Coisas de precedentes

- 3.4.08

Se há frase que assusta os pais de filhos em idades inferiores a seis anos (antes dos “Tive nega”, “Dei o meu primeiro beijo”, “Quero uma mota” ou “Iniciei a minha vida sexual”, já para não ir para coisas mais “graves”) é a do “estás a abrir um precedente”... Cada vez que o meu marido, familiares ou amigos me dizem “estás a abrir um precedente”, é sinal que já fiz asneira, que já cedi quando não devia ter cedido e agora vou ter que sofrer as consequências. Se deixo um dia o meu filho mais novo viajar na cadeira do irmão mais velho, abri um precedente e já sei que na semana seguinte ele vai fazer birras diárias para continuar a viajar na “cadeira proibida”. Se meto um dia a sopa na boca do filho mais velho, vou demorar uma semana a convencê-lo a pegar na colher para comer a sopa sozinho. Se deixo o meu filho mais novo dormir com duas chupetas, vai acordar-me, durante dias, vezes sem conta a meio da noite para me requisitar a segunda. E por aí foa... Tudo tem precedentes, como aqueles cadeirões da Faculdade que tinham nomes horríveis seguidos de I e II e III. Sendo que, na Faculdade, tinha que se fazer o I para se seguir para o II e para o III. Na faculdade dos pais, se cedemos a fazer a cadeira/asneira I, já sabemos que temos que levar com as restantes. Felizmente que, na faculdade dos pais, as cadeiras/consequências não duram semestres. Podem durar apenas dias se os pais se esforçarem e se mostrarem firmes a enfrentar as teimosias dos filhos.
Tudo isto para contar que, há dois dias, abri um precedente (uhhh...). O meu filho mais novo saltou da cama, saiu do seu quarto, e foi enfiar-se na cama do irmão mais velho, que fica no quarto ao lado. Chamaram-me os dois, a rir, muito divertidos, e quando lá cheguei o Afonso (que é o mais velho, para quem ainda não sabe) perguntou: “O Sebastião quer dormir comigo. Pode?”. E – confesso – não resisti. Vi aqueles quatro olhinhos a olharem para mim na penumbra, suplicantes, as mãozinhas dadas, e (pronto!) lá abri o maldito precendente: “Querem muito?”. Não queriam eles outra coisa. O Sebastião (mais novo) aninhou-se logo no irmão, mas o Afonso, porque é mais velho e já vai sabendo que os pais tentam não abrir precedentes deste género, ainda não estava bem a acreditar que aquilo fosse a minha palavra final. “Podemos mesmo?”. A palavra “precedente” começou logo a martelar-me na cabeça, mas a imagem dos meus dois filhinhos de mãos dadas, muito amigos e mais unidos do que nunca, satisfeitíssimos por dormirem pela primeira vez na mesma cama foi mais forte do que qualquer coisa. Ainda me armei em “mãe” e soltei um “Mas se ouvir um pio que seja, levo logo o Sebastião para o quarto dele!”. Mas qual quê! Nem piaram. Desci as escadas com o “precedente” a martelar-me a consciência, e o pai dos dois reizinhos lá soltou a frase penalizadora em voz alta: “Olha que estás a abrir um precedente...”. E o precedente lá estava. No dia seguinte, ainda não tinha acabado de descer as escadas, depois da história, lá ouvi os “tique-tique” dos pezinhos do Sebastião a escaparem-se para a cama do mano. Hoje foi o terceiro dia, ralhei, disse que era só para ocasiões especais, mas ainda vai demorar mais 2 ou 3 dias até voltar tudo ao normal...

You May Also Like

0 comentários