Coisas de Pais
No meio da confusão do Natal, cometi uma proeza de mãe que ainda não me tinha lembrado de contar neste blog: cortei o cabelo ao meu filho! O Afonso quando era pequeno levava muitas "rapadelas" minhas, mas usava uma máquina xpto que o pai ofereceu, de modo que a única preocupação era passar o pente 3 por toda a sua cabeça cheia de remoinhos, sem deixar muitas pontas grandes. O único incidente que aconteceu foi no dia em que o pai quis ajudar e teve a infeliz ideia de usar o pente 1 para lhe aparar as patilhas e o cabelo atrás. As patilhas ainda se safaram, mas quando tentou acertar os biquinhos de trás, escapou-lhe a mão e lá ficou o meu Afonsinho com uma bela auto-estrada na cabeça, pronto para entrar no mais radical episódio dos Morangos com Açúcar. Comecei a emitir gritos surdos, aflitos, enquanto o pai dizia "calma, calma", e o Afonso chorava de nos ver tão aflitos: "Cortaram-me a cabeça... Escalparam-me...", pensava. Nada disso! O Afonso apenas tinha uma risca sem cabelo que lhe percorria grande parte da cabeça, mas isso era o suficiente para a mãe e o pai o olharem com terror e culpa: "Porque é que fizeste isso?", "Tu é que me distraíste", "O que é que fazemos ao miúdo?", "Rapamos-lhe a cabeça, o que mais podemos fazer?". E o Afonso berrava, berrava, berrava... E com razões para isso, coitadinho. Passou grande parte do Inverno com três milímetros de cabelo que nunca mais cresciam...
A partir daí, o Afonso passou a ir sempre ao cabeleireiro. Mas o Sebastião ainda não tinha passado pelas mãos terroristas da mãe. E quando uma professora da escola do Afonso me veio dizer que o Afonsinho tinha uma mana muito bonita, achei que tinha chegado a hora dele. Como tem o cabelo mais bonito (com menos arrepios e alguns caracóis), achei que a máquina não servia, de modo que peguei na tesoura e aqui vai disto. Agarra-se com os dedos e zás-trás, por todo o cabelo, franja a direito, patilhas à tigela... A teoria tinha-a toda, mas quando terminei a tarefa, o meu filho ficou com um ar de Santo António sem careca que só uma mão cheia de gel conseguiu disfarçar. Nas festas a minha façanha passou despercebida (até porque o cabelo do Afonso foi cortado por uma cabeleireira e ainda ficou pior), mas assim que a minha empregada chegou, no dia 26, disse-me logo com aquele sorrisinho malandro brasileiro: "O Sebastião está com ar de filho que levou tesoura da mamãe..." E como não posso pôr gel no cabelo dele todos os dias, lá ficarei uns dias sem lhe tirar fotografias, até lhe cortar o cabelo outra vez... no cabeleireiro!

Diálogo do dia: "Afonso, já te disse para não trepares às prateleiras...
Mas eu tenho que treinar para aprender a voar, mamã..."
Coisas de Pais
Hoje o meu filho Afonsi teve o seu primeiro contacto com os dias difíceis da mamã. Sentada na sanita, com ele a enfiar todas as escovas de dentes na sua boca, e o irmão a provar o gel que usei no Natal para lhes baixar os arrepios, tentei disfarçar aqueles gestos mais íntimos e mais nojentos com que todas as mulheres se vêem confrontadas uma vez por mês. Mas a pressa é inimiga da perfeição, e os movimentos que queria ligeiros e imperceptíveis, acabaram por espalhar no chão a caixa inteira dos tampões e um resto de pensos higiénicos que estavam ao lado. O Sebastião estava entretido (o gel deve ter um sabor agradável), mas o Afonso não deixou escapar a minha atrapalhação. Os tampões já os conhecia. Costuma brincar a fazer pilhas com eles quando estou a tomar banho e tenho que o manter por perto. Mas até então ainda não tinha percebido que aquelas bolsinhas coloridas que estavam empilhadas num saco igualmente colorido, continham um penso que se colocava nas cuecas da mamã e que, felizmente, ele teve a sorte de o apanhar imaculado. "São as tuas fraldas, mamã?". Respondi um mais ou menos, aliviada por ele ter respondido à pergunta em vez de ma ter colocado. Eu não teria melhor resposta. Mas depois passei horas a ser gozada por ele: "Tens fraldas, mamã! És bebé! Bebé!" Acho que as criancinhas devem aprender, desde pequenas, a encarar tudo o que diz respeito ao corpo humano como natural, mas há coisas que eles (já que "elas" não têm outro remédio) podem passar sem ver. Para evitar um "que nojo, mamã", nos próximos cinco dias só vou sozinha à casa de banho...
