Coisas de composição à la Titão

- 2.10.14

(Titão) Mãe... sabes aquela coisa que eu mais odeio fazer?

Vi-lhe o livro na mão e imaginei imediatamente o que ele me vinha dizer, mas disfarcei:

(Mãe) Levar uma vacina? Ser virado de pernas para o ar? Não estou a ver...
(Titão) Tenho de fazer uma composição!!!

O tema era facílimo: uma singela viagem de um caracol. Total liberdade para ele escrever o que quisesse. E ele estava completamente bloqueado sem fazer a mínima ideia do que escrever.
Forcei-o a ficar um bocado sentado, a escrever o que lhe viesse à cabeça, mas eram 18.30h da tarde e não lhe vinha nada senão uma enorme vontade de brincar e descansar. Até que desisti.

(Mãe) Anda comigo dar banho aos manos e fazer o jantar.

Enquanto saltitava atrás de mim, fi-lo imaginar que era um caracol. Imaginámo-nos criaturas lentas e pegajosas. Falámos de lugares onde ele tinha gostado de ter estado ou onde gostaria de ir. Falámos do ato de criar. Ouvimos música. E, quando os manos já estavam prontos e o jantar na mesa, ele gritou:

(Titão) Tive uma boa ideia para a minha composição!

Não era nada daquilo que tínhamos falado, mas era nem mais nem menos uma das melhores ideias que eu já tinha ouvido. Ele inventou um caracol que tinha 3 empresas: uma empresa para ensinar os outros caracóis a serem rápidos, outra para os ensinar a serem espertos e outra para viajar no tempo. Ia nesse dia viajar até um encontro de empresários onde ia apresentar as suas mais recentes instruções para se ser estas 3 coisas. Arranjou então forma de se colar à asa de um avião que ia para Londres, depois saltou para cima do Big Ben, desceu pelos ponteiros, aterrou no segurança do elevador e subiu por ele acima para carregar no botão do andar onde ia acontecer o encontro. O problema foi que, quando chegou lá... não havia lá ninguém! Claro! É que os outros caracóis não eram tão rápidos nem espertos como ele. Ainda nem conheciam as suas instruções! Felizmente, ele também tinha instruções para viajar no tempo, por isso voltou atrás, à sua casa, antes de partir, e voltou a fazer a viagem. Desta vez a pé, para chegar lá ao mesmo tempo dos outros...

Onde ele foi a estas ideias, não sei. Sei que, se as teve, foi porque criou nele esse espaço, essa disponibilidade, com tempo, carinho e magia.
Há crianças que são rápidas a ter ideias (o Afonso, por exemplo, é um super sónico!). Há outras que precisam de tempo e condições para criar e, se esse tempo e condições existirem, podem até ser mais criativas do que as outras. Ou seja, não é um defeito, pode mesmo ser uma qualidade. Mas é uma qualidade para a qual há muito pouco espaço e tempo no nosso sistema de ensino, onde se pede, num exame, que se escreva uma história de 20 linhas em poucos minutos. E assim se avalia a criatividade de uma criança. E assim se transforma uma criança criativa numa criança que diz, de cara fechada, que "odeia composições"...

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