Se há algo de que as crianças beneficiam com o facto de terem irmãos, é que aprendem rapidamente a argumentar. Não sei se Platão ou Aristóteles eram filhos únicos, mas se tinham irmãos, certamente que lhes davam facilmente a volta. Ou se calhar a sua sofística foi apurada exactamente porque eram um entre outros irmãos, e tiveram que conquistar o seu espaço não só argumentando com os pais, mas também com aqueles que queriam patilhar os seus brinquedos, brincadeiras e atenções.
Desde que o Sebastião (irmão mais novo) se tornou gente e começou a ter voz para reivindicar o seu espaço, que insisto com o Afonso (irmão mais velho) para não resolver as suas divergências com o irmão à pancada. É verdade que os irmãos mais velhos têm sempre vantagem sobre os mais novos, pelo menos enquanto mais idade é sinónimo de mais força ou mais esperteza (depois a balança equilibra-se e os mais novos, se mais fortes ou mais espertezos, costumam até vingar-se desse período de desequilíbrio forçado). O Afonso é mais alto que o irmão, mais ágil, tem mais força e corre mais depressa. Se quer um brinquedo que o Sebastião tem na mão rapidamente lho tira e desaparece com ele. Se o Sebastião tenta tirar-lhe alguma coisa, bate-lhe e recupera à força o que acha que lhe pertence. Isto, claro, quando eu não estou presente (ou quando estou mas eles acham que não estou a reparar neles. Mas os pais têm sempre um olho escondido para ver os disparates dos filhos...). Quando estou, insisto para que todos os assuntos de posse ou decisões de brincadeiras sejam decididas... argumentando. “Se é isso que queres, Afonso, convence o teu irmão”. E ele lá tece argumentações infindáveis, a que normalmente o irmão acaba por ceder por exaustão. Se não cede, é só eu virar as costas e lá volta o Afonso ao sistema do costume, que acaba sempre com o Sebastião a chorar. Mas pronto... Platão com 4 anos também deve ter dado uns calduços nos mais novos até perceber que podia ganhar mais com as palavras...
Quando acordam, os meus filhos costumam ir ter comigo à cama, e antes de me arrancarem nela, aninham-se um pouco ao meu lado a contarem os sonhos que tiveram durante a noite. O pai já se levantou há muito, mas deixou a caminha quente para os miminhos matinais que troco com os meus dois piolhos. E os sonhos de hoje foram assim:

Afonso:
Estava a sonhar que tinha feito uma ovelha de corda. Mas a corda era amarela, então a minha professora apareceu e disse-me para pôr papel higiénico para a minha ovelha ficar branca...

(Até hoje, o Sebastião limitava-se a ouvir as histórias do irmão e a responder um redondo "Não" quando lhe perguntava se ele também tinha sonhado. Mas como cada vez mais não quer ficar atrás do mano, hoje também resolveu contar o seu sonho. Se o sonhou de facto, ou não, só ele o saberá...")

Sebastião:
Sonhei... com... borboleta. Depois apareceu o Panda. E comeu-a...
O tempo voa, não me tem sobrado tempo para nada, mas as frases dignas de registo são diárias e, pelo menos essas, não posso deixá-las escapar pelo ar:

Afonso, o sonhador
- Mãe, não consigo adormecer...
- Pensa em coisas boas, Afonso.
- Mas se eu pensar em coisas boas... vou voar! (para quem não se lembra... Peter Pan!)

Sebastião, o sádico
(trouxe a filha de uma amiga para minha casa, enquanto a mãe ia às compras)
Sebastião: Madalena... a tua mamã... fugiu!
(Madalena quase a chorar. Sebastião a rir)
Sebastião: Madalena... fugiu, fugiu!
(Madalena a chorar)
Eu: Não fugiu nada, Sebastião! Só foi às compras mas já volta.
Sebastião: Não volta, não... Ih, ih, ih!
(faz raccord com Sebastião a apertar passarinho caído do ninho até ele sufocar, enquanto Afonso gritava: "Estão-lhe a sair os olhinhos! Estão-lhe a sair os olhinhos!")
Afonso acabado de acordar:

- Ó mãe, quando eu estava na tua barriga pensei que não gostava que chovesse. Mas depois tu bebias água e chovia-me em cima...