Coisas de Pais
O Natal passou por mim como um trenó carregadinho de presentes. Deixou-me de rastos e com a casa cheia de brinquedos que tive que esconder estrategicamente na cave para ter com que entreter os meus filhos todos os fins-de-semana até ao ano que vem. Os livros foram os únicos que se safaram: foram todos para as prateleiras que os meus filhos têm direito a deixar desarrumadas sem levar um raspanete (“coitadinhos, gostam de livros...” – digo toda inchada, com o chão coberto de livros meio rasgados, já a auspiciar-lhes um futuro no campo das letras). Os restantes carros (o Afonso recebeu alguns 10), quintas com sons (porque eu espalhei que o Sebastião gostava muito de bichos), bolas (este ano foram só 4... uff!), etc, etc, fizeram a felicidade dos meus filhos nos 5 minutos que eles demoraram a tirar-lhes o papel: “Que giro! Venha outro...”. Disse “filhos”, mas na verdade só o Afonso é que gozou a parafernália dos presentes. O Sebastião preferiu destruir os enfeites de Natal da casa da minha sogra (e estou a falar de presépios de loiça antiga, jarrões que custam fortunas e anjinhos mandados fazer de propósito para a noite especial. A Afonso já tem seguro para cobrir eventuais danos materiais nas casas das outras pessoas. Tenho que fazer rapidamente o do Sebastião...), e tentar roubar filhós na casa dos meus pais (apontava e dizia “bolá, bolá, bolá”. Sim, de facto as filhós assemelham-se a bolachas. Têm é um nadinha mais de gordura, que as tornam absolutamente incompatíveis com a sua diarreia).
No dia 25 de manhã, lá foi o Afonso à lareira procurar os presentes do Pai Natal (que eram os que os padrinhos cá vieram deixar quando ele não estava. Peço já desculpas públicas pela apropriação). Ficou tão contente com o achado que até desculpou o velhote por não ter trazido nada do que ele pedira. Já não desculpou foi as primas velhotas que lhe ofereceram as inevitáveis meias e cuecas. Disfarçou à frente delas a até deu beijinhos e tudo! Mas de regresso a casa disse-me que o natal tinha sido “chato” porque tinha recebido muita roupa interior. E eu ainda tive esperanças de lhe conseguir trasmitir o verdadeiro significado do Natal...
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Ok, encontrei uma versão para o Natal cá de casa. Não minto aos meus filhos e não lhes digo que os presentes que os nossos amigos cá vêm trazer a casa são do Pai Natal, que arranja sempre uma série de mandatários para não ter que descer tantas chaminés. Na versão cá de casa, os amigos trocam presentes entre si, e como a mamã e o papá, felizmente, têm muitos amigos, eles recebem muitos presentes. Os meninos pobrezinhos também têm amigos, mas muitos deles não têm dinheiro para comprar presentes, por isso temos que ser amigos deles e oferecer-lhes alguns dos nossos.
Para não estragar a componente magia, o Pai Natal continua a vir a nossa casa na madrugada do dia de Natal. À nossa e à de todos os meninos do mundo. Mas só leva um presente a cada menino, melhor ou pior, conforme ele se tenha portado durante o ano. Por isso, no dia 25 de manhã, os meus filhotes vão descer dos quartos e espreitar os presentes que o Pai Natal lhes deixou na lareira. Quanto ao Menino Jesus, nasceu neste dia há muitos anos e é a razão de ser do Natal. Mas não anda a distribuir prendinhas a ninguém. Ele é que merece algumas prendas de cada um de nós: amor, paz e alegria. Um Feliz Natal a todos quantos lerem este post!
