Coisas de Ensino para que te quero

- 24.3.13

Tenho um filho que pensa nos porquês da vida, gosta de ler, escrever e criar.
Tenho um filho que gosta de cozinhar, quer ter muitos filhos e adora ensinar os mais novos.
Tenho um filho que adora ferramentas e pensa na organização espacial dos móveis cá de casa.
Tenho uma filha que adora pintar e dançar e cantar e estar em cima do palco.

Tenho quatro filhos completamente diferentes, que vão passar pelo menos 9 anos a aprenderem exatamente as mesmíssimas coisas (partindo do princípio que as áreas a partir do 10º ano vão mesmo ao encontro daquilo que eles são e gostam, e que os cursos universitários serão também a concretização de algo para a qual estão vocacionados, o que na maioria dos casos não é verdade).
Tenho quatro filhos completamente diferentes que poderiam ser absolutamente mais válidos um dia se começassem desde já a desenvolver aquilo em que são melhores e em que podem efetivamente vir a fazer a diferença.
Dirão alguns que eles podem sempre fazê-lo, nos tempos livres. Pergunto-me quando: se enquanto estão a fazer os trabalhos de casa, se enquanto estão a dormir, porque na maioria das famílias é inexistente o espaço para o diálogo ou para o desenvolvimento de outras atividades enriquecedoras para além da escola.
Não digo que o ensino esteja todo errado. Conheço muitos professores que verdadeiramente se desdobram para puxar pela diferença dos seus alunos. Mas como fazê-lo numa turma com quase 30 alunos e com tantas metas e exames e avaliações e burocracias? Como fazê-lo, se ninguém o valoriza ou reconhece? E isso não deveria ser uma aposta pessoal de um professor mais teimoso, deveria ser uma visão de quem deseja um país diferente daqui a alguns anos.
Há ajustes urgentes e necessários, é verdade. Talvez não possamos formar tantos professores. Talvez tenhamos que ter políticas de incentivo à natalidade, ou qualquer dia não teremos sequer alunos. Mas entre os cortes e costuras necessários, não deveríamos rentabilizar os recursos que temos? Não deveríamos aproveitar este momento único para revolucionarmos verdadeiramente o ensino, com todos os recursos (físicos, tecnológicos e sobretudo humanos) que temos ao nosso dispor?

E se penso em tudo isto, é porque vejo quatro filhos diferentes e não sei como lhes dizer que, com sorte, só daqui a uns 10 ou 15 ou 20 anos, é que eles terão tempo para serem tudo aquilo que são e desenvolverem tudo aquilo que querem fazer. Nessa altura, se não tiverem já desenvolvido o que são e o que querem fazer (o mais provável) vão dizer-lhes que terão que trabalhar em qualquer coisa e, como eles não desenvolveram o que mais gostam e mais querem, vão fazer a primeira coisa que lhes apareça à frente (e já é uma sorte virem a ter emprego!). E depois, como têm que fazer essa coisa para terem dinheiro, não vão ter tempo para desenvolverem aquilo em que podiam ser melhores e diferentes. 30 ou 40 ou 50 anos depois (no tempo deles a reforma deve ser aos 80!) vão reformar-se e pensar que, ufa!, agora vão ter tempo para serem o que querem e fazerem o que gostam de fazer. Mas... ah, bem, se calhar aos 80, havendo saúde, já não há propriamente pachorra para tentar fazer a diferença...

Empolei o lado da tragédia, mas porque sinto verdadeiramente que isto é trágico. Se todos nascemos diferentes, é porque nascemos com algo em potência, chamemos-lhe dom, talento, vocação ou paixão. Faz algum sentido que morramos sem termos tentado, pelo menos, ser aquilo que podíamos ter sido? Não teria sido esse, à sua medida, na sua dimensão, aquilo que de melhor teríamos para dar ao mundo, aos outros e a nós próprios? Não estaria aí, algures, aquilo que todos buscamos e que chamamos de felicidade?

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4 comentários

  1. É bem verdade primita!
    Ao longo do meu percurso académico formos alertados para a importância de facultar os meios físicos e humanos necessários ao desenvolvimento das capacidades individuais de cada uma das crianças e a fugir à "massificação" e ao "somos todos iguais". No entanto na realidade profissional somos "engolidos" pelo sistema, pelas prendas do pai ou da mãe todas iguais dentro de uma sala e outros exemplos do género. Mas enfim, cabe a cada um de nós remar contra a corrente.
    Beijinhos!
    Patríca

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  2. Sara,
    adorei este texto e nos últimos meses essa tem sido uma das minhas questões. A escola atual não permite potenciar o melhor de cada aluno e muitos acabam por deixar de ter interesse na escola e podem mesmo ficar para trás e não precisa de ser assim.
    Bjs.
    Ana

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  3. Olá,
    sigo o seu blog porque o acho girissimo, nunca comentei, mas apeteceu-me dizer-lhe que não podia concordar mais.
    A minha "mini eu" ainda tem apenas 17m, pode ser que até lá, tenhamos ambas a sorte que algo mude.
    Felicidades.
    Rafaela

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  4. Surpreendentemente (ou talvez não), tenho-me deparado nos últimos dias com um conjunto de projetos que nasceram desta mesma preocupação. Acho que estamos a precisar de reunir esforços... Se tiverem interesse, visitem as seguintes páginas:
    - https://www.facebook.com/pages/In-SIDE-Education/542376722449711
    - https://www.facebook.com/movimento.educacaolivre.1
    Um beijinho a todos! E vamos lá mudar o mundo :)

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