Coisas de atentado em Paris
Assistimos, em choque, aos mais recentes acontecimentos em Paris.
Para os gémeos, pareciam só mais umas quantas imagens horríveis das que passam todas as noites nos telejornais, de morte e violência (ao ponto que tenhamos tantas vezes de mudar de canal ou desligar a televisão, que é mesmo a forma mais saudável de fazer uma refeição em família).
Mas o Sebastião e o Afonso já quiseram saber pormenores. O que levou aqueles homens a entrar e a matar. Como é possível fazê-lo em nome de uma religião. Em nome do que quer que seja.
Já sabiam o que era o Islão (até porque no ano passado estivemos em Marrocos), o que distingue essa religião do cristianismo, e o que as aproxima. Na fé e na atitude pacífica e de respeito por quem tem religiões diferentes, depois de muitos séculos conturbados e de guerras santas, levadas a cabo por ambas as partes.
Já sabiam o que era o Estado Islâmico e a violência bárbara das suas ações, condenadas também pela comunidade islâmica. Condenadas por qualquer pessoa de bem.
Só não sabiam bem o que era a liberdade de expressão. E esta, apesar de a termos explicado e defendido, levantou-lhes dúvidas.
(Sebastião) Mas nós não podemos dizer tudo o que queremos. Se gozarmos com os professores ficamos de castigo.
(Afonso) E o Islão não proíbe as imagens de Alá e de Maomé? Então porque é que há gente que continua a fazer esses desenhos? Vocês estão sempre a dizer que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade do outro...
Explicámos então que a liberdade de expressão existe e é um princípio básico da democracia. Limitar essa liberdade é censurar. Não é assim possível impedir que alguém diga o que quer. Mas pode-se penalizar, se essa liberdade prejudicar ou magoar alguém.
Agora, na nossa vida prática, e para evitarmos prejudicar ou magoar alguém, é sempre bom usarmos a máxima de que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Um dia, eles serão donos e senhores da sua liberdade de expressão. Poderão usá-la como quiserem, e serem penalizados se a usarem mal. Mas até lá, é nosso dever, dever de pais, ensinar-lhes o que devem e não devem dizer, de forma a não prejudicarem ninguém. Nem a deixarem-se prejudicar.
Agora, se eles um dia acharem que devem denunciar alguém ou alguma coisa (e é também esse o papel dos jornalistas), devem fazê-lo, ainda que possam depois tentar penalizá-lo, acusando-os de estarem a usar abusivamente a sua liberdade de expressão. Às vezes, os jornalistas correm riscos por isso mesmo, mas se eles o fizerem por acharem que essa denúncia é necessária e tornará o mundo num lugar melhor, será sempre, à partida, um ato de coragem.
A conversa ficou por aí. Os filhos pareceram mais satisfeitos, mas os pais estavam exaustos. Explicar este mundo e as suas regras aos mais novos (sendo que neste mundo há tantos pequenos mundos com outras regras, e tanta gente que prefere viver sem elas) nem sempre é simples. Nem sempre é linear. Até porque a nossa liberdade de expressão, de pais, também é limitada. Limitada por aquilo que achamos que faz bem (ou não) aos nossos filhos ouvir.
0 comentários