Coisas de Pais
Custa-me dizer ao meu filho que ele pode acreditar sempre em mim, “porque a mamã nunca mente”, e depois falar-lhe no Pai Natal que desce pela chaminé para deixar os presentes, ou no Menino Jesus que deixa lembranças no sapatinho. Entramos muitas vezes no reino da fantasia e falamos de fadas e duendes, sem que isso me faça sentir minimamente culpada. O meu problema, por isso, não é encontrar um senhor vestido de vermelho com barbas no centro comercial e dizer ao meu filho que aquele é o Pai Natal, que anda a distribuir presentes pelo mundo inteiro num trenó com renas, auxiliado por duendes narigudos. O que me custa é que ele olhe para os presentes que os amigos vão deixando cá em casa e me pergunte se são do Pai Natal, porque é que ele chegou mais cedo, onde é que desceu, onde é que ficou o trenó... e eu tenho que lhe mentir deliberadamente. Vou respondendo a tudo, com mais ou menos imaginação, mas ou sou eu que não sei ser convincente, ou é ele que é demasiado esperto. O certo é que ele fica sempre de pé atrás quando lhe espeto mentiras natalícias. “Foi o Pai Natal? Mas foi o amigo do papá que trouxe...”. As coisas complicam-se quando chegam as avós e lhe dizem que o Menino Jesus é que tem a quota no Toys ‘r Us e é ele que vai distribuir os presentes deste ano. “É um presente do Pai Natal e outro do Menino Jesus?”. Não! É muito melhor do que isso! São muitos presentes de muitos Pais Natais e muitos Meninos Jesus! O que acontece é que estas duas entidadas, sempre atentas às asneiras da pequenada (tipo PIDE, muito útil aos pais aí a partir do mês de Novembro: “Se te portas mal o Pai Natal não te traz presentes”. Há quem use a ameaça o ano inteiro, porque enfim, o Natal é sempre que o homem quiser...), têm muitos presentes para distribuir, e até gostam dos meninos mais ricos e por isso dão-lhe mais presentes, e mais giros. Os meninos pobrezinhos são feios e malcheirosos, por isso é que nós todos os anos, cá em casa, temos que fazer uma selecção de brinquedos para lhes levar. É que o Pai Natal e o Menino Jesus não gostam deles... eles nem sequer têm chaminé! Temos que ajudar esses meninos a portarem-se melhor e a assaltarem um banco ou coisa do género para, no próximo ano, terem uma grande casa junto ao mar com uma grande lareira e um grande estacionamento para o trenó... de certeza que o Pai Natal e o Menino Jesus serão muito mais generosos nessas condições...
Pobres criancinhas! Acho que vou ser uma péssima mãe e explicar brevemente ao meu filho que o senhor das barbas é como as fadinhas: gostamos deles, mas é melhor não deixarmos muita coisa nas suas mãos... Quanto ao Menino Jesus, ele terá tempo para lhe atribuir os significados que quiser, mas uma coisa é certa: a última coisa que o Menino Jesus quer, na noite de Natal, é que todos os meninos do mundo andem doidos a desembrulhar presentes para ver se receberam tudo o que pediram... O Natal é um bocadinho mais do que isso (ou eu também fui enganada?)
Coisas de Pais
Já me tinha esquecido do que é ter um filho doente, que passa o dia ao nosso colo a choramingar e a fazer as exigências mais absurdas para chamar a atenção. O Afonso ontem teve um dia "daqueles". Só queria colo, mas não era um colo qualquer ("Tem que ser colo de pé, mamã. Estou muito doente..."). Depois só queria fazer xixi na fralda (e ele já não usa fraldas há meses!) e, se lhe mudava a fralda, chorava, porque queria "ficar com a fralda com xixi". Sempre que o mano se chegava perto de mim, subia-lhe a febre, as dores no corpo, doía-lhe o rabinho, tinha dores de cabeça, e, sobretudo, MUITA, MUITA mariquice! Um filho doente é um teste à paciência de uma mãe (ainda pior do que um marido doente), e felizmente que as doenças duram pouco tempo, e hoje o Afonso acordou sem febre e cheio de vida, com toda a mariquice de ontem a sair-lhe em correntes de ranho esverdeado pelo nariz. Menos mal. O ano passado, por esta altura, estava com varicela, e as borbulhas não desapareceram em 24 horas... O que vale é que a memória dos pais tem grande facilidade em esquecer-se destes "dias negros": as doenças, as noites mal dormidas, as birras, as pernas partidas... O Estado devia estudar este mecanismo e submeter os pais a rigorosas sessões de esquecimento (porque fica sempre alguma coisa). Tenho a certeza que a média de filhos por casal aumentava substancialmente...

Frase do dia: "Afonso, não te quero colado à televisão...
Mas eu queria ir lá para dentro, mamã..."
