Coisas de memória de elefante

- 14.2.12

O meu filho Sebastião tem memória de galinha. Eu sei, não devia falar assim, por causa da psicologia, e da pedagogia, e das coisas todas acabadas em ia. Mas disse. Disse uma vez e outra, e outra ainda, irritada por ele esquecer, esquecer, esquecer, esquecer. É esperto, tem boas notas na escola, mas não consegue decorar as coisas! Há uns dias, olhei-o nos olhos e fiz-lhe uma promessa:
- A tua memória vai ser de elefante, meu filho! Ai vai, vai.
E desde aí que o ponho a declamar vezes sem conta os textos dos trabalhos de casa (O Cágado veio comigo. Deitei-o na água do lago. Ao pé do lago vi o gato. O cágado é amigo do gato), até os dizer de cor. E hoje começámos nas lengalengas.

Ó Anacleto, come o caldo.
Não como, que me escaldo.
Ó Anacleto, come a sardina.
Não como, que tem espinha.
Ó Anacleto, come o bacalhau.
Isso sim, que não é mau.

Ao fim de lhe dizer dezenas de vezes "Ó Anacleto, come o bacalhau", e de ele me responder outras vezes sem conta "Isso sim, porque gosto", o Afonso desatou a rir (de gozo). E a mãe riu também (de desespero). E o Sebastião riu também (de sei lá o quê). Porque depois chorou.
- Estás a chorar do quê, Sebastião?
- De errar sempre!
E senti o coração pequenino. Minúsculo. Do tamanho de uma mãe insignificante, que é capaz de deixar o seu filho frustrado. Uma mãe culpada. Cheia de falta de bom-senso. Uma mãe que erra. Mas que, felizmente, ainda ia a tempo de emendar o seu erro.
O Afonso foi para a cama. O papá ficou no sofá. E eu fui com o Sebastião esconder-me na sua cama, e sussurrámos ao ouvido um do outro a malfadada legalenga do Anacleto. Até o Sebastião acertar. E acertar sempre. Então peguei nele, dentro do saco de cama, como se fosse o meu saquinho de batatas, e levei-o até ao quarto, para que o Afonso ouvisse o Sebastião dizer a legalenga toda. Até as partes da mamã! Depois descemos as escadas e o Sebastião repetiu a legalenga ao pai. Sem se enganar uma única vez! E depois (já eu estava com umas valente dores nas costas) subimos as escadas e repetimos uma última vez a lengalenga na cama. E o Sebastião era um menino feliz novamente.
- Amanhã perguntas-me outra vez, mamã?
- Claro, Sebastião. Mas também vais aprender uma nova.
E ele disse que sim, satisfeito.
- Até eu ter uma memória de elefante...

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