Coisas de Adeus e Obrigada!

- 28.1.14

Escrevi há uns dias este pequeno artigo para a "Mais Alentejo", em jeito de homenagem à minha avó, última bisavó dos meus filhos, que em breve celebraria 95 anos. Já doente, na altura, faleceu esta madrugada na sua terra. Tenho para mim que não se chora a partida de quem viveu tanto. Antes se celebra a vida e se agradece tudo aquilo que ela nos proporciona viver.
Obrigada, minha avó!

"4 Gerações de Memórias
Maria Adelaide nasceu alentejana, por terras de Galveias (Ponte de Sor), no ano de 1919. Se a saúde não lhe faltar, como tem faltado infelizmente nos últimos dias, completará 95 anos a 8 de fevereiro.
Mulher do campo, começou cedo a aprender a tirar da terra o sustento. Da criação de animais à lida da casa e da roupa, que se confecionava à mão, Maria Adelaide sabia fazer de tudo um pouco. E tudo fazia, por força da necessidade.
Do casamento vieram os filhos: quatro rapazes e, quando a idade já não o fazia prever, uma menina, criada a água de açorda, por falta do leite materno que, nas vezes anteriores, dera para os filhos e para outros bebés que precisavam.
Crescidos nos montes, sem luz ou água canalizada, os filhos ajudavam no que podiam. Para irem à escola, percorriam 10 quilómetros a pé, por veredas repletas de aventuras: roubar ovos dos ninhos, fazer armadilhas para os animais, caçar coelhos e pescar peixes, que depois se juntavam ao pão confecionado pela mãe... Nas horas vagas, quando as havia, brincavam ao agarro, ao pau quente, ao botão, à pata, ao eixo, ao peão e à bugalha (berlinde). Faziam bolas de trapos e brinquedos com madeira e cortiça, folhas de piteiras e arames dos fardos de palha. À noite, sobretudo em alturas festivas, o pai cantava e tocava concertina enquanto os filhos dançavam com as primas e com as tias, outras vezes até com uma vassoura.
Um dia, os filhos começaram a partir. Primeiro para trabalhar e estudar, apadrinhados pelos patrões dos pais, que quiseram ajudá-los a conquistar um futuro melhor. Os mais velhos juntaram-se depois na tropa e, como os tempos eram de convulsão, Maria Adelaide viu os três partir para a guerra. Volta e meia chegavam notícias pelo correio. Fora isso, era esperar que a sorte os protegesse, enquanto se tentava enganar a saudade com o trabalho.
Safaram-se os três. Dois seguiram a via militar. Um deles optou pelos estudos e formou-se em Engenharia.
O quarto filho, mais novo, safou-se por um triz dos conflitos em África. Estudou, assim como a irmã, mas no país o futuro era incerto. Emigraram, como tantos outros da sua aldeia e por lá ficaram, com as filhas a falar já noutra língua.
Maria Adelaide viu os filhos partir, viu depois o marido falecer e ficou pela aldeia, onde muitos também foram partindo, com o tempo. Foi lá que foi recebendo a visita dos filhos, depois dos netos (9 no total) e dos bisnetos (12 até à data), estes últimos nascido já na era da televisão, dos computadores, das consolas, dos shoppings, dos hipermercados, dos micro-ondas e dos ares condicionados, das autoestradas e das viagens de avião. Nascidos já numa era de tantas facilidades, mas com um futuro tão incerto como antes...
Quatro destas crianças são os meus filhos, a quem eu hoje quero contar esta história, para que a memória daquilo que Portugal foi e mudou em tão pouco tempo nunca se perca. E, sobretudo, para que eles entendam o valor de quem passou por tanto, e tanto fez para que hoje fôssemos quem somos. Obrigada, avó Maria!"

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3 comentários

  1. Recordar com carinho é honrar a memória saudosa de quem amamos...
    Restam-nos as memórias dos afectos, da ternura, dos saberes legados, da aprendizagem de vida...
    Um abraço sentido
    Maria

    ResponderEliminar
  2. Recordar com carinho é honrar a memória saudosa de quem amamos...
    Restam-nos as memórias dos afectos, da ternura, dos saberes legados, da aprendizagem de vida...
    Um abraço sentido
    Maria

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