Coisas de Pais
Sábado de manhã: Natação, com a habitual birra do Afonso para sair de casa ("Não gosto da natação!") e birra para sair da água ("Quero ficar na natação!"). As mães a olharem de lado por eu ir de empregada atrás (são dois filhos, ok? Só tenho duas mãozinhas! E o pai não trabalha na função pública, não tem fins-de-semana como os vossos dedicados maridos) e a minha empregada a ter achaques por causa do calor dos balneários ("Eu vou ali já volto, tá bom?" - leia-se em brasileiro - "Isso até faz mal ao estômago..." - porque ela é hipocrondíaca, já quis abater os meus cães algumas vezes por causa dos "tumor" e os meus filhos, se eu deixasse, já tinham os braços todos picadinhos à custa das análises que tinham feito para despistar as inúmeras doenças tropicais que ela acha que eles têm. Enfim, que dure cá em casa muito tempo, minha santa Teresinha!)
Sábado à tarde: circo! Além de odiar circo, o senhor Cardinali teve a infeliz ideia de fazer entrada para a tenda principal, por outra tenda cheia de carrosséis! Resultado: miúdos à beira do esmagamento, enlatados entre pais que queriam o melhor lugar para o circo e filhos que queriam ficar com o melhor cavalinho de madeira. Cada bilhete: 25€. Cada volta no carrossel: 2€. Cada balão: 5€. Enfim, o Sebastião estreou-se no circo, cheio de entusiasmo, e o meu filho descobriu que afinal os palhaços não têm graça nenhuma. O que tem graça é a montanha russa do Mickey. Valha-nos isso!
Sábado à noite: Jantar de Natal do emprego da mamã. Ainda deixei o Sebastião na cama e o Afonso ficou já jantado a ver televisão. Quando me fui despedir dele saiu-se com um "Porta-te bem, mamã!". E como é que eu me podia portar mal? Estava tão cansada como eles! Mas porque é que ninguém me mete na cama, com uma história, às 8.30?
Domingo de manhã: Festa de Natal da escola do Afonso. O meu filho foi um lindo porquinho, disse a sua primeira frase em palco, e como não consegui despir-lhe o disfarce entretanto, aparece em todas as fotografias da festa (no número da música, do inglês, a abrir os presentes, etc) vestido com uma blusa cor-de-rosa bebé e colans da mesma cor. Ou muito me engano, ou alguém vai censurar estas fotografias daqui a uns anos...
Domingo à tarde: O Afonso ficou com febre e prisão de ventre outra vez e o Sebastião descobriu como tirar-me do sério: começa por desligar a televisão. Enquanto eu vou ligar a televisão, ele vai a correr (dentro das suas possibilidades) puxar o cabo da tv cabo. Quando eu vou a correr e a dizer "Ai, ai, Sebastião" voltar a ligar a tv cabo, ele dá mais uns passos e puxa o cabo de alimentação do meu computador. Fez isto umas dez vezes, em circuito à volta do sofá, entre gargalhadas mais divertidas do que aquelas que soltou no circo. O Afonso ria, sentado no sofá, a gozar com a minha cara. E eu ainda os levo ao circo. Mais valia termos ficado em casa, com a mãe a fazer de palhaça...
Segunda-feira: Volta, Segunda-feira, estás perdoada!
Coisas de Pais
Às vezes pergunto-me se o ser humano não terá sempre, à partida, uma tendência inata para a porcaria. Alguma coisa terá que explicar porque é que nenhuma criança gosta de tomar banho (a não ser que a banheira se transforme num armazém de brinquedos flutuantes), lavar os dentes (sem comer a pasta com sabor a pastilha elástica), as mãos (sem inundar a casa de banho), ou cortar as unhas? Os homens das cavernas não se lavavam e comiam com as mãos – o sonho de qualquer criança. Será que, milénios e milénios de civilização ainda não inscreveram nos genes uma aptidão natural para a limpeza que dê o ser humano, logo à partida, uma repugnância generalizada a tudo o seja sinónimo de porcaria e sujidade? Ou estaremos nós, pais deste mundo, a educar os nossos filhos fora da lei natural da vida que é naturalmente porcalhona?
