
É difícil explicar a uma criança de 3 anos porque é que os pais de vez em quando podem dar umas “sapatadas” nos filhos e eles não podem responder da mesma forma. Passamos a vida a dizer-lhes “não batas nos teus colegas”, “não batas nos teus amigos”, “não se bate na avó”, “não se bate nos pais”, “não se bate, não se bate, não se bate”. E depois, à mais pequena asneira, lá nos voa a mão para cima da mão deles, do rabiosque, das pernas ou onde os apanhamos a jeito. Quase nunca o faço. Não consigo. Um dia o meu filho bateu-me e eu respondi-lhe da mesma forma e disse-lhe que estava muito triste com ele. Ele respondeu-me que também estava muito triste comigo porque eu também lhe tinha batido. E a verdade é esta: eu também errei. Senti que errei. Claro que os pais nunca batem nos filhos porque querem, ou por prazer. Batem-lhes (e quando falo em “bater” refiro-me a a pequenos “safanões” sem dano, não consigo sequer pronunciar-me sobre algo mais do que isto) porque 1) querem transmitir-lhes que eles estão errados (mas há tantas outras formas para o fazer...) ou porque 2) se descontrolam. Consigo admitir perfeitamente que um pai se descontrole quando um filho esperneia sem razão durante horas a fio, quando cospe vinte vezes a sopa, quando é malcriado, quando bate... Eu já me descontrolei algumas vezes, e admiro os pais a quem isso nunca aconteceu. Agora, um descontrolo é sempre alguma coisa má. Não posso ser apologista do descontrolo, porque ainda que um “safanão” ou uma “sapatada” dada no momento certo possa ser completamente inofensiva para uma criança, significa sempre que o pai ou mãe perdeu o controlo da situação e defendeu-se como pôde. Pode até ter bons resultados, mas é como jogar à bola com as mãos. A bola entra à mesma na baliza, mas podia ter entrado de outra maneira... “Devia” ter entrado de outra maneira...
Resta-me dizer que, com as devidas diferenças, acho esta questão parecida à do aborto: quem sou eu para condenar quem o faz por força das circunstância? (e mais uma vez abstenho-me de comentar quem o faz porque acha que tem esse direito) Não sei o que está por trás, e cada caso é um caso. Mas gostava que houvesse alternativas para ninguém ter que o fazer... Porque, numa questão e noutra, quem ganha são os filhos... e os pais.
Coisas de Pais
Sim, desta vez é mesmo namoradas, sem dúvidas no género, embora com um pequeno problema no número! É que os meus filhos disputaram ontem, pela primeira vez, uma miúda! “Uma” única miúda! Levei os dois a verem o musical da Floribella, embora o meu filho mais velho tenha tido um ataque antes de sair de casa e gritado, a espernear, que queria ir antes ver o Bob, porque a Floribella era para meninas! E eu que cheguei a duvidar da sua masculinidade, quando me falou que tinha um namorado no infantário... Enfim, lá lhe prometi que, além das bruxas, o espectáculos também ia incluir dragões e os florins do Frederico tinham grandes hipóteses de se transformar em espadas cheias de cores que alguém depois trataria de vender à porta, e que nós compraríamos para juntar ao arsenal cá de casa (só espadas, assim de cabeça, estou a ver umas seis...). No caminho entusiasmou-se e começou a cantar as partes que sabia do “Não tenho nada... mas tenho, tenho tudo...”, com a minha empregada (que também foi, para me ajudar na façanha) a desafinar pelo meio. Tudo teria sido perfeito se a chuva não tivesse parado a auto-estrada de Cascais e eu não tivesse demorado uma hora e meia a chegar ao Coliseu. Foi o tempo do Afonso fazer xixi nas calças e quase fazer cocó (bendida prisão de ventre!), e do Sebastião comer quase um pacote inteiro de bolachas para não chorar (a única forma de o fazer calar-se é dar-lhe uma bolacha. Agora percebe-se porque é que ele pesa o mesmo que o irmão...).
