Coisas de composição

- 10.1.12

"Muita imaginação, mas é preciso atenção à pontuação".
Era mais ao menos isso que dizia na ficha de avaliação do meu filho mais velho (8), e que me fez sentir a pior mãe do mundo. É verdade que estou sempre a puxar pela imaginação dos meus filhos... mas como posso ter negligenciado a pontuação? Que espécie de mãe escritora sou eu?
Ontem, decidi sentar-me ao lado do meu filho para o ajudar na sua composição. Ele pegou no lápis para começar a escrever e eu mandei-o pousá-lo:
- O que é que vais escrever, Afonso?
- Uma história sobre os Reis Magos.
- Mas já sabes o princípio, o meio e o fim da tua história?
Não sabia, claro. Ia contar umas coisas. Então a obriguei-o a puxar pela cabeça. E a pensar no que queria dizer a quem o fosse ler.
- Ó mami, mas ninguém vai ler isto. Nem sei se a professora vai ter tempo!
- Não interessa, Afonso. Não estás a escrever para ti. Estás a escrever para que te leiam. Por isso tens de escrever sempre a melhor história que conseguires para aqueles que te poderão ler.
Ficou entusiasmado. E pegou novamente no lápis. Mandei-o pousá-lo novamente.
- Tens de pensar no teu arranque, Afonso. Se as tuas duas primeiras linhas forem uma seca, ninguém vai querer ler o resto. Nem a tua professora!
Pensou. E a história dos Reis Magos começou com uma noite fria em que estes andavam perdidos no deserto. Quando dei por ele, já tinha criado um quarto Rei Mago e já queria que ele partisse uma perna e vivesse uma aventura no castelo do HErodes. Tive de refreá-lo e pedir-lhe que guardasse a imaginação para histórias menos sagradas. Mas, mesmo com freio, ficou uma história bem construída, com princípio, meio e fim. E ele percebeu exactamente que tipo de erros cometia na pontuação.
- Há escritores que quase nao usam pontuação, nem separam as falas do texto, Afonso. Mas primeiro precisas de escrever correctamente. Depois logo podes criar um estilo próprio. E encontrar a tua própria originalidade.
- O que é isso, mami?
- É encontrares qualquer coisa que só tu faças. Para, quando os teus colegas lerem um texto teu, saberem logo que foste tu que o escreveste. Porque só tu escreverias assim.
- E qual é a tua originalidade, mamã?
- Bem... a mamã também ainda está à procura dela. Por isso ainda escrevo de forma muito certinha. Mas um dia vou encontrá-la... E tu vais encontrar a tua.
E ontem, perante uma nova composição, decidiu acabá-la com uma rima escrita no centro do texto.
- Posso fazer isto, mami?
- Podes. Vai ser a tua originalidade?
- Vai. Mas não podes copiá-la, mami!
Combinado, pequeno Afonso. E que a tua imaginação nunca te falte...

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