Coisas de Memória

- 7.12.06

Coisas de Pais
A memória é ingrata com os mais velhos, mas também o é com os mais novos. O Sebastião, com um anito apenas, ainda não tem consciência que tudo o que está a viver agora o vai esquecer. Talvez uma ou outra experiência regressem se ele der numa de psicanálise, mas a maior parte das coisas, más mas também boas, terá que as ouvir dos pais ou ler nos álbuns (ou quiçá neste blog, se ele ainda existir). Mas o Afonso já vai percebendo que se esquece do que viveu, e pede muitas vezes para lhe contar as suas experiências: “Conta a história do teatro da Floribella, mamã”, “Conta a história do Natal na casa da avó”, “Conta a história do Oceanário, mamã...”. Contá-las é eternizá-las na sua cabeça, contornando as pequenas traições que a memória lhe prega todos os dias. Com um pequeno senão. É que quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. E a mamã nunca conta a mesma história da mesma maneira. Acrescenta sempre uns pontos, efabulados, mágicos, fabulosos demais para serem reais. Acho que, quando crescer, o meu filho vai olhar para trás e ver uma infância incrível. Em que as fadinhas nos colaram umas asas no carro para chegarmos mais depressa ao destino, ou um tubarão fugiu do aquário porque estava farto de ser chamado de mau... Talvez isto lhe traga alguma nostalgia. Ou talvez ele consiga fazer da sua vida algo igualmente mágico...

PS – Quando falo em memória lembro-me sempre do meu sobrinho Manel. Quando os pais lhe perguntavam se queria ir a algum lado, dizia sempre com tristeza: “Mas eu depois vou-me esquecer...”

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2 comentários

  1. Somos muito mais do que aquilo que vivemos e do que aquilo que da inefável realidade somos capazes de verbalizar. A isso devo a minha modesta existência de agente secreto, qual pai que no filme 'Big Fish', de Tim Burton, vai construindo e fundindo no caldeirão da memória, como um alquimista, o verosímil e o que parece não o poder ser. Está ali tudo, naquele universo onírico, a hipérbole do sonho reconfortante e o pavor do pesadelo arrasador, o tubarão mau e o tubarão libertário e sonhador que quer fugir da imagem estereotipada que se lhe colou ao corpo. Está ali a ambivalência de sentimentos que se pode gerar relativamente a quem ouse tomar o leme da(s) nossa(s) memória(s). Acaba bem e o amor vence mas perturba. Somos nós...

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  2. Isto que eu vou escrever é (mais) uma patetice das muitas que me invadem a cabeça: às vezes penso que mesmo sendo neste momento uma das pessoas mais importantes na vida do Manel, se eu, hoje, desaparece-se para sempre, ele me iria esquecer e a ideia com que iria ficar de mim seria aquela que o pai e os avós lhe transmitiriam. Isso assusta-me.

    O meu marido diz que eu sou parva... se calhar sou mesmo!!!

    PS: Não sei se a palavra "desaparece-se" está bem escrita... e estou com preguiça de ir ver ao dicionário!!!

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