Já no coliseu, foi a aventura de encontrar um lugar no meio das bancadas cheias de miúdas vestidas à Flor, que não se sentavam nem por nada. Os pais e mães olhavam para mim a pensar “o que é que esta vem para aqui fazer com um bebé?”, e digamos que a minha empregada atrás, com o saco das fraldas e dos biberões, também não ajudou muito à opinião geral.
Sentámo-nos nas escadas, porque eu nem me preocupei em arranjar lugar melhor. Estava convencida que iríamos sair daí a pouco tempo. O Afonso estava cheio de xixi, com cólicas para fazer um cocó que teimava em não sair, e o Sebastião tinha jantado bolachas e já era quase hora de ir para a cama (já para não falar que me tinha esquecido da xuxa dele). Foi quando a Floribella começou a cantar e as fadinhas das causas perdidas iluminaram a minha desanimada futurologia de mãe. O Afonso começou a bater palmas, o Sebastião a abanar-se de um lado para o outro (ainda só sabe dançar horizontalmente), e durante a hora e meia que durou o espectáculo não houve rabos molhados, faltas de xuxas, cocós presos ou falta de comida a sério que os incomodasse. A única questão foi uma menina linda, aí de uns seis anos, ruiva com a pele muito branquinha, com ar de Nicole Kidman em ponto pequeno, que ficou ao nosso lado. A Flor começou a cantar o “Quando eu te vejo” e a ruivinha cantou com ela, sentida, emocionada, a precisar de um príncipe encantado a quem dedicar a canção. O Sebas estava ao lado dela, tocou-lhe sem querer, e a pequena fez-lhe uma festa na cara. O Sebas estendeu-lhe a mão e trucas! A menina agarrou-lha com força e começou a cantar de mão dada com ele, em êxtase. Quando me apercebi, cometi o erro de chamar a atenção do Afonso: “olha, olha... o teu irmão a fazer-se à vida... e tem ele só um aninho!” Antes que acabasse os comentários, já o Afonso se tinha levantado e aproximado das duas mãos dadas, que separou à bruta. Olhou a menina ruivinha, que tinha bem à vontade mais dois palmos do que ele, disse em voz firme “Eu sou o Afonso”, deu-lhe a mão, e passou o resto da canção a lançar olhares ferozes de irmão mais velho ao Sebastião. Depois, até ao fim, foi disputarem quem se sentava mais perto da menina, que a bem dizer, finda a canção, já não queria saber nada deles. “Putos”, deve ter pensado.
Já no regresso (felizmente sem trânsito, e com uma flor, em vez de uma espada), pus-me a pensar como serão os meus dois catraios no futuro. Há muitas vantagens em ter filhos com idades próximas, mas no que toca a namoradas, acho que ainda vou ter muitas histórias para contar neste blog...
Coisas de Pais
O Afonso de vez em quando tem uns ataques escatológicos e responde a todas as perguntas que eu lhe faço com “cocó” e “xixi”. Chega a elaborar frases complexas, dados os seus três anos acabados de fazer, como “vou fazer xixi na tua boca”, ou “vou fazer cocó no sofá”. Na rua lanço-lhe olhares cheios de ameaças ferozes (como sentá-lo no sofá das luzes para ele pensar na vidinha, ou desligar-lhe o som do Ruca... espero que a Amnistia Internacional não esteja a ler isto!), mas em casa opto por ignorá-lo, e os meus ouvidos habituam-se ao som do cocó e xixi, assim como o nariz se habitua ao seu cheiro, quando o sento na sanita para as descargas habituais. (Os cinco sentidos da mulher mudam tanto quando ela se torna mãe! Ela passa a ouvir um filho que se mexe um centímetro debaixo dos lençóis num quarto a cinco metros do seu; cheira cocós numa fralda a outros tantos metros de distância; vê as maiores asneiradas a milhas – já para não falar do seu sexto sentido que as adivinha. Mas, com a mesma facilidade, fecha os ouvidos aos gritos espontâneos dos filhos – “é bom para lhes abrir os pulmões” – e limpa-lhes cocó como quem folheia um livro – espreitando as texturas e cores diversas. O nariz liga ou desliga conforme as circunstância, e a boca tanto diz “Ai malandro que fizeste xixi na cama!”, como “Boa! O teu cocó já está molinho”...)