Coisas de Pais
É sempre uma alegria ter um filho que já pede para fazer xixi e cocó, que despe as calças sozinho e se senta na sanita, bem comportado, ou então levanta a tampa e faz xixi com mais pontaria do que alguns pais deste país. Que mais não seja porque a conta de supermercado reduz-se substancialmente sem o pacote de fraldas que, mesmo com IVA reduzido, custa uma fortuna. O Sebastião ainda é pequenino demais para tamanhas proezas, e agora que anda com diarreia e faz cocó cinco ou seis vezes por dia (daqueles que passam a roupa e ficam colados às costas), levá-lo a algum lado é uma aventura. No Domingo fomos almoçar fora com uns amigos nossos, e tive que o trocar duas vezes à frente dos clientes porque a casa de banho não tinha espaço para tal. A minha amiga, que está grávida de três meses, ficou escandalizada com tamanha quantidade de porcaria, e perguntava ao marido, entredentes: "Isto não é sempre assim, pois não?". Depois perguntou-me, com o sorriso menos amarelo que conseguiu esboçar, até aos quantos meses é que eles usavam fraldas. Respondi-lhe que era até aos dois anos, mais ou menos, e o sorriso, que já era amarelo, ficou roxo, verde, de todas as cores. Os clientes da mesa do lado também saíram mais cedo, e os restantes só ficaram porque também tinham filhos e estavam totalmente solidários connosco. Até me emprestaram toalhetes, porque o cocó à la Sebastian esgotou o stock que eu tinha levado.
Mas deixar de usar fraldas não tem só vantagens. Sobretudo de início, quando os nossos filhos ainda não sabem o sinónimo de "aperta o rabinho", "torce as pernas", "vá lá, aguenta só mais um bocadinho"... Já muitas vezes tive que encostar o carro na berma e sair a correr para ir pôr o meu filho a regar o cimento. Uma vez estava no multibanco - num daqueles que é dentro do banco, e está aberto fora de horas, com câmaras de vigilância - quando ele me diz, em aflição: "Mãe, quero fazer xixi"... Foi só o tempo de anular o pagamento e tentar tirar o cartão à pressa, já ele estava em cima do tapete da entrada, a deixar escorrer o xixi por dentro das calças. Olhei para câmara, com um sorriso culpado de quem não roubou nada, e saí à pressa antes que a mancha alastrasse mais. Hoje foi no supermercado. O carrinho já estava cheio, mas ainda faltava muita coisa para comprar, as filas para pagar eram intermináveis, e a minha paciência já estava no seu limite. Quando o meu filho, que já tinha derrubado uma pilha de brinquedos e trepado para cima dos congelados, me aparece já com as calças e as cuecas em baixo: "Mãe, quero fazer xixi"... Abandonei o carrinho e lá fui, furando por entre as pessoas, com o meu filho meio despido, para a porta da saída: "Desculpem, é uma emergência"... Deviam arranjar sirenes especiais para mães com filhos aflitos. Colocavamo-las na cabeça em momentos de crise e aí íamos nós em excesso de velocidade com toda a gente a dar-nos passagem: "Coitada... Deve ser grave... E a casa de banho mais próximo ainda é tão longe..." Felizmente não era cocó, ou teria que improvisar alguma coisa para lhe limpar o rabinho. Uma vez já tive que usar talões velhos de multibanco que tinha na carteira. Sempre serve de alguma coisa andar com a carteira cheia de papéis velhos...
Coisas de Pais
Bob, o Construtor, lá fomos nós! Meia hora até à Expo, outra meia hora para conseguir estacionar, com os parques todos cheios de carros de pais babados que não conseguiram dizer aos filhos “Vinte euros para veres um tipo que passa a vida a trabalhar? Vens um dia comigo ao escritório de borla...”, e famílias com listas infindáveis de presentes de Natal por comprar (felizmente comprei tudo em Novembro, sem stress, pensando na alegria que cada um ia ter quando visse o meu presente, e não nas filas de gente para pagar, nos miúdos aos berros enquanto se espera pelos embrulhos, na irritação das funcionárias: “o multibanco não funciona... não aceitamos cheques... há um multibanco lá fora... está sem dinheiro? Azarucho... Não há dinheirinho, não há presentinho. E um Feliz Natal para si também!”). Outros quinze minutos a tentar chegar do último parque de estacionamento até ao Pavilhão Atlântico e outro tanto para encontrar os lugares sem perder o meu filho ou os meus sobrinhos. Vinte berros depois, lá nos acomodámos, já o Bob cantava no palco, a uma distância suficientemente grande para a minha mãe não conseguir ver nada e eu lamentar não ter trazido os óculos. Miopia e pavilhão atlântico não são conceitos compatíveis, definitivamente.
