Coisas de Morte (a saga continua)

- 21.1.09

Era uma e tal da manhã, quando o Afonso acorda a gritar, muito aflito. Imaginei logo que estava a ter um pesadelo (e os meus filhos, nessas matérias, bem que podiam não ter saído à mãe) e corri para o quarto, a ver o que se passava.
- Não, mãe. Não era um pesadelo! - tratou o Afonso de explicar, entre as muitas lágrimas que lhe corriam pelo rosto. - É só que eu não quero morrer!
A saga continuava. O pai já anda a pensar que eu sou que lhe falo destas coisas, ou lhes ando a ler histórias tétricas à noite, mas eu juro que evito ao máximo tocar no assunto, até porque já sei os filhos que tenho.
- Ó filho... Mas tu não tens que pensar nisso... Só tens cinco anos!
- Eu sei, mãe. Mas eu não quero morrer... nem quando eu for velhinho!
Ora bolas! Assim ia ser mais difícil tranquilizá-lo. Como dizer-lhe que ele não ia morrer... nem quando fosse velhinho?
- Há alguma maneira das pessoas nunca morrerem, mãe? - continuou ele, de olhos cheios de lágrimas.
Saquei-o da cama e pu-lo ao meu colo, coisa que, com dois bebés na barriga, já não é tarefa fácil.
- Quando as pessoas são velhinhas, filha, ficam cansadas... e precisam de descansar. E elas não desaparecem... Ficam para sempre a olhar por nós, nas estrelinhas...
- Mas eu não quero ir para as estrelinhas, mamã. Eu quero ficar aqui. Nunca quero descansar!
Começa a ser cada vez mais difícil acalmar as dúvidas do meu filho em relação à morte. Já nem as estrelinhas o consolam. Por isso tive que lhe dar uma nova esperança. Uma esperança que eu acho que não virá a tempo, nem na minha vida nem na dele, mas alguma coisa tinha que o fazer voltar para a cama e descansar.
- Sabes que dantes as pessoas morriam muito cedo. Havia muitas doenças. Mas os cientistas foram descobrindo curas para essas doenças, e as pessoas cada vez vivem mais tempo. Dantes as pessoas morriam com a idade da mamã...
Olhou para mim, muito espantado, de boca aberta.
- Mas agora, já há pessoas a viver até aos cem anos! Que são muito anos.
- Então, se eu for cientista, posso descobrir uma maneira das pessoas viverem para sempre...
Hesitei, mas dei-lhe a única resposta possível, à uma e meia da manhã.
- Claro, filho! Vais estudar muito para te tornares cientista, e vais descobrir uma maneira das pessoas viverem para sempre!
- Boa! Então vou ser cientista e bombeiro.
- Bombeiro também, Afonso?
- Sim... para também não deixar que ninguém morra queimado.
E pronto. As lágrimas secaram, e o meu filho Afonso adormeceu com a certeza que um dia vai ser um grande cientista e vai descobrir o elixir da vida eterna. E eu, que já não tenho cinco anos nem acordo a gritar a meio da noite, também me deitei e adormeci com essa esperança...

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