Pois é. Se calhar o meu filho fala tanto em cocó e xixi, simplesmente porque eu às vezes parece que não sei falar de outra coisa. O Afonso tem o cocó preso, o Sebastião tem cocó mole, e muitas vezes, a primeira coisa que pergunto à minha empregada quando chego a casa é “e então? Como é que estamos de cocós?” – para decidir que fruta lhes dar ao jantar, que verduras comprar para as sopas do dia a seguir... ou simplesmente porque tenho a minha cabeça cheia de cocó (para não dizer m...) e não me lembro de mais nada para perguntar.
Qualquer dia o meu querido filho, em mais um dos seus ataques escatológicos, chama-me de “mamã cocó”...
Coisas de Pais
Às vezes quando quero voltar a ser criança e faço disparates com o meu filho, ele ralha comigo: “Não podes, mamã! Tu não podes!”. Mas ele pode! Dentro dos limites do razoável, ainda que eu às vezes me zangue com ele, ele pode tudo. Hoje quis saber porquê e ele respondeu-me simplesmente que eu não podia fazer certas coisas porque “ainda era grande”. “Não podes, mamã. Tu ainda és grande”. Pensei primeiro que ele tivesse trocado o “já” pelo “ainda”, e que estivesse basicamente a chamar-me velha. Mas à medida que ia insistindo com ele, ele reforçou a ideia de que eu era “ainda” grande demais para fazer determinadas coisas. Será que “ainda” vou voltar a ser pequena? Será que chegarei um dia a um qualquer estádio de desenvolvimento em que tudo me volte a ser permitido? Diz-se que, na velhice, se volta a ser criança. Não gostava de ter de esperar tanto tempo... Talvez, mais cedo do que isso, o meu filho me diga “Boa, mamã! Já conseguiste ser criança outra vez!” É uma questão de fazer por isso...
Coisas de Pais
No outro dia o meu filho chegou a casa e disse-me: “Mãe, tenho uma namorada!”. Involuntariamente, inchei e contive a baba que me saltava da boca em correntes de orgulho. O “meu” filho tinha a sua primeira namorada! Já algumas meninas da idade dele tinham dito que eram suas namoradas, mas ele nunca tinha correspondido ao repto. Agora, pela primeira vez, a ideia de ter uma menina a quem chamar namorada partia dele. E a história até era rebuscada. Porque ele gostava da Madalena, mas a Carolina pediu primeiro para ser namorada dele, de forma que ele tinha que ficar com a última. E a primeira podia ficar para o primo que anda na mesma turma. Se o mundo dos adultos fosse assim tão simples...
Tudo se complicou quando, ainda no trajecto para casa, que é quando o meu filho me faz todas as suas confissões, ele acrescentasse à frase “Mamã, tenho uma namorada”, outra em que dizia, ipsis verbis: “E também tenho um namorado, mamã”... Ri-me nervosamente, enquanto puxava por ele: “um namorado como, Afonso?”. E ele, com a maior naturalidade do mundo, respondeu “tenho uma namorada e um namorado”. Não sabia se havia de ficar mais nervosa com a alegada homossexualidade do meu filho, se com a promiscuidade infantil que ia naquele sala de infantário. Até sou uma mãe com a mente muito aberta, disposta a aceitar tudo o que seja sinónimo de felicidade para os meus filhos, mas a ideia de ver um deles entrar-me pela casa adentro daqui a uns anos com um homem e uma mulher de cada lado a dizer-me “Mãe” (ou será que ele nessa altura ainda dirá mamã?) aqui tens os teus genros...”.
Claro que o embate da frase não teve outra consequência que não fosse uma valente gargalhada a seguir, e uma série de telefonemas para o pai, família e amigos a expôr a vida amorosa do meu filho. Ele não voltou a falar no suposto namorado, e já trocou de namorada algumas vezes, entretanto. E o Francisco, alegado namorado, voltou à categoria dos amigos, até porque, como ele me explicou uns dias depois, “os meninos têm namoradas, e as meninas namorados”. Eu tinha evitado usar a frase para depois não ter que lhe explicar as excepções, mas alguém tratou de o induzir à heterossexualidade e eu não me fiz rogada. Ainda tem muitos anos pela frente para perceber que não é necessariamente assim. Ou talvez nem tenha que perceber grande coisa, nem eu de explicar quase nada, porque a geração dele será aquela em que tudo será permitido sem grande objecções. Nem sequer interrogações. Para o bem e para o mal.