Meia dúzia de músicas depois, palmas e berros de crianças em estado próximo da histeria, o intervalo. Levei bolycaos e pacotes de leite para evitar o caos, mas os xixis obrigaram-nos a sair com a carneirada, entre pacotes de pipocas a 3,60Euros, balões a 6, fibras ópticas a 10, CDs a 12... os meus míseros 20 euros na carteira davam para pagar o parque, e um saco de pipocas ou dois, mas não davam para alimentar os sonhos de três crianças a serem tentadas em todos os flancos. Prometi uns presentes no final do espectáculo, a contar com a carteira recheada da avó, mas a avó é minha mãe e também nunca anda com muito dinheiro. Depois de outra meia dúzia de canções, pães com chocolate e pipocas, lá fomos juntar os meus tostões com os da avó para comprar três bonequinhos com fibras ópticas que piscam durante 48 horas e depois vão para os sacos dos brinquedos para os meninos sem Natal. Quando fui ao Pavilhão Atlântico ver o Noddy, há uns meses atrás, jurei a mim mesma que não voltaria àquele espaço, mas o maldito markting não deixa as criancinhas falarem noutra coisa, os pais ficam com pena e acham que eles depois não terão assunto para falar na escola, e 70 ou 80 Euros depois já a família foi toda ao Bob, e regressa a casa com panfletos do espectáculo seguinte, que felizmente é só uns meses depois, o tempo suficiente para os pais se esquecerem da façanha e voltarem a cometer o mesmo erro. “Princesas no gelo”, da Disney, assim se chama o próximo espectáculo. Espero que a publicidade tenha muitos lacinhos e seja suficientemente cor-de-rosa para repelir o meu filho, ou é melhor começar já a juntar dinheiro para as varinhas mágicas (e não são daquelas que batem a fruta), as coroas e os sapatinhos de cristal...

PS – Para a semana vou tentar o “Stella e Simão” no Mundial. Pelo menos sei que vou ficar a menos de um km do palco.
Coisas de Pais
A memória é ingrata com os mais velhos, mas também o é com os mais novos. O Sebastião, com um anito apenas, ainda não tem consciência que tudo o que está a viver agora o vai esquecer. Talvez uma ou outra experiência regressem se ele der numa de psicanálise, mas a maior parte das coisas, más mas também boas, terá que as ouvir dos pais ou ler nos álbuns (ou quiçá neste blog, se ele ainda existir). Mas o Afonso já vai percebendo que se esquece do que viveu, e pede muitas vezes para lhe contar as suas experiências: “Conta a história do teatro da Floribella, mamã”, “Conta a história do Natal na casa da avó”, “Conta a história do Oceanário, mamã...”. Contá-las é eternizá-las na sua cabeça, contornando as pequenas traições que a memória lhe prega todos os dias. Com um pequeno senão. É que quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. E a mamã nunca conta a mesma história da mesma maneira. Acrescenta sempre uns pontos, efabulados, mágicos, fabulosos demais para serem reais. Acho que, quando crescer, o meu filho vai olhar para trás e ver uma infância incrível. Em que as fadinhas nos colaram umas asas no carro para chegarmos mais depressa ao destino, ou um tubarão fugiu do aquário porque estava farto de ser chamado de mau... Talvez isto lhe traga alguma nostalgia. Ou talvez ele consiga fazer da sua vida algo igualmente mágico...

PS – Quando falo em memória lembro-me sempre do meu sobrinho Manel. Quando os pais lhe perguntavam se queria ir a algum lado, dizia sempre com tristeza: “Mas eu depois vou-me esquecer...”
Todos os filhos têm aqueles carinhos muito próprios, em alturas muito próprias, para mostrar aos pais que, apesar de todas as birras e teimosias e frases cruéis, ele gostam muito de nós. O Sebastião encosta a sua cabecinha grande e bochechuda no meu ombro, aninhando-se em mim sem os seus gestos brutos habituais. Encaixa perfeitamente entre o meu pescoço e o ombro, e só fico com pena de não ter mais “chicha” para lhe servir de almofada. Quando lhe dá para o mimo com mais força, cai com violência em cima dos meus ossos, e só não me faz mais mossa porque eu não tenho “chicha” mas ele tem, e a queda é amortecida pelas suas bochechinhas coradas de pulos.
O Afonso dantes gostava de abrir a sua boquinha pequenina e, com as duas mãos nas minhas orelhas, abocanhava-me o nariz. Ficava com a cara toda melada, e cheia de baba, às vezes também ranho (no Inverno), mas aquele miminho, feito geralmente antes de o pôr na cama, era um bálsamo para o resto do dia.