Coisas de Pais
Tenho pena da minha empregada. Nos teatros diários antes da hora do banho, cabem-lhe sempre os piores papéis. O Afonso distribui. Ele é sempre o herói, eu a boazinha de serviço, o Sebastião uma personagem insignificante, para a mãe não ter que lhe dar muita atenção, e à pobre da Teresa calham sempre as personagens mais irritantes, mais feias, “mais más” (como ele diz), o refugo do seu imaginário. Se brincamos ao Noddy, ele é o Noddy ou o Mafarrico (se lhe apetece fazer asneiras), eu sou a Ursa Teresa, o Sebastião o urso rechonchudo ou o cão e a minha empregada... a macaca Marta! Se brincamos ao Peter Pan, eu sou a fadinha, o Sebastião é um insignificante “amigo do Peter Pan (ele próprio, quando já não quer ser o Capitão Gancho), e a Teresa é... o crocodilo! Na Formiga Z, somos todos formigas (eu a Princesa Bala, ele a Formiga Z, o Sebastião uma formiga qualquer) excepto a Teresa que é... a Térmita! Ela lá desempenha o seu papel, com relativo conformismo, seguindo escrupulosamente as ordens do Afonsito: “as macacas dão pulos! Tens que rastejar, como os crocodilos! As térmitas deitam ácido e fazem cócegas às formigas!” Digo-lhe para não ficar triste com as escolhas dele... são os piores papéis que fazem os melhores actores! E não há dúvida que ela desempenha o seu papel da sua vida, pelo menos para a vida dos meus filhos...
Coisas de Pais

Então não é que o tamanho importa?
O meu filho Afonso é dotado de uma grande pilinha. A primeira coisa que o obstetra disse assim que tirou o meu filho de dentro de mim foi “Que grande pilinha!”. O pai encheu-se de orgulho, a mãe tinha coisas mais importantes em que pensar naquele momento, como emocionar-se com o primeiro filho e dizer ao médico que tinha que tirar a placenta toda porque já tinha lido não sei aonde que não podia ficar lá nada.
Enfim, o Afonso foi crescendo e, com ele, a sua pilinha. Agora já com três anos, não há vez nenhuma em que não faça xixi que não olhe para ela e não diga “É grande, não é, mãe?”. Como em casa ninguém anda propriamente a falar do tamanho das pilinhas, imagino que a conversa venha da escola. Será que os miúdos de três anos já comparam o tamanho das pilinhas? Ainda não sabem os números, para as medir, mas será que o tamanho já conta no infantário?
Também me interrogo às vezes sobre o que pensarão as pessoas sobre o tamanho das pilinhas dos filhos dos outros. Porque uma pilinha grande ou pequena sai sempre a alguém. “Tens os olhos da tua mãe!”, “Tens a boca do teu pai”... Da pilinha ninguém fala, mas aposto que as pessoas pensam a quem sairá uma pilinha grande ou pequena. Felizmente que as mães não entram nessa interrogação genética (não têm pilinha, ok? Pelo menos por enquanto). Pobre pai e pobres avôs, ali vasculhados nas suas partes íntimas por causa da pilinha de uma inocente criança...
PS РPrometo que amanḥ mudo de assunto.
Coisas de Pais
“Tem puxado pouco a pilinha do seu filho...” – aproximei o ouvido, não fosse a médica ter dito orelha, ou nariz, ou pernas, e a minha audição ter-me simplesmente pregado uma partida, fugindo para o sexo. “Puxado pouco, doutora?” – questionei, à espera da confirmação. E ela confirmou-o, sem pruridos: “Sim, devia andar a puxar esta pilinha para trás... Não sei se não vamos ter que operar o seu filho...”. Pum! Um bloco de mármore com a inscrição de “Má Mãe” caiu-me sobre a cabeça. Então eu devia andar a puxar a pilinha do meu filho para trás e ninguém me disse? O meu filho corre o risco de ser operado porque eu não lhe puxei a pilinha para trás? Mas que espécie de mãe sou eu? Tantas “Pais e Filhos” e “Bebés de Hoje” desperdiçadas com artigos sobre nada, quando se devia ensinar às mães deste país que alguns filhos precisam das pilinhas puxadas para trás...