Nos últimos dias, no entanto, o Afonso lembrou-se de um novo tipo de carinho. Em vez de me abocanhar o nariz, espeta-me grandessíssimos beijos na boca, repenicados e tudo, torcendo a cabeça para o lado e para o outro como nos filmes. Não sei onde ele foi ver aquilo, porque não estou o Rei Leão ou o Ruca a darem beijos na boca a ninguém, mas ele lá encena a coisa, sempre sem que ninguém veja, no escurinho das escadas, quando estou a subir para o levar para a cama. A primeira vez fiquei atrapalhada, sem saber como reagir. Quase que olhei para o lado a ver se alguém estava a ver, como se tivesse voltado à fase da adolescência em que os beijos ainda são motivo de vergonha e atrapalhação. No dia seguinte ele repetiu a proeza, e eu só lhe perguntei, ainda atrapalhada: “Então, filho? O que é isso?”. E ele respondeu, sorridente: “Um beijo na boca”. Fingi que estava na América, em que os pais e os filhos trocam “chochos” como manifestação de carinho, e sorri com a naturalidade possível. Ao terceiro dia, quando o beijo se repetiu, resolvi abordar o assunto: “Porque é que estás a dar um beijo na boca da mãe?”. E ele respondeu: “Porque gosto muito de ti, mamã.” E pronto. As minhas frases preparadas tipo “Não se pode andar aos beijos na boca a toda a gente... os beijinhos devem ser dados na cara, e tal...” caíram por terra, e em vez disso soltei apenas um “Mas então só dás beijinhos destes à mãe, está bem? A mais ninguém!”. Pu-lo na cama e fui para o sofá sentir-me imbecil. Tinha acabado de ser, pela primeira vez, uma daquelas mães ciumentas que tem ciúmes das namoradas dos filhos. “Andas aos beijos com ela, é? Achas que ela chega aos calcanhares da mamã?” E o Afonso, já de 20 e tal anos, a responder-me: “Mas eu gosto dela, mamã...”. “E foi ela, por acaso, que te trocou as fraldas quando eras pequeno? Que acordou dez vezes por noite para dar o biberão e te tapar? Que filho ingrato que me estás a sair...”
Enfim, espero não chegar a tanto, e hoje, quando o meu filho tentar novamente beijar-me na boca, vou explicar-lhe que aqueles beijos que agora são só meus, terão um dia outra dona, ou várias (se possível não ao mesmo tempo), e que a mamã vai compreender se ficar sem eles. Desde que ainda sobre para ela, e sempre, o “Gosto tanto de ti, mamã...”
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Um bom exercício para os pais é trocar de papel com os filhos. Quando o Afonso me diz “Agora eu sou a mãe e tu és o filhinho”, já sei que vou ver nele uma cariatura mordaz das minhas falhas enquanto mãe. O meu filho torna-se prepotente e diz-me coisas como “Nem penses!”, “Vai já para o castigo!”. Cerra o olhar e faz boquinha de mau, imitando quase na perfeição a minha figurinha quando me zango. Se, enquanto dura a brincadeira, ele faz alguma asneira, e eu me chateio, responde-me logo: “Não podes zangar comigo. Eu sou a mãe...” Porque a mãe é a única que pode zangar-se, levantar a voz, dar uns sopapos se for preciso... mas ai dos filhos que façam o mesmo. Por isso é bom de vez em quando trocar de papéis para nos lembrarmos que, dentro do estatuto hierárquico que o ciclo da vida nos incumbiu, a fronteira entre a justiça e a tirania é muito ténue, e é tão fácil ultrapassá-la...

Frase do dia: (Afonso olhando o pivot do telejornal) “Ó mãe, aquele senhor está a falar para mim...”
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Sempre achei que os meus filhos não iam ser daqueles que brincavam aos tiros e às lutas sangrentas. O Noddy e o Ruca venceriam os Songokus, e as tardes de Domingos seriam passadas em passeios deleitosos, sessões de leitura à sombra das árvores ou jam sessions dos clássicos infantis, tipo Atirei o Pau ao Gato ou Abelha Maia (versão original, ok?). Tremendo engano. A chuva e as enchentes dos centros comerciais em Dezembro não nos deixam sair de casa, e em vez das tranquilas sessões de leitura (já nem sonho com as sombras das árvores porque não há sol) ou experiências musicais, os meus filhos quiseram mesmo foi passar a tarde a... lutar! Ora eram espadas, ora luta greco-romana em cima da cama, tiros disparados à queima-roupa... Tenho tantas nódoas negras, que se amanhã for à natação ainda vão pensar que levo uns berlaites do marido. Mas porque é que eu não tenho uma menina para passarmos as tardes a fazer trancinhas e a brincar às casinhas? Lembro-me de, em criança, passar sempre parte das férias com o João, hoje um grande amigo, mas que na altura tinha um grande defeito: era rapaz! A maneira de sobrevivermos àquelas férias era alternarmos brincadeiras de meninos e meninas com tempo cronometado: meia hora no castelo do Skeletor, lanche, meia hora de Pin&Pon... Já me lembrei de pedir aos meus filhos que alternem comigo brincadeiras de rapazes e de mulheres: 30 minutos de piratas, lanche, meia hora a programar a semana enquanto se corrige a depilação, se vê um programa lamechas da televisão e se lê o Expresso e o Sol e as revistas todas enquanto o verniz das unhas seca... (Hum! Talvez brincar aos Piratas seja mais divertido...)