Saída do consultório, fiz logo uma série de telefonemas para outras mães com filhos, e todas elas sabiam um pouco sobre o assunto. Algumas sabiam simplesmente que os filhos nunca tinham precisado. Os filhos de outras já tinham sido operados. Talvez elas também não lhes tivessem puxado a pilinha para trás... Devia sentir-me mais acompanhada, na minha culpa, mas ainda tinha que partilhá-la com alguém que não tivesse puxado para trás a mesma pilinha do que eu... E o meu marido, é bom de ver, levou um sermão assim que cheguei a casa: “Mas porque é que não me avisaste que tínhamos que puxar para trás a pilinha do Afonso?” Como ele já não me tinha a mim para descarregar a sua dose de culpa, disparou contra a médica: “Mas porque é que ela não nos avisou que tínhamos de lhe puxar a pilinha para trás?”. Com os seus dotes de argumentação, extravasou em segundos para uma acusação por negligência que nos poupasse as custas da intervenção. Deixei-o a falar sozinho e fui dar ao banho aos miúdos. Afinal de contas, puxar uma pilinha para trás não devia ser tão difícil quanto isso. “Vamos lá, Afonso. É até ver a bolinha” – e ele agora já pratica o exercício como quem toma um remédio. Não sei se ainda vai a tempo, mas pelo menos o Sebastião imita-o e, com sorte, não vou ter que ouvir sermões às custas de mais nenhuma pilinha cá de casa...

PS – Amanhã volto ao tema das pilinhas. Mas para falar do tamanho. É a tua deixa, Toutinegra.
Enquanto dava o jantar ao meu filho Afonso, olhei ontem para o Ruca como se fosse a primeira vez. Já tinha visto várias vezes os desenhos animados desse menino traquinas que levou o meu filho a trocar o "mãe" habitual por um insistente "mamã" que irrita profundamente o meu marido - até porque ele passou a ser o "papá". Mas ontem, e só ontem, olhei como deve ser para o penteado do novo amigo do meu filho. Penteado? Eu diria mais "despenteado". Ou melhor, ausência de penteado. Então não é que o Ruca é careca? Um único caracol no meio da testa? O Ruca tem três anos, por favor! O que terá levado os pais a rapar o cabelo ao seu filho mais velho? - até porque a irmã do Ruca tem uma farta cabeleira. Piolhos? Um pastilha colada ao couro cabeludo? Ou engaram-se no programa da máquina de cortar cabelo? A única vez que o meu marido agarrou na nossa máquina para "aparar" o cabelo do Afonso, fez-lhe uma auto-estrada na nuca que me arrancou umas valentes lágrimas, seguidas de umas valentes gargalhadas. O meu filho não percebeu o drama, muito menos a comédia, até porque teve que andar os meses seguintes com o cabelo à pente 1 e um gorro na cabeça para o proteger do frio. Se ele já conhecesse o Ruca nessa altura ficaria mais consolado. É que o Ruca NÃO tem cabelo! Pente zero? Foi à Mena e ela "cortou só um bocadinho" (é sempre o que ela diz à minha mãe quando "rapa" a cabeça do meu filho. Tão cedo não corta o cabelo em Évora)? Ou - meu Deus! - será que o Ruca tem cancro?
Sou pela liberdade criativa de quaisquer criadores, mas preciso de respostas. Um episódio que seja em que se explique esta ausência de cabelo. E quando o meu filho perguntar: "Mamã, porque é que o Ruca não tem cabelo, mamã?". Ou, pior ainda: "Mamã, quero ter o cabelo como o Ruca, mamã..." Rapar o do Afonso não seria difícil. Mas liso como é, ia ter uma trabalheira enorme em transformar-lhe o único fio de cabelo que restasse em caracol...

PS - Amanhã vou falar de pilinhas.