Mas dizia eu que achava que os meus filhos nunca iam ter brincadeiras violentas. O certo é que eles não podem um pau sem imediatamente lhe pegar e gritar a plenos pulmões “Pum, pum, estás morrida!”. O Sebastião ainda não fala, mas faz o resto e solta pequenos grunhidos que fazem lembrar os desenhos japoneses no seu pior. Mas será que os rapazes já nascem com um gene violento que as mães têm que contrariar para não deixar que os filhos sejam criminosos em potência? “É dos colégios...” – dizem-me alguns. “Anda a ver televisão a mais...” – dizem outros. Mas na escola não há armas e a televisão está frequentemente sintonizada no BabyTV. Será que aquela sucessão de bolas que rodam e se tornam em formas caleidoscópicas que me fazem dor de cabeça, são afinal lavagens cerebrais para fazer dos miúdos monster machines? Vou estudar o caso.

Delírio do dia: “Sabes, mamã... no outro dia tu estavas no mar e afogaste-te.
Ai foi, Afonso? E tu não me foste salvar?
Eu não! Havia tubarões...”
Coisas de Pais
A minha árvore de Natal já resistiu 24 horas sem cair ao chão. Inacreditável! A montagem foi em família apenas o tempo suficiente para ficar com o chão cheio da suposta folhagem verde de pinheiro que o Sebastião esfarelou com as mãos. O Afonso resolveu fazer lutas com os ramos, de modo que a voz da avó a lembrar que eram quatro horas, hora do lanche, deixou-me tão aliviada como quando os ponho na cama e a casa fica em silêncio para eu conseguir trabalhar alguma coisa. “Que pena... ainda não acabámos de montar a árvore... Mas tudo bem. É melhor não quebrarmos as horas das refeições...” E a solícita avó lá desapareceu com os meus dois “anjinhos” para a cozinha, cuja porta se fechou para deixar o Natal bem seguro do lado de cá. Acabei a árvore em dez minutos, não fosse o lanche terminar mais depressa do que o habitual, e já estava eu a pensar “soltar” os miúdos para um teste preliminar, quando recebo um telefonema da minha cunhada a sugerir uma visita surpresa. E foi a prova de fogo. Quatro crianças de roda de uma árvore de Natal acabada de montar, com luzinhas e tudo. Pensei que a esperança de vida da minha árvore seria mais pequena que a da Efémure, mas enganei-me. Os meus sobrinhos saíram, os meus filhos ficaram, e hoje de manhã ainda cá estavam, e a árvore também. Tirando o Sebastião querer provar as decorações da árvore que parecem bolachas, e o Afonso insistir em ser ele a ligar e a desligar as luzinhas (“Queres ver outra magia, mamã?”), tudo acabou em bem. Se a árvore durar outras 24 horas, acho que vou mesmo tentar colocar alguns presentes debaixo dela...
Coisas de Pais
Ok, agora o meu filho deu para descrever as partes íntimas do pai em plena sala de aula. Na sequência de uma conversa sobre pilinhas com o primo Zé Maria (“Vês como a minha é maior que a tua...”) o Afonso decidiu partilhar com toda a sala, inclusive com as professoras, os pormenores mais secretos do pai: “E a do meu pai ainda é maior. E é peluda...” Isto foi o que a professora teve coragem de me contar. Imagino o resto... Parece que vão ter que acabar os banhos em família... Pelo menos até ele perceber a diferença entre encarar o corpo com naturalidade e falar dele a toda a gente. No fundo, a diferença entre naturalidade e intimidade. E isso demorará quantos anos?

Diálogo do dia: - Sabes quem faz o mel, filho? São as abelhas...
- E as melgas, mamã, fazem as
Belgas (bolachas)...